domingo, 29 de maio de 2011

Chove lá fora

O dia amanheceu úmido, friorento e chuvoso. As temperaturas baixaram, mais ou menos, a depender do lugar, se em casa, sob o terraço ou na rua de barro batido onde faço a minha caminhada matinal. Repito aqui a iniciativa do Recife, no Parque da Jaqueira, onde costumo ir em meu cotidiano nunca rotineiro e cansativo. Assim, neste inverno antecipado, como disse João Bosco, advogado e profundo conhecedor das determinações canônicas, meu vizinho por cá, neste Bosque que é o das Águas de Aldeia, vivemos as derradeiras manifestações da mata. Já tinha me dito Nilson, o Curió, caseiro e observador atento dos ares do céu: “Dr.! Tem chovido muito por aqui!”. Há até quem tenha medo do açude lá em baixo; medo que se rompa e faça como já fez, um estrago grande aqui por cima.

Os pássaros desse rincão estão recolhidos – parece –; basta começar o inverno para que se acomodem em seus ninhos, cumprindo o desiderato da natureza e o que determinou do Criador: “Crescei e multiplicai!”. Antes, as saíras que Harrop tanto fotografa, frequentavam o pedaço de mamão que trago sempre. Compro ali, no quiosque de seu Cícero Belarmino, homem rústico, mas de uma seriedade a toda prova. É uma festa no verão, sabiás de todas as matizes, mais aquelas consideradas do mato, do que as de denominação taxonômica enquadrada dentre as gongás. Umas e outras pinicam o naco da fruta com sofreguidão, comendo quase que com os olhos.

Mas, já vi por cá outros bichos mais. Certa vez, passava à noite por uma das alamedas, quando descortinei uma raposa, ali pras bandas da casa de Roustaing, uma raposa fazendo a travessia da alameda. Ao iluminá-la com o farol do carro, fez o que é seu feitio, desapareceu no meio do mato. De outra feita, um esquilo do mato roia um caroço não sei de que na frente da casa de Joaquinzão, advogado dos funcionários do Bosque mordidos pelo cachorro doido. Timbu aqui é comum e na minha casa havia um que nos olhava à noite pela fresta do telhado. Depois de se forrar a casa com madeira de lei, fez do forro a sua toca e rara é a noite que não assusta os que dormem, correndo e fazendo barulho.

No Parque da Jaqueira, há outros animais para o deleite dos passantes, caminhantes da primeira hora ou transeuntes da boca da noite. São lindos os canários de lá, amarelos como o ouro que reluz e mansos. Pensei que fossem abarrancados! Mas, dia desses havia um deles ao meu lado, beliscando os grãos da relva encharcada com tanta água dos céus. Quando vejo um canário-da-terra, seja lá ou seja cá, lembro de logo dos meus anos de infância e dos meus tempos de adolescência. Os tinha em quantidade, presos sempre, como era costume à época. Tinha duas canárias, brancas ainda, que brigavam como se fossem dois machos no viveiro do terreiro. E tinha aves adultas que cantavam sinfonias que nunca esqueci.

Vi a casa nova da avenida, toda envidraçada, e lembrei da americana que acompanhava em Candeias. Era menino, adolescente na flor dos 15 anos, 16 se muito, passando todos os dias diante da moradia dela, quando a via, acima e abaixo, apenas de sutiã e calcinha. Mas, senhora, disse uma pessoa muito próxima a mim, vista-se direito que os meninos passam por aqui e lhe observam assim, em trajes menores, como se costumava dizer. Ora, respondia, esses meninos estão interessados nas meninas da idade deles e vão olhar uma velha como eu? Não tinha 40 anos ainda! Um pedaço de mulher! Fazia a festa da galera, dir-se-ia hoje em dia ou no hoje dos dias nada representaria diante da nudez de tanta gente.

Chove lá fora!

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sábado, 14 de maio de 2011

Dor de cotovelo

Era uma venda de subúrbio no Recife, de esquina como tantas. Tinha o balcão ensebado de tanto se cortar a carne de charque, o bacalhau e o fígado de alemão. E ele, que se chamava Vitoriano, era um empregado habilidoso no negócio, dizia-se que em breve, em breve mesmo, estaria como interessado nas vendas, uma forma de se cotar para a condição de sócio, mesmo que informal, no vaivém da bodega. Saia um e entrava outro, vinha gente apenas para telefonar e pagava pela ligação ou vinha quem tinha a velha caderneta, ensebada, também, para anotar os pedidos e pagar no final do mês. Ele, Vitoriano, estava ali, atendia os clientes junto com o Sr. Praxedes, dono do estabelecimento, quando viu chegar Felisberto, a quem costumava confiar seus segredos. Não resistiu e disse:

- Felisberto: preciso falar com você e logo! Não vá embora! Aguarde um pouco e já termino aqui.

Eram amigos de muito tempo e colegas na Faculdade de Direito. Daí a pouco entrou com o companheiro e foram quase para as dependências domésticas da venda. Era assim, o estabelecimento comercial na frente e lá pra trás a moradia da família. No pequeno corredor que separava as duas partes – a doméstica e a comercial – sentaram-se e Vitoriano abriu num pranto convulso. Chorava e batia com a mão espalmada numa mesa de refeição.

- Pelo amor de Deus me socorra, Felisberto, eu levei chifre e estou desesperado. Anita não me quer mais, me trocou pelo primo bem mais novo que eu, menino de seus 17 ou 18 anos, um cabritinho no meio do mundo.

- Ora, meu caro Vitoriano, você é novo ainda, não tem 40 anos de idade, é capaz de refazer a sua vida, como já refez da primeira vez, quando tinha filho, imagine agora, sem filhos e sem outros compromissos.

- Não, não aguento, vou meter uma bala na cabeça. Não posso viver sem ela, não posso dispensá-la em meu cotidiano já mexido com tanta coisa.

- Mas, conte-me lá como foi isso? Como aconteceu? Como começou?

- É, Felisberto, coisa mesmo do demônio, do cão dos infernos! É que ela costumava ir à casa dos parentes, em Pombos, no Agreste esturricado de Pernambuco, e não tinha quarto para dormir, senão com o Justino, o primo mais novo, o que restava solteiro em casa. E conversa vai, conversa vem, o menino trocou de cama, foi dormir com ela, que tem quase o dobro da idade dele. Inventou que tinha medo de fantasma e que não conseguia conciliar o sono. Nisso foi se agarrando com ela, se agarrando cada vez mais, acariciando o corpo dela mais e mais, bolinando os seios e finalmente alcançando o lugar de todos os desejos. Foi um fim de semana, dois, quatro, seis e desistiu do casamento. Eu não aguento, juro que não, vou me suicidar, não há jeito.

- Calma amigo! Você não é o primeiro caso, nem será o último. Vamos em frente retomar a vida, recomeçar a existência. Arranja outra e recompõe tudo. Pode até, se quiser, ir a uma psicóloga e acabar com isso. Não dê asas à depressão, não atice o fogo da dor de corno. Assim, nem paca nem tatu!

Anita era mulher de seus 38 anos, de corpo bem feito e bem parecido, mais pra gorda que pra magra, cheinha, diziam as pessoas. Os quadris é que eram interessantes, moviam-se de forma sincopada e quase espontânea.  Costumava sair com Vitoriano pra onde podia ir, sem atrapalhar suas coisas. Diziam que era uma mulher e tanto na cama, dando trabalho pra ser domada, como se fora uma fera ensandecida, diante de um macho que lhe cortejava o sexo. Todas as noites faziam amor, era o que se dizia à boca pequena. Com o menino, diziam abertamente, passava a noite inteira aos beijos e abraços. Não havia trégua, que fosse. Pela manhã estavam largados, cansados e moles, indispostos. Não tinham dormido nada, praticamente e caiam na cama. Ela viajava só pra isso, não queria outro compromisso. A propriedade era grande, preenchida por hortas e pomares. Havia uma pastagem verde para o gado, que pastava pachorrento.

E Anita juntou os seus pertences, coisas suas e coisas que tinha ganho de Vitoriano em seus dias de carinho e amor, fez a mala e tomou uma sopa. Desapareceu na estrada e nunca mais se dela se teve notícias.

(*) Este é um conto escrito com base em fatos reais, com os nomes dos circunstantes trocados, naturalmente, bem como as circunstâncias para que não sejam identificados os protagonistas nem os cenários. Desejando o leitor comentar, não hesite, use o espaço mesmo do Blog ou escreva para pereira.gj@gmail.com ou ainda para pereira@elogica.com.br

segunda-feira, 9 de maio de 2011

As historias do motorista.

Era um homem primitivo, tosco, pelo que deixou muita coisa interessante de suas tiradas, verdadeiros chistes da existência. Homem tão diferente, que sendo um fumante inveterado, certa vez, deixou cair um fósforo no chão e acendeu outro para procurar o palito perdido. Havia uma moça na rua de seios grandes, volumosos, razão para jogar na vaca quando a via. Tirou mais de uma vez e disso se vangloriava. Gostava de conversar com ela, admirando-a nas qualidades femininas. Mas o que melhor fazia, quando a via, era apostar na vaca.

Quando o meu pai foi nomeado Diretor da então Faculdade de Filosofia, ele veio para ser o motorista oficial e logo fez amizade comigo, que era o mais velho, o mais dado às amizades e o que tinha o papo na ponta da língua o tempo todo. Ora, sentados fiávamos longas conversas sobre os mais diversos assuntos. Temas, quase sempre, sensuais, a sua especialidade em jeitos e trejeitos que tinha. Foi ele quem me contou que quando era motorista em outra casa, diante do casamento iminente da moça mais velha, não sendo ela mais uma virgem consubstanciada, característica que perdera com ele, a ensinou utilizar-se da ação de uma pedra UME, para simular a condição perdida. Não sei como e nem por que? E assim foi! O noivo de nada desconfiou!

Os meus amigos consideravam Seu Severino um mentiroso de carteirinha, mas as suas histórias eram fantásticas. Costumava ficar na ponte Duarte Coelho, para a observação cuidadosa das saias ao sabor dos ventos de agosto. É uma beleza, costumava dizer, fazendo alusão ao festival de pernas que via de seu local preferido. Uma figura que passava por lá, com frequência, era também professora da faculdade e a descrição das pernas dela merece um capítulo à parte, se um dia esses relatos forem divulgados. Eram coxas tão grossas, dizia, que davam quase o diâmetro do oitizeiro que havia em frente de casa. Não era, não podia ser!

Descobriu que era diabético, quando notou as formigas de sua casa fazendo fila nos pingos de urina que caiam do sanitário. Experimentava a urina e dizia se estava ou não pior. Danado foi quando pediu à esposa que também experimentasse, para oferecer uma opinião mais abalizada. Não se tratava com médicos, antes consultava os curandeiros lá de Camocim, terra da segunda mulher que desposara. O chá da entrecasca do caju, no seu entendimento, era um santo remédio. Andava com aquilo para onde ia, fosse a casa ou o trabalho. Tomou litros do chá e de nada serviu. Morreu cedo!

Foi com ele também que aprendi a dirigir, sob a sua orientação, mas às escondidas de meu pai. Se o seu pai souber disso, argumentava, eu perco o meu lugar, mas nunca fez nada de mais objetivo para desistir da empreitada. Foi assim que em certo congresso, em Mossoró, eu dirigi o Ford 53 acima e abaixo. Quando o velho me viu passar ao volante, fazendo charme para as meninas do lugar, abriu o verbo e me proibiu de pegar no carro para sempre. Mas, eu peguei! Porque para sempre, como diz o meu colega Perseu Lemos, é muito tempo.

As empregadas de casa eram classificadas por ele. Maria era sincera e franca, podia ser cortejada sem maiores problemas, já Rita, sua irmã, era uma sonsa, fingida, se dizia moça virgem, mas não era confiável, segundo ele. Confiável eram todas que tinham seios bonitos! E Cícera, a gorda que andava o quintal inteiro estendendo roupa e que ainda cozinhava o pirão do almoço. Era mulher muito fácil, bastava olhar pra ela ou levar uma conversa qualquer. Era para qualquer conversa. E era mesmo!