quarta-feira, 4 de junho de 2008

Essas Minhas Viagens!

Uma viagem depois da outra. Minas Gerais e o Ceará, sequer houve tempo para desfazer a mala. Roupas substituídas, trocadas por calças e camisas limpas e novamente o avião. Fazia muito calor na aeronave e eu lembrei de outro episódio. Seguia para um congresso nacional e por coincidência encontrei um colega de João Pessoa. De prenome Francisco, no hotel, por erro de digitação – o computador engatinhava –, trocado para Francosco. Rimos com isso às bandeiras despregadas. Vinha vestido a caráter – era formal o trajar dos passageiros –, paletó, gravata e colete. A cabine estava mais quente que as praias do Nordeste e toda gente suava às bicas. O companheiro de ocasião cuidava em mangar de mim, dizendo que eu tinha medo de avião e que o velho Boing ia cair. Valha-me Deus, quase digo! Mas, se não foi tanto, foi quanto!
Ás folhas tantas, o veículo aéreo, nascido do engenho de Dumont, sofreu uma queda de 500 metros, disse o comandante, justificando ter sido proposital, com a finalidade de reparar a refrigeração. Uma freira ao lado – Uma freira? Que horror! Dá azar! –, diante do esclarecimento, indagou: “O senhor que fala muito: acredita na explicação?” Se verdade for, com toda certeza, minha senhora, ao voltar, hei de jogar do telhado um equipamento antigo de ar condicionado e esperar que volte a funcionar! E ela tirou o rosário do bolso, começou a rezar e se calou. O nosso depois apelidado Francosco, virando-se para mim e completamente suado, tal o medo ou tal o pavor de morrer ali, nos ares do mundo, expressou o seu último desejo: “Vamos tomar uma cerveja lá atrás!”. E fomos! O comissário, indagado sobre o que havia, disse que era uma pane, mas de detalhes não dispunha. Apenas nos serviu. E eu fiquei para contar a história.
Sobre viagem, aliás, digo que logo depois de formado, médico de anel no dedo, fui fazer um curso em São Paulo, no conhecido Instituto de Medicina Tropical, sob os auspícios de um brasileiro ilustre: Prof. Carlos da Silva Lacaz. Pois bem, atravessando o rio São Francisco de balsa, como se fazia outrora, vi uma jovem senhora desmaiar. O marido, muito solícito, sentou a companheira no piso da embarcação e começou a abaná-la. Eu, de minha parte, no fiel cumprimento do juramento de Hipócrates, me apresentei e lembrei que deveria deitar a mulher, como forma de fazer o sangue voltar a irrigar, devidamente, o cérebro. E a resposta veio rápida: “Muito bem! O senhor é médico! Mas, foi chamado para tomar alguma providencia?”. E nunca mais me meti, sem que para tanto fosse convocado.
Mas, convocado mesmo eu fui por um comandante de outra aeronave, em trajeto para São Paulo, quando levava meu sogro para uma cirurgia na Beneficência Portuguesa, onde operava o cirurgião maior do coração brasileiro: Jesus Zerbini. De repente, o rádio de bordo: “Atenção: se há algum médico presente, por favor, dirija-se à cabine de comando!”. Olhei para trás e olhei para frente, ninguém, não tive dúvidas: era comigo. E compareci ao cubículo em que ficam os operadores de vôo: o piloto e o co-piloto, além do mecânico de bordo à época. Ouvi, então, o problema: havia um homem passando mal e cabia tomar uma providência. Era um senhor conhecido na República, baixinho, entroncado, que além de vomitar muito, estava desfalecido, sem forças e com fortes dores no peito.
Eu tinha aprendido com o meu chefe – Ruy João Marques – a auscultar com o ouvido desarmado, isto é, sem o estetoscópio. O coração pulsava vagaroso, era um sinal evidente de enfarte do miocárdio, em função do grande esforço que fazia o doente. Não havia medicação, senão um comprimido sublingual que me conseguiu um padre. O paciente, infelizmente, faleceu e o cura aéreo me pediu licença para o derradeiro sacramento. Disse-lhe que disso não cuidava e ele, com a autorização de esposa aflita, fez lá uma mugangas e considerou salva aquela alma. Ao final, uma senhora muito gorda, sentada ao meu lado, disse que era advogada e como se tratava de uma autoridade, punha-se à minha disposição. Desembarquei meio assustado, com o padre me enlaçando o ombro e dizendo: “Que trabalho, doutor!” E eu: “Menos para o senhor, que com os seus trejeitos pôde cumprir o dever canônico!”.

Essas minhas viagens!

(*) - Crônica escrita numa manhã de junho - 3 de junho -, mal o dia amanhecia, em Fortaleza, na sala da casa de minha filha Patrícia. Vejo ela por 4 dias, se pouco, e apresento três trabalhos no Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames). Um sobre a Comadre Fulozinha, outra a respeito da Alamõa de Fernando de Noronha e mais um a propósito da Emparedada da Rua Nova-Verdade ou Ficção?