quarta-feira, 24 de março de 2010

Deus está lá fora!

Brincadeiras entre médicos, nascidas da criatividade de colegas, é comum nos ambientes de trabalho. É natural entender que se vive no dia a dia das coisas as dificuldades próprias e os impasses alheios, não apenas as doenças, mas as mazelas todas do ser humano, daí a graça, a pilheria. No velho Hospital Pedro II, havia um Diretor da Santa Casa com um nome diferente. Digamos que fosse Aprígio (nome fictício), mas era muito pior e o nosso personagem tinha horror a seu prenome, pelo que era mais conhecido pelo sobrenome: Dr. Alheiros (fictício também). Ele gostava de sua condição de médico e sobretudo orgulhava-se de sua situação de Diretor. Ora a estudantada não perdoava e diante de uma indagação qualquer, feita por um doente interiorano, matuto, como se diz aqui no Nordeste ou caipira, como se costuma falar no Sul do Brasil, a explicação era única: “Olhe! O senhor pergunta ali ao enfermeiro, seu Alheiros!”. E seu Alheiros só não batia nos perguntadores de plantão por que não podia e não era de seu feitio. À época, enfermeiro era um prático que fazia as vezes de um auxiliar. Havia um sino no Hospital; sino que tocava para convocar os empregados ao almoço ou a outros momentos, os quais, confesso, nunca soube de verdade. A molecada mexia no badalo e o sino tocava. Era um desespero, o Diretor Geral correndo para pegar o incauto e o moleque desaparecendo na carreira.
No Sindicato dos Comerciários, onde trabalhei uma década, se pouco, havia um colega ortopedista que não suportava nada ligado a militar. Por isso, quando um certo dentista me indagou se sabia as razões pelas quais a Polícia mudara de farda, passando de um amarelo quase marrom, aproximando-se do mel, para um cinzento. Não podia perder tempo e recomendei que consultasse Walter Bradley, exímio em casos assim, envolvendo corporações militares e ele fez a consulta de logo, na minha frente. Foi uma gargalhada geral. Ocorreu assim: “Walter: por que a polícia trocou de farda?”. E ele: “Eu sei lá! Sei nada de polícia! Não quero saber disso e não gosto de quem sabe!”. E o camarada ficou com a cara no chão! Embasbacado!
Eu era Diretor do Centro de Ciências da Saúde, quando a minha dileta secretária bate na porta e entra. Diz da forma mais pausada possível: “Quem está ai para falar com o senhor é Deus!”. Deus, indaguei? Sim, exatamente, respondeu! Fui taxativo quando lhe disse: “Veja, Mariza, Deus tem prioridade em qualquer parte, aqui sobretudo! De formas que faça como Camões: ‘Cessa tudo que a antiga musa canta // Que outro valor mais alto se alevanta.”. Mande entrar o nosso Deus! E realmente entrou a Divindade em forma de homem, de gente simples, de médico que estava interessado, apenas, em obter autorização para plantar uma palmeira no jardim da faculdade, a velha Casa de Octávio de Freitas. Daí por diante, ao encontrar com ele, ria às bandeiras despregadas: “Como vai passando o nosso Deus?”. Era João de Deus, somente, tão humano quanto todos os outros deuses do mundo.
Essa coisa dos Lusíadas, obra prima de Luis de Camões, é interessante, porque no Recife há um médico que sabe o poema épico todo, de cor. Como sabe, também, outras passagens da literatura, notadamente passagens bíblicas, literárias, de igual forma, como o Sermão da Montanha. Chama-se Ruben Franca e tem sido muito atuante nas reuniões da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, apresentando com frequência comunicações relevantes. Mas, Franca trabalhava numa emergência médica do Recife e os colegas – médicos todos – sabendo dessa peculiaridade, da prodigiosa memória de que é portador, costumavam dizer no quarto escuro, quando boa parte da equipe de plantão dormia: “Por mares nunca dantes navegados/....”. E Ruben nunca hesitou em dar continuidade, o que despertava, obviamente, todos que dormiam aproveitando uma folga no plantão. E o palavreado daí por diante, já se imagina o que era!

(*) - O leitor que entenda essas minhas tiradas pitorescas, as últimas, acredito, porque ninguém tem um repertório inesgotável. Mais dia, menos dia, leitor amigo, vou terminando por aqui o meu acervo de graças. Comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

sexta-feira, 19 de março de 2010

A Loura do Banheiro

Há umas histórias que, francamente, o diabo duvida de costas, sobretudo aquelas envolvendo defuntos, de uma forma ou de outra. Havia no Recife dos anos 60 um intelectual exótico, pessoa de uma cultura indiscutível, mas diferente no cotidiano das coisas. Basta dizer que numa das festas que promoveu, recomendou aos homens que comparecessem de saias, à semelhança dos escoceses, cujos trajes, mesmos os masculinos, são, por vezes, próximos àqueles dos hábitos femininos. Pois numa dessas ocasiões, com um número grande de convidados em casa e a antiga vitrola tocando um bolero meloso, um amigo – amigo da onça – resolveu estacionar um carro fúnebre branco, destinado às virgens, diante da residência, o que deu a impressão, mais do que nítida, de uma morte estabelecida e de um enterro se organizando. E não foram poucas as figuras da sociedade que entraram em casa para cumprimentar a família. Mas, no carro estava fixada uma placa: "Vende-se por falta de uso".
Contaram-me, também, que nas proximidades da rua Fidélis Moliterno, no Prado, morreu um bêbado contumaz, desses que se integram á paisagem do bairro e passam a fazer parte do dia a dia das ruas. Os companheiros se organizaram e foram ao velório da criatura, valendo o esclarecimento de que estavam todos, sem uma única exceção, bêbados. Quando chegaram à sala, na qual o caixão vinha sendo velado, abriram num pranto que até assustou a família, tal a algazarra e tal o sentimento de cada um. Nisso, um deles abraçou-se ao extinto e o fez tão acaloradamente que caiu com o defunto, o caixão e os castiçais todos do conjunto mortuário. O caixão, não precisava dizer, abriu-se em muitas tábuas, o fogo quase consome os babados que pendiam daquela armação de madeira – o célebre pijama de madeira -, enquanto as flores se derramaram pelo chão. Um horror! Precisaram comprar outra urna e assim providenciar o sepultamento, com esses convidados postos no olho da rua.
Certa vez, os funcionários de uma casa funerária, que de hábito param em certo fiteiro para comprar cigarros, fósforos e balas, para um deforete ou outro no meio da noite, contaram o que agora se segue. É que foram levar uma urna em determinada casa, encontraram o morto deitado na cama e trataram de vesti-lo e afinal prepará-lo para a derradeira morada. Com o passar do tempo, notaram que o caixão não comportaria o homem, cuja compleição física ultrapassava as expectativas ou as informações passadas na loja. De mais a mais, o extinto tinha uma perna torta. Pediram licença aos familiares e trancaram a porta. Iniciaram, então, um esforço quase hercúleo para a acomodação do penitente falecido ao lugar de seu derradeiro sono. Como não havia jeito, passaram a dar pancadas fortes, contanto que introduzissem o corpo e quebrassem a perna. Sem isso, não havia como seguir com o funeral. Os parentes, então, ouvindo a barulhada no quarto, não hesitaram e quebraram a porta, entraram e quebraram, também, os dois funcionários no pau.
No Recife, cidade de muitas histórias, o cemitério local está superlotado e quase não há vagas para mais um préstito. Disso aproveita-se um determinado cidadão e inventando ser padre, se oferece para a encomendação do corpo. Coisa de poucos reais para o sustento de sua igreja, paupérrima como diz ser. A gente simples do lugar, reúne as economias e autoriza o falso sacerdote à oração. O cura de ocasião aproveita, de logo, para receber o pagamento, que chama de óbolo, nome bonito e apreciado pelos familiares. Ele não pede pagamento, disse um deles, pede o óbolo. É lindo, complementou!
Corre à boca pequena que no Colégio Nóbrega, no banheiro feminino, uma loura aparece vez ou outra e assombra a mulherada. Há quem tenha visto e há quem tenha medo somente. A verdade é que mocinha correndo assombrada nunca foi novidade nos corredores da escola. Dizem que tem o cabelo solto, tão doirado quanto a cor do mais puro ouro. Outras já disseram que a viram de touca, em preparativos para a festa de logo mais à noite. Chama-se, ao que parece, Cremilda! Eis a loura do banheiro!
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domingo, 14 de março de 2010

Dinheiro na Mão

No meu tempo de menino nascido em plena guerra e criado no conturbado período do pós-guerra, vigorava a sentença: a economia é a base da prosperidade. Eu não sabia muito bem de que se tratava, mas imaginava que era coisa boa, por isso, em pequeno cofrinho de metal bem pesado, no qual havia a inscrição ipsis literis, eu cuidava em guardar minhas moedas, tostão por tostão. Não abria o miareiro por dinheiro nenhum, senão quando precisava tomar um sorvete de ameixa na esquina e me faltavam os cobres paternos. A família me estimulava o hábito – o hábito faz o monge, diziam –, contribuindo, vez ou outra, com aquela poupança pueril. A minha avó, sobretudo, cuidava em me incentivar e com isso acompanhava o gesto a tempo e a hora, como costumava dizer.
Mas, era rigorosa com o risco do menino se acostumar com dinheiro no bolso. Isso porque andei economizando uns trocados, que me eram dados para o guaraná de todos os dias e já trazia a carteira recheada com notas de pequeno valor. Notas do velho cruzeiro; de 1 ou de 2 cruzeiros, nada mais que isso. Uma ou outra cédula de CR$ 5,00 – duas no máximo –, aquelas de cor escura, de um cinza forte, de aspecto feioso. Pois me tomou a carteira e recolheu o dinheiro, sem que eu saiba, até hoje, o destino que deu às economias que vinha guardando. Fiquei possesso, confesso, chorei feito um bezerro desmamado e disse horrores a ela, coisa que não fazia de hábito. Mas essa, francamente, foi demais.
Era um tempo de vacas magras, como se dizia quase todos os dias, sendo o meu pai o único provedor – não se usava a mulher trabalhar –, para sustentar seis filhos, a mãe (minha avó), uma tia velha e a irmã, além de 4 empregadas. Só sei que Dona Lila, na tesouraria parental, fazia milagres e curtiu muita preocupação com a falta do metal, nem sempre vil. A minha tia velha – Deolinda de prenome e Déo por apelido – era mulher sem recursos, sem uma pensão que fosse, pois foi noiva a vida toda de um soldado que morrera na Guerra do Paraguai. Nem sei bem se isso aconteceu de verdade ou se ficava no terreno das lendas ou das fábulas parentais. Afinal, a beligerância fora na década de sessenta do século XIX. Mas, sem eira nem beira, costumava jogar no bicho todos os dias. Tinha uma caixa de fósforos com pedacinhos de cartolina dentro, os quais lhe indicavam o palpite a cada manhã. Era difícil tirar alguma coisa, senão raramente na borboleta, quando se inspirava nesses insetos que visitavam o jardim com o jasmim dos gostos de meu pai.
Uma vez, não sei porque cargas d’água, achei na rua um dinheiro perdido. Não tive como fazer como fez o servente do aeroporto, que devolveu ao dono as joias que encontrou. Ignorava quem perdeu aquele terém e fiz a festa, é claro. Comprei logo um sorvete com duas bolas do mesmo sabor de sempre: ameixa. Entrei na bodega defronte e escolhi as balas que desejei, os chocolates “peixinho” que adorava e as cigarrilhas que não se fumava, mas se comia. Beleza! Nunca mais encontrei nada, senão muitos anos depois, em Paris, num apartamento emprestado, daqueles que aparece nas telas do cinema, nos quais a cama do casal se transforma em guarda-roupas. Um brasileiro tinha deixado o quarto e eu assumira seu lugar. Tomara, certamente, um pileque de vinho e deixara cair sob a cama 500 libras. Devolvi à dona da casa o dinheiro, mas estando já no final da viagem, foi incômodo suportar a restrição dos derradeiros dias com uma disponibilidade extra no bolso. Mas, falou mais forte a ética da vida, aprendida em casa, em meu cotidiano, nas lições de meu pai e no comportamento de minha mãe.
Comigo sempre foi assim: "Dinheiro na mão é vendaval..."

(*) - Coisas de ontem e de hoje! O pretérito de meus anos encantado assim no infinito das coisas. Mas, o agora de meus dias numa rotina diferente e agradável. Pena que os anos passaram e a paz, a felicidade e a tranquilidade do tempo demoraram, mas chegaram! A idade me trouxe a harmonia! Comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

sábado, 6 de março de 2010

Maria de Camocim ou Virgínia dos Palmares?

Passava diante do Mercado de São José, no centro do Recife, quando ouviu aquele grito de um sobrado qualquer: “Arnaldo!”. Parou admirado, e olhou pra cima. Viu Maria de Camocim debruçada na janela. Fez sinal que descesse e ficou aguardando a vinda de uma de suas musas na adolescência dos anos. Mulher bonita e bem feita, de busto farto e ancas largas; figura que não aceitava a condição de empregada doméstica e se passava na rua como costureira da casa dos Macieiras. Menina em Camocim de São Felix, habituada a brincar pras bandas do convento, engraçou-se por lá de um primo, Felisberto de prenome. Foi com ele que viajou à Caruaru, levando outro primo, criança na idade, como acompanhante do casal, segurando a vela, se dizia. Enganaram Jacinto e se danaram pra uma pensão na rua do comércio. Ali Maria deixou de ser moça, transformou-se em mulher. Selou o seu destino, disseram depois.
Desceu e abraçou Arnaldo, deu um cheiro no cangote do quase menino ainda e começou a perguntar por todos. Como iam os parentes, os aderentes e os agregados? Todos ou quase todos muito bem! Não esquecia das companheiras de seu tempo, empregadas como ela e por isso mesmo suas colegas. Como está Marinete? A mulher das coxas mais grossas que já vira, com as quais sonhava o avô de Arnaldo, seu Borromeu, sempre interessado em lhe fazer um agrado. Ou como estava Virginia dos Palmares, mulher nascida e criada nos ventos dos canaviais e para sempre perdida na bagaceira do engenho? E Gelda? E Ivonete, com os seus amores do mar, apaixonada por um fuzileiro fictício, que lhe fazia o imaginário arder em fantasias? Finalmente, onde andava Cícera, a cozinheira gorda, imensa, deixando sair pelo ventre fragmentos adiposos de sua largueza?
De ninguém sabia mais! A última das suplicantes dos anos de puberdade fora Odete, negra na cor e sapeca nos gestos. Agitada e barulhenta, tinha sempre um agrado ou um gesto com o qual cativar. E cativava mesmo! Vez ou outra ameaçava o garoto: “Se continuar a me fazer carinho, chamo seu pai!”. Mentira! Nunca chamara! Nem chamaria! Gostava do chamego. E quem não gosta? Só esqueceu de perguntar por Maria Baixinha, para quem o adolescente em flor, ouvindo o correr sonoro e melódico do chuveiro, fez um verso, parodiando Bandeira: “Maria Baixinha/Era tão pequenininha/Que cabia todinha/Nuinha/Nuinha/No buraco da fechadura do banheiro.”. E era isso mesmo! Sequer conhecera a sua xará, justificou. Foi quando chamou Arnaldo para subir. Vou lhe dar um cheiro gostoso e deixar você me fazer um carinho matreiro. Não, não dava mais, explicou o rapaz! Ia adiante, pensava em comprar um canário-da-terra na saída do mercado que dá para a Basílica. Já estava atrasado, o tempo do cheiro e do afago passara, ficara nas brumas do passado.
E ela, indagou o seu interlocutor de ocasião, finalizando o diálogo: como estava e como passava? Estava casada com um estivador, um homem forte e bruto, capaz de lhe esmurrar, como fizera algumas vezes, se lhe visse conversando com um homem. Ao que perguntou Arnaldo, dando uma de “João sem braço”, mesmo com ele; com ele que fora seu companheiro de convívios e de convivências nas dependências de casa há tantos anos? Sim! Era doente de ciúmes! Mataria o primeiro que visse consigo. Valei-me Senhor, disse Arnaldo, saindo de mansinho, com a promessa silente de nunca mais voltar. E nunca mais se cruzaram nos horizontes da vida. O rapaz vive pra lá, tem os cabelos da cor da prata e o corpo vergando à força dos anos e dela – coitada! – ninguém sabe, porque ninguém viu!

Maria de Camocim ou Virgínia dos Palmares? Quem foi a mais bonita? A mais traquina ou a mais travessa?

(*) - Eis um pouco de mulher para assinalar o dia 8 de março. Mulher pobre do agreste e mulheres paupérrimas da mata. Largadas pelas famílias, diante do episódio maior do corpo tocado pelos dons do amor! Mulheres sofridas, vitimas silentes da hipocrisia e do preconceito. A muitas conheci! Comente no espaço mesmo do Blog ou use os e-mails: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com Os brasileiros distantes da pátria podem escrever à vontade. Isso gratifica o escritor.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Levado da Breca


Eu era um peralta nos anos de menino! Fiz horrores no Colégio Nóbrega, por isso, ainda hoje os padres gostam de mim e fazem muita festa quando me encontram. Alguns nem são mais padres no hoje dos dias. É como o Padre Ivan, psicanalista Ivan Correa agora, homem de uma cultura ímpar, um sábio. Pois estava ele dando aula e eu fui comprar um picolé, voltei, entrei até começo da sala e indaguei: “Professor! Pode entrar chupando?”. Ao que respondeu, sem titubear: “Pra fora!”. Em casa estava o meu tio Cícero, figura ótima, também, mas espírita por convicção, a quem falei do que ocorreu. Recebi o seu apoio incondicional: “Fez muito bem! Faça outra vez amanhã!”. Maluquice do tio, ele era contra todo e qualquer sacerdote. Coisas de antes do Concílio. Dia desses, encontrei Ivan, lembrei o fato ou o feito, ele riu às bandeiras despregadas. Mas, não lembrava!
Certa vez, aportou por lá um professor de geografia, novato na forma da lei. O homem só faltou enlouquecer os alunos. Chegou a um ponto tal que a turma ia ser toda reprovada: dava problemas nas provas. Pedi a palavra e disse, por a mais b porque em geografia não se pode formular exames com problemas matemáticos. Ele não aceitava e tinha toda razão, pois os enunciados pediam cálculos de longitude e de latitude. Mas, tenha piedade, meu rei, não é por ai, quase digo. Um belo dia, à tarde, ai pelo segundo ano cientifico, inventei o aniversário dele. Isso com a intenção de acabar com aula. Ele, diante do alvoroço, negou estivesse completando idade nova, ao que foi contestado por mim e na dúvida, consultou o calendário. Terminou aceitando a festa e matando a aula. Foi um deus nos acuda!
O meu pai, que fora professor no mesmo colégio, algumas décadas antes, me contou que um de seus alunos respondeu a presença em canto gregoriano. Eu lhe disse que ficasse tranquilo, eu faria o mesmo no dia seguinte. E na aula do padre Alves, um homem santo, que nunca mereceu a bagunça que se fazia em suas exposições, fez a chamada, pronunciando o meu nome pausadamente: Geraldo José Marques Pereira. Levantei e comecei: “Preeeeeeeesente!”. Todos ouviram a sentença do sacerdote: “Pra fora!”. Ora seu padre, eu estou descontando o que fizeram com o meu pai, eu não mereço isso, não faça isso comigo. E ele: “Tenho que fazer para lhe consertar!”. E o senhor ainda vem me enganar! Cuidado com o fogo do inferno! O senhor vai pagar tudo isso no purgatório. E o nosso santo, quase desesperado: “Fique aqui pelo amor de Deus!”.
Esse mesmo padre Alves, em sua santidade e na sua também quase leseira, perguntou no exame final de geografia: “Fale sobre Hitler!”. Comecei falando sobre Leonel Brizola, que começava no Rio Grande do Sul a sua vida política, e ele dizia: “É Hitler!”. E eu: “Calma! Chegaremos lá!”. E não consegui chegar, porque a distância era grande no tempo e os objetivos de vida completamente distintos. Levei, mais uma vez, zero na caderneta. De outra feita, com ele mesmo, ao chegar para a aula, dei-lhe a informação decisiva: “Estamos em guerra com a sala ao lado! Acho melhor o senhor não permanecer em sala! Seremos atacados!”. Ele ficou meio atrapalhado, rodou pra lá e rodou pra cá e saiu. Não era besta de ficar sob o fogo cruzado de bolotas de papel molhado.
Finalmente, quando fui pra fora mais uma vez, com a maior cara de pau estive na quadra de basquete e pedi uma camisa empestada, troquei a minha e voltei. O jesuíta disse: “Ei! Vai pra onde?”. Vou assistir aula, mestre! Justificou que não, pois que tinha sido posto pra fora há pouco. Eu, então, retruquei: “Padre Alves! É a segunda vez que o senhor faz isso comigo! Aquele é o meu irmão gêmeo, mas eu sou direitinho, diferente dele, levado da breca, como é. Eu acho que tinha vontade de ter um irmão gêmeo – gêmeos iguais –, porque em mais de uma ocasião usei essa álibi. Mas que fosse diferente desses gêmeos idênticos da novela das 9, porque um deles traiu o irmão. Valha-me Deus do ceu!