Enquanto eu morava ali, nos limites – já disse isso – da Boa Vista com Santo Amaro das Salinas, mais Santo Amaro que Boa Vista, havia uma senhora muito distinta nas cercanias, viúva, embora muito nova. Sendo assim, precisava trabalhar pra fora e o fazia aplicando as suas habilidades de costureira. Fosse ao tempo de minha avó paterna, Beatriz de prenome, mereceria o pomposo título de modista, como era do costume nomear pessoas assim, com predicados similares. A minha avó tinha uma ou duas dessas modistas e com elas contava quando precisava coser um vestido, fosse preto, de seu quase eterno luto ou azul marinho, escuro, próximo do negro, de um certo abrandamento dos rituais da perda marital. Hoje, acabaram com o costume e após a Missa de 7º dia poucos lembram do extinto. Ninguém usa mais o chamado luto fechado e tampouco o fumo, com o qual os rapazes demonstravam a dor das perdas.
As três filhas da senhora eram amigas das minhas, também, três filhas, na correspondência de uma para uma ou seja a primogênita, a do meio e a caçula amigas e colegas de colégio das respectivas em minha prole. Assim sendo, conviviam numa e noutra casa. Raramente se desentendiam e ai, naturalmente, iam às tapas. Participavam na rua lateral das brincadeiras e dos folguedos inventados por um dos meninos, tido e havido como sendo o Prefeito da Rua, tal a dedicação com que fornecia a bola do vôlei ou os jogos de mesa, à semelhança do Banco Imobiliário. Sem falar que costumavam jogar com o significado das palavras, o que, por certo, as fez mais ricas no que toca ao vocabulário. Quando estava na Universidade Federal de Pernambuco, era comum à minha caçula utilizar-se de palavras próprias da liturgia acadêmica, tais como: capelo e samarra. Ninguém sabia o sentido dessas estranhas e quase jurássicas palavras.
Numa tarde qualquer de um mês que não lembro mais, a senhora recebeu uma visita importante, gente de classe alta, mulher fina e elegante. Visita que chegou trazendo três cães de raça pura, puríssima, os quais se soltaram no jardim e no terreiro da casa de Dona Florbela (nome fictício). Corriam desembestados por todos os cantos e fuçavam os recantos que encontravam, como se promovessem um verdadeiro resgate do espaço que não dispunham no apartamento que habitavam. Uma festa canina, pode se dizer! Um desses encontrou até um rato de grande porte – um gabiru –, passando-lhe os dentes mal afiados. Foi serviço para o cachorro largar a presa magnífica com que se deliciava. Afinal, largou o indesejado animal e voltou para Boa Viagem, bairro nobre do Recife, habitado por gente da burguesia e objeto das tentações da classe média.
Lá pras tantas da noite, passando das 23 horas já, a dondoca liga para Dona Florbela e se queixa que os seus animais de estimação estavam vomitando muito. Indagava se havia o que suspeitar na casa da costureira, modista para outros. A senhora pensou, pensou e lembrou que havia veneno para rato espalhado no jardim e outras doses distribuídas no quintal. Expressou, então, a existência do velho “1080”, de uso proibido pelas autoridades sanitárias, o que fez a outra mulher, Clotilde (nome fictício) de prenome, estremecer nas bases. Um veterinário que morava perto foi acordado e chegou ainda zonzo para atender os bichos. E conversa vai, conversa vem, feneceram todos, morreram nos braços firmes bem tabalhados de Clotilde. Foi um horror! Mas, como toda tragédia tem uma comédia pelo meio, cuidei em fazer uma paródia, imitando uma cantiga velha que ouvia das empregadas de casa nos anos de menino. Começava assim: “A história da maçã é pura fantasia/...”.
“A historia dos cachorros é pura fantasia/Eu li num almanaque um dia de manhã/O cachorro estava com fome/E comeu o tal veneno/Comeu com casca e tudo/Não deixou nem um pedaço...”. E isso foi cantado e decantado várias vezes. Ainda hoje, quando encontro uma das filhas de Dona Florbela, não hesito e vou logo entoando os versos, paródia da velha cantiga. É nisso que dá dividir a moradia com a rataria, como fazíamos todos naquele lugar. Era rato por cima de rato. Catita e gabiru, rato de esgoto e rato doméstico. Tanto rato, tanto rato, que uma vez fui calçar um sapato e havia uma catita acomodada no bico do calçado. A minha filha mais velha também, e ainda hoje tem cuidado, quando vai se calçar de manhã cedo, para sair.
As três filhas da senhora eram amigas das minhas, também, três filhas, na correspondência de uma para uma ou seja a primogênita, a do meio e a caçula amigas e colegas de colégio das respectivas em minha prole. Assim sendo, conviviam numa e noutra casa. Raramente se desentendiam e ai, naturalmente, iam às tapas. Participavam na rua lateral das brincadeiras e dos folguedos inventados por um dos meninos, tido e havido como sendo o Prefeito da Rua, tal a dedicação com que fornecia a bola do vôlei ou os jogos de mesa, à semelhança do Banco Imobiliário. Sem falar que costumavam jogar com o significado das palavras, o que, por certo, as fez mais ricas no que toca ao vocabulário. Quando estava na Universidade Federal de Pernambuco, era comum à minha caçula utilizar-se de palavras próprias da liturgia acadêmica, tais como: capelo e samarra. Ninguém sabia o sentido dessas estranhas e quase jurássicas palavras.
Numa tarde qualquer de um mês que não lembro mais, a senhora recebeu uma visita importante, gente de classe alta, mulher fina e elegante. Visita que chegou trazendo três cães de raça pura, puríssima, os quais se soltaram no jardim e no terreiro da casa de Dona Florbela (nome fictício). Corriam desembestados por todos os cantos e fuçavam os recantos que encontravam, como se promovessem um verdadeiro resgate do espaço que não dispunham no apartamento que habitavam. Uma festa canina, pode se dizer! Um desses encontrou até um rato de grande porte – um gabiru –, passando-lhe os dentes mal afiados. Foi serviço para o cachorro largar a presa magnífica com que se deliciava. Afinal, largou o indesejado animal e voltou para Boa Viagem, bairro nobre do Recife, habitado por gente da burguesia e objeto das tentações da classe média.
Lá pras tantas da noite, passando das 23 horas já, a dondoca liga para Dona Florbela e se queixa que os seus animais de estimação estavam vomitando muito. Indagava se havia o que suspeitar na casa da costureira, modista para outros. A senhora pensou, pensou e lembrou que havia veneno para rato espalhado no jardim e outras doses distribuídas no quintal. Expressou, então, a existência do velho “1080”, de uso proibido pelas autoridades sanitárias, o que fez a outra mulher, Clotilde (nome fictício) de prenome, estremecer nas bases. Um veterinário que morava perto foi acordado e chegou ainda zonzo para atender os bichos. E conversa vai, conversa vem, feneceram todos, morreram nos braços firmes bem tabalhados de Clotilde. Foi um horror! Mas, como toda tragédia tem uma comédia pelo meio, cuidei em fazer uma paródia, imitando uma cantiga velha que ouvia das empregadas de casa nos anos de menino. Começava assim: “A história da maçã é pura fantasia/...”.
“A historia dos cachorros é pura fantasia/Eu li num almanaque um dia de manhã/O cachorro estava com fome/E comeu o tal veneno/Comeu com casca e tudo/Não deixou nem um pedaço...”. E isso foi cantado e decantado várias vezes. Ainda hoje, quando encontro uma das filhas de Dona Florbela, não hesito e vou logo entoando os versos, paródia da velha cantiga. É nisso que dá dividir a moradia com a rataria, como fazíamos todos naquele lugar. Era rato por cima de rato. Catita e gabiru, rato de esgoto e rato doméstico. Tanto rato, tanto rato, que uma vez fui calçar um sapato e havia uma catita acomodada no bico do calçado. A minha filha mais velha também, e ainda hoje tem cuidado, quando vai se calçar de manhã cedo, para sair.
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