sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sociologia da Gafieira

Em priscas eras, tempos idos e vividos, a gafieira era, sem dúvida alguma, uma instituição diferente. Toda a gente sabe disso, se dos quarenta já passou e nos cinqüenta encostou. Reunia o proletariado, em maioria, mas admitia, muito a gosto da diretoria, a rapaziada de classe média, remediada da sorte, permitindo a dança e facilitando a corte. Abria as portas, solene e religiosamente, quase, nas noites de sexta, repetindo a dose no sábado, incursionando pelo domingo, das 10 às 15, nada mais, nada menos. A moral do tempo e a ética da gafieira eram defendidas, ardentemente, pelo fiscal de salão, não sendo permitido ao cavalheiro aproximar-se da dama mais do que o necessário ao rodopio no salão. 

Hoje está tudo mudado. A gafieira é lugar de gente fina, de gente carregada nos anos, quarentões e quarentonas largados da família: separados, desquitados e divorciados. A intenção é uma só e independe de sexo, de idade e de cor: a caça às bruxas ou aos bruxos. Nas mesas de pista, basta uma dama levantar um copo de cerveja e o marmanjo aparece, faz o convite e se joga na lambada. Aos cavalheiros cabe fazer o reconhecimento estratégico da mulherada, anotando, aqui e ali, uma figurinha ou uma figurona mais atraente em disponibilidade, preparar o bote e aproveitar o mote, que a noite é menina. A noite, aliás, nunca fica velha. 

Na verdade, quem bem definiu a situação reinante nesses recantos modernos – gafieiras estilizadas – foi cunhado meu, quando disse, conceituando o caso: “A Noite dos Desesperados!” E era mesmo! Uma loura empeiticada, de longe, levantou a bandeira de luta – o copo de cerveja –, fazendo ao cunhado o convite, sem esperar da mulher, legítima, casada e sacramentada, a reação: um muxoxo, sonoro, aos ouvidos de quem quisesse ouvir. 

De outra feita, um camarada boa-pinta, adepto do machismo dos anos 1960, mas verdadeiro cultor do rabo-de-cavalo, usado e abusado na mesma década – usa o adorno em homenagem a um amor perdido –, foi confundido por um bêbado. Pensava o seguidor de Baco tratar-se de uma dama e confidenciou aos cochichos a choradeira toda da vida. Depois, tomou um susto desgraçado, quando viu que a figura, de rabo-de-cavalo e tudo, era machão desgraçado, brabo feito uma capota, capaz de um safanão se a conversa não findasse, se o papo fosse adiante. 

Outrora, a rapaziada chegava da casa do sogro, deixando a namorada envolta pela coberta dos sonhos, e ganhava a rua. Ia baixar no primeiro terreiro que encontrasse e lá dentro ensaiar o bolero, o tango e o samba. Ia dançar com a ama de casa, com a babá do vizinho ou a empregada do melhor amigo. Tudo, rigorosamente, nos trinques. Quando dava, o amor pintava e o casal se mandava para os recantos bucólicos que cercavam a gafieira. Haja capim pela frente, lama para botar medo em qualquer um e carrapicho para denunciar ao velho, de manhã cedo, as artimanhas da noite. 

Mas, toda gafieira que se preza tem lei, tem ética e tem fiscal de salão, como bem me explicou Lígia, da assessoria doméstica aqui de casa. Mulher na pista, dando bobeira, não pode recusar convite. Se o fizer, merece a repreensão justa do fiscal e na reincidência, o destino é a rua. Agarradinho, piorou, só do portão para fora e tanto faz se casado, amancebado ou amigado.

(*) A Crônica foi escrita há anos passados e os personagens aqui referidos já se encantaram no infinito das coisas; se encantaram e deixaram saudades, que são as lembranças do ontem. Um texto dos tempos em que não era comum o uso do rabo-de-cavalo por homens, hoje muitos o adotam e a sociedade reconhece como sendo de bom agrado. Desejando o leitor comentar, o faça no espaço mesmo do Blog ou se utilize dos e-mails: pereira.gj@gmail.com ou pereira@elogica.com.br