quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Contagem Regressiva

Acabo de receber um informativo, dando conta de nosso encontro – dos colegas médicos de 1968 – de final de ano. São 45 anos de formados; quatro décadas e meia dessa trajetória de dedicação ao próximo. De minha parte, digo de logo que pendurei as chuteiras e estou trabalhando para o Conselho Estadual de Cultura, exercendo o meu mister literário e as minhas divagações históricas na Academia de Letras. Não posso me queixar de ócio, tampouco de falta do que fazer. Hoje sou mais ocupado que no tempo de meus afazeres marcados pela rigidez dos horários. Faço o que gosto e pronto!
Recebi o programa todo – ainda bem! –, trazendo inclusive a relação nominal dos colegas participantes. Esqueceram de um detalhe crucial, a respectiva lista dos apelidos. Ora, bastaria grafar o nome e junto o cognome do então concluinte. O meu, adianto de pronto, para evitar desgosto: Pluto. É que numa certa vez, passei pulando – hoje não pulo mais – de um degrau a outro do anfiteatro de anatomia e estava por perto o colega Ciro, de quem não tenho noticias, sendo dele a observação: “Parece aquele cachorro Pluto pulando!”. E por Pluto ficou! Uma colega muito meiga me cumprimentava com carinho: “Olá Pluto!”. Ao que se dizia, pronuncie o “L” para evitar dúvidas.  
Fui olhar, atentamente quem vai e quem não vai. Descubro que o nosso Da Cachorra estará por lá, que Hepatite também, assim como Baré, cujo vocábulo vem de Abaré, palavra de origem tupi-guarani, usada pelos índios para designar padre. Bom, índio metido nisso tem tudo a ver, porque o nosso amazonense provém mesmo dessa convivência com o povo da pele vermelha, mas padre é uma excrescência, haja vista as crenças de Baré, a quem se pode, sem medo de errar, apontar como ateu ou agnóstico no mínimo. Sabe-se que ele acredita, piamente, no Boto Cor de Rosa e noutras crenças da infinidade amazônica. E a isso - ao boto -, tem atribuído certos casos de menino nascendo após a lua cheia nos rios de lá.
Estará presente ao evento o nosso popularíssimo Catarro, figura muito chegada aos colegas e merecedora de toda reverência. O meu fraterno amigo Nelito, morador, por anos a fio, da rua Fidelis Moliterno, onde, durante um velório, um bêbado abraçou-se com o esquife e fez desabar todo o aparato desse momento triste, quebrando o caixão. Interessante, não vi o nome do grande Biu das Negras do Derby. Não vai? É capaz! Ora, ele nunca falta! Não vi, de igual forma, o nome de Marcelo Macaco, promovido a Mico Leão Dourado, em função da cabeleira branca que passou a lhe ornar a cabeça. Foi o Jia, que consultado, lembrou a nova denominação desse Marcelo que conviveu esses anos todos conosco.

Vamos contar com a companhia do grande Fofa, figura quase folclórica desses encontros quinquenais. E de Simão, velho companheiro de Gilson Paes Barreto, que lhe devota especial afeição. Das meninas – que meninas? – não falo e não faço referência aos apelidos, porque as respeito antes de tudo e de mais a mais, confesso, a hesitação da ética me acossa de perto. Há muita gente por lembrar; gente que foi dessa pra melhor - será? -, mas não custa oferecer a crônica a Cachorrão e a Defunto, tão próximo de nós todos.

E por ai vai!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Colega lisboeta

Cada vez eu fico mais admirado com o inusitado das coisas que me acontecem. Imagine o leitor que na sexta-feira passada precisei comparecer a uma agência do Banco do Brasil para comunicar que estava vivo e assim continuar a receber a minha aposentadoria regularmente. Cheguei por lá mais ou menos às 15:30 e quando recebi a ficha havia a consoante “R”. Não me surpreendi quando o moço do banco me alertou que estava errada. Eu deveria ter recebido a letra “V”. Não achei, em momento algum, que fosse alguma coisa ligada à palavra velho e não era. Mas, com isso perdi muito tempo, isto é, migrando de uma letra a outra.
Mas, interessante mesmo foi sair dali para a Praça de Casa Forte, domínios do Padre Edwaldo Gomes e ser recebido por um lavador de carros numa quase falência pessoal. Queixou-se tanto das coisas que dei a ele a importância de R$ 10,00. O homem quase cai pra trás de tanta gratidão e no final saiu-se com essa: “Deus lhe dê a vida eterna!”. Ora pau, quase digo, quem merece esse desejo, dito assim, tão francamente, é quem já morreu. Deveria ser dito por um sacerdote, diante do féretro instituído. Não sei se o penitente, sendo do entorno da moradia do cura não está habituado ao linguajar. A verdade é que sai dali meio cabreiro.
Eu estou acostumado a ouvir dos meus circunstantes: “Geraldo! Como está você? Vai bem?”. Isso de uma forma insistente, como se pudessem ouvir uma notícia ruim. Dia desses uma senhora muito distinta me abordou e fez a indagação: “Prof. Geraldo? Como vai o senhor? O senhor está bem?”. Fico pensando que alguns pensam que estou à beira da morte. Cruel isso! Talvez seja porque eu passei momentos de grande dificuldade por seis meses. Realmente, em 2005, fraturei duas vértebras torácicas e fiquei baixinho, troncho e corcunda. Mas, acordei para a vida e tenho aproveitado, da melhor forma, a segunda chance que Deus me deu.
É uma pena que seja necessário sofrer tanto para abrir os olhos! Acontece isso com muitos. Mas, foi assim! Depois do episódio, publiquei pelo menos 4 livros, passei a me ocupar com diversos estudos, sobretudo aqueles da história; da história da medicina em Pernambuco. E sobre essas questões publiquei diversos trabalhos científicos. Mas, nessa trajetória de meus horrores houve, como sempre acontece, o pitoresco, o cômico seguindo a tragédia. Veja só! Numa dessas vezes, estando eu internado e precisando fazer um eco-cardiograma, fui levado numa ambulância, a qual apenas circulou o prédio do hospital. Mas no meu juízo a trajetória tinha sido grande e eu achava que desembarcara em Lisboa. Sendo assim, disse ao médico:
- Colega lisboeta! Como me explica que tendo embarcado no Recife, nordeste do Brasil, tenha chegado tão rapidamente a Portugal? Afinal, Pedro Álvares Cabral levou meses para fazer a travessia.
E o médico, muito assustado, respondia repetindo: “Pergunte a seu médico! Pergunte a seu médico”.
Ocorrência muito pior foi aquela que sucedeu quando minha mulher chegou para dormir comigo e indagou:
- Como está você? Está com um jeito diferente?
- É! Você foi à Rede Globo, ao programa de Ana Maria Braga, lançou um livro e não me disse nada. Gostei do título, mas do conteúdo não tenho noticias. 
E ela me disse que passou a tarde toda trabalhando, mas queria saber do título, porque assim poderia escrever um livro. Não lembrei mais nunca desse título.



Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato, senhor rei mandou dizer que contasse quarto.
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Acontecimentos inusitados – podem contar comigo

Tenho recebido umas mensagens telefônicas estranhas. São torpedos que chegam dirigidos sempre a mulheres, com prenomes diferentes. Convocam a senhora ou senhorita a ligar urgente para um determinado número 0800, dizendo tratar-se de “assunto de seu interesse”. Já tentei ligar para o telefone recomendado, mas não atende de forma alguma. Não sei, verdadeiramente, de que se trata. Só sei que são ligações, quase sempre, originadas em outros estados, senão em cidades de Pernambuco com DDD diferente do Recife.
Dia desses, porém, estava cortando cabelo com Edson, ali no começo da rua da Hora, esperando a vez de fazer o pé com Sônia, que é excelente pedicura, quando toca o telefone. Deu-se, então o seguinte diálogo, mais ou menos recuperado aqui, graças a minha ainda conservada memória:  
- Boa tarde senhor!
- Boa tarde!
- A senhora Rebeca está?
- Infelizmente, tenho que lhe dá a triste notícia da morte de Rebeca.
- Não me diga uma coisa dessas!
- É! Faleceu!
- O senhor é o que dela?
- Eu sou o amante dela!
- Por favor tem algum número de telefone de familiar ou de amigo para me fornecer.
- Sinto muito, prezado, mas todos ficaram com raiva de mim e eu não o posso ajudar. Era muito ligado a ela, mas somente a ela. Aliás, era uma mulher extraordinária, na mesa e na cama. Não podia ter morrido.
E o meu interlocutor de ocasião desligou, sem mais delongas.
Fiz logo dessa forma, para ver se me deixam em paz, porque não é brinquedo ficar recebendo recado por outra pessoa.
Mas, por outra pessoa, de quando em vez recebo alguma coisa. Eu sou assim, o que é diferente parece me atrair. Uma manhã, ia saindo para o Pilates, quando o telefone de casa toca. Voltei e atendi. O camarada foi curto e grosso: “Sequestrei seu filho!”. E ai mandou que outro fizesse uma voz infantil, chorando. Não tenho filho homem, apenas três meninas. Esse foi o azar do camarada. Ai perguntei: “É o Armandinho?”. Dei esse prenome para homenagear o meu amigo Armando, professor da UFPE e diretor da COVEST. Quando ele me confirmou que era, abri o verbo e disse poucas e boas. O desgraçado, mesmo depois de ser chamado de tudo no mundo e mais um pouco, me disse em troco desaforos mil. Desliguei e fui embora.
Outra vez, fui fazer uma compra e a loja não liberou: “O senhor está com o nome sujo no SPC!”. Pedi que ela visse de que se tratava e com muita dificuldade conseguiu a explicação: fizera uma compra grande na Bahia e não pagara. Nas Casas Bahia, precisamente, da qual minha mãe tinha tanta raiva de ver os comerciais, quando ainda não havia filial da loja por aqui. Foi justamente o caso, não havia loja no Recife. Hoje já existe! Liguei pra lá e disse: “Minha senhora, eu nunca entrei nas Casas Bahia, não sei como são e ignoro o que vendem. Moro no Recife e a única relação que posso fazer de alguma aproximação é o fato de minha mãe não gostar de ver na TV os anúncios do magazine, quando por cá não existe sequer uma loja.” E a penitente me explicou que alguém fez a compra em meu nome, usando o meu CPF. Mas, foi atenciosa e dispensou os pagamentos, claro.
 
 
 

domingo, 3 de novembro de 2013

O poder seduz


Quando era menino acompanhava meu pai, com muita frequência, às solenidades, inaugurações, conferências e reuniões em geral. Dizia que eu me entrosaria no meio, sobretudo entre os intelectuais e por isso me  estendia o convite. Tenho, ainda hoje, fotografias daqueles anos, como a dos inícios da moagem de uma fábrica de café, de cujo empreendimento o meu avô materno era sócio, a Sociedade de Moagens do Recife Ltda., cuja maquinaria fora acionada por ele, momento, aliás, bem fixado no papel encorpado de um retrato em preto e branco.

Na verdade, achava tudo uma baboseira e ficava perplexo com a sua devoção aos compromissos para os quais era convidado, mas ia. Numa das vezes fui advertido por Mário Melo, Secretário Perpétuo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Comparecia, também, à cerimônia do chamado “Beija-Mão” do Governador, nas proximidades do fim do ano, para desejar as boas entradas, como se costumava dizer. E numa dessas visitas, a última do período de mandato, advertiu-me que sendo o derradeiro Natal do gestor a frequência das presenças, por certo, seria menor. E lá, em Palácio, no Salão das Bandeiras, quase não havia filas, cumprimentando-se o homem com toda a facilidade. É a perda do poder, cuidou em explicar meu pai. Não entendi bem, mas guardei a expressão.

Na manhã de seu encantamento leu a crônica que havia escrito no dia anterior, falando de um determinado Ministro, mais que folclórico, o Magri, na qual escreveu: O poder seduz, melhor não experimentar! Referia-se ao episódio do transporte em veículo oficial dos cães doentes, pertencentes à autoridade constituída e a sua resposta às críticas da Imprensa: Cachorro também é ser humano!

Em realidade, tenho ido às cerimônias de posse de algumas pessoas, ocasião na qual se despede dos presentes o ocupante anterior do cargo. E fico perplexo, ainda, com a desatenção coletiva dos convivas. Poucos os que se aproximam e com um aperto de mão ou um abraço atencioso firma e confirma o adeus ao poder, agradecendo, se merecer o antigo titular. Todos se voltam ao estreante e fazem as aproximações, às vezes, bajulatórias, assegurando o porvir. Um desses gerentes públicos confessou, ao final do mandato, que ninguém mais lhe acompanhava para o almoço, quando no começo da gestão tinha dificuldades em selecionar um, aplicando, então, o ensinamento bíblico: “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos!”. Coitado! Foi tão difícil enfrentar os dias que se seguiram à queda, que isso contribuiu para que a doença lhe tomasse o organismo e ele morreu.