terça-feira, 29 de julho de 2008

Um Agente Secreto Tupiniquim

Era uma tarde de uma semana qualquer, cuja característica mais importante talvez fosse a de terminar com um feriado na sexta-feira: O Dia de Tiradentes. O herói da Inconfidência. A secretária, então, avisou que eu deveria receber, ai pelas 17 horas, um representante do “Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra”, o MST. Considerei a informação rotineira, isto é, sem maior valia na contabilidade do dia. O cotidiano era assim mesmo. O Reitor tinha viajado e eu estava ocupando a Reitoria, substituindo o titular, como frequentemente acontecia. Mas, parecia um caiporismo danado estar na titularidade, mais uma vez, frente aos fatos mais inusitados possíveis. É isso mesmo! Refletia, então, diante de mais esse impasse ou desse enfrentamento a mais na minha carreira de substituto eventual. Ossos do ofício! Coincidências da vida!
Na hora aprazada chegou o penitente, líder do já aludido “Movimento". Aliás, a bem da verdade, eu tinha feito a abertura de um encontro deles na Universidade e havia pedido de presente um boné característico das invasões que levavam a cabo. Foi difícil conseguir. Tive a impressão que não era habitual alguém como regalo um desses apetrechos do grupo. Menos habitual ainda receber a lembrança. As pessoas, na verdade, corriam léguas dessa evocação e sobretudo desse simbolismo. Terminei ganhando e guardando em casa, como se fora um troféu desses anos diferentes de meu viver. Só que a minha mulher, inadvertidamente, saiu para caminhar, sem que se apercebesse, com o chapéu e no Parque da Jaqueira, no Recife, os olhares que se cruzavam na pista recriminavam a senhora que andava com semelhante boné. Um horror! Só se deu conta quando voltou e foi recriminada pelas filhas.
Mas, recebi o líder do “Movimento de Trabalhadores Rurais sem Terra” (MST), sentado em conjunto de estar no Gabinete, ouvindo, pacientemente, o que desejava expressar. Disse, em alto e bom som: “Vamos invadir a Universidade!”. Fiquei perplexo e quase digo que não, mas seria prudente analisar o fato e o feito, aguardando as demarches. Adiantou que viriam em missão de paz, acampariam na instituição e ocupariam – ai sim! – as dependências do Incra. Marcou dia e hora! No meio da conversa, pedindo desculpas, avisou que seria grosseiro, que diria alguma coisa mais ríspida. Eu fui forte – nem sei como! –, respondendo que ele estava numa universidade, onde se trata com cortesia e com urbanidade. Aprende-se a lidar com o próximo dessa forma. Mais uma vez pediu desculpas e nada mais disse, nem lhe foi perguntado.
Decidi ligar para as pessoas com experiência no assunto, gente especializada em encarar os “Sem Terra”, ouvindo os mais diversos conselhos. Desde a recomendação de nada fazer e de me ater à possibilidade de algum distúrbio, até às orientações para ocupar o Campus com a polícia ou a força federal, antes que eles chegassem. Um rolo na minha cabeça. Mas, reuni o que chamei a posteriori de Colegiado de Crise – os pro-reitores –, pedindo a eles o apoio necessário nas horas daquela quase ocupação. Mandei preparar o Núcleo de Educação Física e tomei outras providências. Considerando o fato de contar, possivelmente, como sucedia nas invasões anteriores, com crianças, decidi convocar o Corpo de Bombeiros, que manteve um soldado permanentemente ali, em função da piscina olímpica do lugar.
O pitoresco da história foi um funcionário da segurança, que tinha uma idéia fixa de que era militar. Convoquei-o, imediatamente, dando-lhe instruções peculiares. Ele foi um suporte importante nas 48 horas que durou a permanência dos integrantes do movimento. Acompanhou o deslocamento do préstito, desde cerca de 10km antes. Fazia de forma bem cuidada. Assim, pelo rádio: “Atento Reitor! Atento Reitor! A marcha está a 10km. Previsão de chegada: 13 horas.”. "Atento Reitor! A marcha está passando sob o viaduto da Ceasa. Previsão de chegada às 14 horas". Isso foi se repetindo até chegarem com um atraso de mais de 2 horas. Contava, também, com o auxilio da policia, que colocara à disposição um oficial e uma guarnição para o acompanhamento. Afinal, apareceram e depois de uma volta de reconhecimento no Campus, sem muita animação e sem algazarra, acamparam no Núcleo. Saíram no dia seguinte, repetiram a volta e foram ao Incra. Tudo em paz.
Mandei sondar o grupo através de meus agentes secretos tupiniquins, disfarçados em radiola, como fazia Bolinha, personagem dos quadrinhos de minha infância, e confirmei a saída para até a meia-noite do dia 21 – o feriado –, acompanhando de casa toda a evolução dos fatos. Passava da uma da manhã do dia seguinte, quando recebi a ligação do tal chefe da segurança: “Boa noite Reitor! Confirmo a retirada do grupo que ocupava o Núcleo de Educação Física. Positivo?”. E eu do outro lado: “Positivo! Operante!”. Foi um alívio, mas o convívio nesse pouco tempo não trouxe danos, sequer arranhões na relação com o "Movimento". Tudo correu na santa paz.
No fim, no fim, o "Movimento" busca o que nunca se teve no Brasil: a terra. Os latifúndios infestam a paisagem da Zona da Mata em Pernambuco e nada ou quase nada oferecem aos trabalhadores, senão o sofrido salário, sem que possam plantar e criar. Que pena!
Mais difícil foi com o chamado "Movimento dos Trabalhadores sem Teto". Mas, isso é outra coisa e há de ser motivo para nova crônica. E foi uma encrenca grossa.

Um comentário:

  1. Agruras agrárias de um administrador da res pública.
    Essa sua aventura foi sem traquinagens. Abraço, Carlos.

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