segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Natal e a Carta

O Natal que passou parece ter sido o melhor de toda a minha vida, porque depois de muitos anos consegui reunir as minhas filhas todas em torno de uma mesa; filhas e genros. Mas, foi bom desde o começo do mês, desde o ritual das compras que todos os anos me junta à mulher para esse esforço derradeiro, de se adquirir bebidas e acepipes para a grandeza da festa. Bom demais! O peru, por exemplo, antes cevado a pão e água por dias seguidos, agora se traz de um supermercado, abatido e bem acondicionado. Os vinhos foram variados, porque aos que comprei juntaram-se aqueles que o meu genro trouxe de Espanha. Sem falar na cerveja, de que tantos gostam e que foi servida em barril trazido por outro dos genros.
Já no almoço da sexta, antevéspera do Natal, o cardápio foi requintado. Serviu-se um cozido à moda pernambucana, regado a bom vinho português e seguido por sobremesa, igualmente, tupiniquim: doce de jaca e baba de moça. No sábado repetiu-se a dose e o requinte, com um arrumadinho legítimo, no qual a carne de charque misturava-se à farofa bem arranjada e à linguiça de muito boa procedência. O difícil do sábado foi encarar o semblante de minha mãe, condenada à imobilidade da cama, sem falar e sem entender as coisas, sem se comunicar afinal. Mas, que diante de minha presença olhava fixamente a minha face, como se estivesse me reconhecendo. Foi a nota triste de meu Natal!
Mas, a vida é assim, uns se despedem da existência e outros vão chegando. É o caso de meu neto Pablo, o ponto alto da noite, sobretudo quando se anunciou que o Papai Noel tinha visitado a área de serviço e deixado o seu presente: uma caixa de ferramentas infantil. Que beleza! A emoção foi tão grande que o menino marejou os olhos e se encantou com martelos e chaves, parafusos também, que lhe serviram até o outro dia pela manhã e ainda lhe servem, fazendo serviço extra dentro de casa. No entender da avó, não há mais necessidade de se convocar o marceneiro. Há um, agora, disponível na constelação parental. É uma graça de Deus esse menino!
Permita-me, porém, o leitor dizer que o fato marcante dessas comemorações natalinas todas ocorreu no entardecer do dia 25, quando a minha filha mais nova, a caçula da prole, fez a entrega de uma carta a pai e mãe, agradecendo tudo que recebera na vida de nós outros, seus pais, cuja luta foi diuturna para criar a progênie feminina. Transcrevo aqui o teor da missiva, porque com isso também demonstro a minha satisfação e a mais absoluta certeza do dever cumprido. Claro que o sacrifício foi enorme, mas não desistimos em momento algum:

Painho e Mainha
Hoje, 25 de dezembro de 2011, resolvi deixar registrado o quanto amo vocês.
Obrigada pela infância maravilhosa, cheia de sorrisos, alegrias, momentos mágicos. Obrigado por todas as férias em Pau Amarelo, por todas as idas ao Mercado da Madalena, para ver passarinhos, pelos sábados em Olinda comprando bonecas de pano, pelas horas em que pude brincar na rua.
Obrigada pelas minhas festas de 10 anos e de 15 anos, que nunca vou esquecer. Obrigada pela infância florida que tive.
Eu tenho uma lista enorme de agradecimentos, que vai desde tudo isso citado até os dias de hoje, mas quero mesmo ressaltar o amor.
...Com amor vocês construíram uma família ética e com princípios.
Obrigada por terem me ajudado tanto a formar o meu caráter.
....fiquem tranquilos, vocês acertaram!
Beijos com muito amor.
O pai e a mãe que recebem um presente desse de Natal, só podem exultar de alegria e satisfação. Afinal: acertamos e vencemos.

(*) Esta é uma crônica que escrevi e publico em homenagem à minha filha Ana Carolina, autora da carta que me inspirou o texto. Tenho mais duas dessa mesma estirpe; gente que conta com a força do caráter inquebrantável e de personaidade forte, ambas, à qual preside as decisões e iniciativas de ambas. Às três desejo que as alegrias da nossa noite de Natal estejam presentes em cada dia no Ano Novo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O enterro do peru

Decido escrever sobre as festas natalinas, as do meu tempo. É que amigo meu – colega médico também – lá de Monteiro, nos esturricados rincões da Paraíba, escreveu-me dando conta de sua experiência na Noite de Festas. Era assim, lembrou, que se chamavam as antigas noites natalinas, com a Missa do Galo presidindo a cena. E era mesmo, todos iam à celebração do sacrifício canônico, uns compareciam ao ato na capela do Colégio Nóbrega, outros preferiam a rapidez do Mons. Sales, na Matriz da Soledade. Estive nos dois lugares, no Colégio onde estudava e na igreja em que me batizei e depois me casei, com o camareiro papal vestido a caráter.

A noite, porém, começava cedo, na Festa da Mocidade, com direito a carroceis, sobretudo o polvo, em que os giros eram acompanhados de gritos frenéticos; gritos e abraços, às vezes até beijos roubados a cada uma das evoluções do brinquedo. Eu tinha medo, por isso nunca me aventurei por lá. Pior o tira-prosa, com dois braços enormes se cruzando nos ares. Gritos até não se querer mais e alívio quando o equipamento parava e os meninos ou as meninas desciam. Nunca havia adultos! Raramente! O cabo Marcha-Lenta era o fiscal da festa, ia pra lá e pra cá, com aquele andar cadenciado dos indivíduos gordos. À época saúde e gordura era o mote.

Jogo de azar havia, porque a roleta rodava até a madrugada, mas não era facultado a menores arriscar na ficha. Vez ou outra, no entanto, aproveitando uma distração do meganha, valia a compra de uma fichinha barata, menos de que jogavam os endinheirados. Os que tinham os bolsos recheados de velhos cruzeiros obtinham a prioridade feminina e saíam com as vedetes em carrões enormes, de capota arriada e cantando os pneus. Vi um desses, muitos anos depois, chegar ao pronto- socorro com uma mulher sensual, pintada a caráter e bem vestida. Estava em coma, depois de uma colisão na avenida Boa Viagem. E o pobre do guarda quase enlouquece para prendê-lo. Fiz poucas e boas nessa noite!

Vinha-se para a Missa do Galo e se evitava o pecado até a hora da comunhão. Depois disso era uma gandaia só. Na Festa, outra vez visitada, dançava o Pastoril do Velho Faceta e cada um que desse uma moeda ou um cédula para ver uma pastora dançando sozinha. Era uma festa dentro da outra. A mestra seu Faceta, gritava um circunstante, a contramestra senhor, gritava outro e o dinheiro ia sendo guardado pelo velho. Eram mulheres de coxas enormes e por isso mesmo admiradas pela canalha, na qual eu estava muito bem entrosado. A culpa depois confessada era a de ter usado o dinheiro de meu pai assim, para o escabroso desfilar dessas pernas imensas.

A minha avó paterna tomava conta do bolo branco que se preparava para a noite e orientava as empregadas no embebedar do peru, sendo eu o responsável pela compra da dose de aguardente, com a qual se fazia chegar goela abaixo a água que passarinho não bebe ao estômago do bicho. Depois, na mesa, o animal morto, qual uma mulher numa mesa ginecológica, era traçado pela família toda. O bom mesmo era no dia seguinte, a cerimônia do enterro do peru, isto é, a carcaça do bicho imersa no feijão. Melhor não chamar assim, recomendava a minha avó, uma das mulheres mais obedientes aos ensinamentos da Igreja. Não sei se foi bom ou se não foi!

O diabo é que chego por lá e não vejo mais ninguém desse tempo. As portas estão fechadas, como se guardassem as lembranças do tempo que se foi. Morreram todos e estão morrendo os outros. Qualquer dia, não se fala mais nisso! Esquecem o que passou da memória dos que estão chegando.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mudou o Natal...?

O Natal que vai chegando é o da virtualidade; o Natal digital ou o Natal online, como se diz no hoje das coisas. Significa que a informática, presente no dia a dia de toda gente e no cotidiano do mundo, responsável por muita coisa dos avanços experimentados pela humanidade, passou a presidir também a data reservada à aproximação das criaturas. Assim será com a fraternidade de agora, de 2011, que vai se exaurindo e de 2012, nascente, para os viventes que permanecem no banquete da vida.

No Recife, cidade dos rios e das pontes, que viu Maurício de Nassau com seu boi voador, uma rede de televisão potente, a maior de todas as redes, instalou uma árvore de Natal belíssima na fachada de um quartel de polícia. E duas vezes por noite, às sextas, aos sábados e aos domingos, projeta na mesma fachada um filme relativo ao nascimento do Cristo, mostrando aos passantes detalhes desse fato tão significativo. Um Deus que se fez homem, que nasceu do ventre de uma mulher, como todos os outros, veio para com o sofrimento trazer a redenção da humanidade.

E eu fui ver a iluminação da cidade com o meu neto, Pablo de prenome. Com isso, talvez repetisse o gesto de quase 40 anos atrás, quando levava as minhas filhas, inclusive a mãe dele, a primogênita de meus rebentos, para ver o espetáculo de luz e cor. Parecia que estava cumprindo o mesmo percurso – talvez até o fosse! –, buscando a iluminação do bueiro da Tacaruna, quando ela ainda dizia assim: a cacauna, painho! Vimos tudo que havia nas ruas. As coisas no quartel da polícia, ouvindo meu neto chamar: a pilícia, vovô! As estrelas que passavam rápidas no Palácio da Justiça e as que se sucediam na Secretaria da Fazenda. Que beleza!

Mas, em mim ficaram as outras festas natalinas, aquelas de minha infância e as outras, as de minha adolescência, sobretudo as dos anos de juventude. Quando era menino, bem menino, meu pai deixava os presentes em baixo da cama e uma vez comprou uma espingarda de rolha, à qual ele chamava de manuliche. Na minha fantasia, certa vez, acordei e disse que tinha visto o Papai-Noel às caladas da noite, entrando de mansinho e me deixando um lindo caminhão militar, com cobertura de lona verde e outras características das viaturas de guerra. Mais velho, nunca dispensei uma ida à Festa da Mocidade, pelo geral bem acompanhado, fosse com uma ou com outra. E não esqueço de uma sertaneja que me indagou quem era a moça que andava comigo: É uma prima muito tímida, daí o braço sobre os seus ombros. Foi a respota que dei, por muitos anos considerada inteligente pela gente de minha rua; a gente miúda.

E eu descubro que o tempo passou e passou rápido. Tenho saudade até dos anos em que levava minhas filhas à cidade? Isso não me impede de rememorar as palavras de Machado: Mudou o Natal ou mudamos nós? Tudo mudou, essa é que é a grande verdade!

Feliz Natal!

(*) Texto de uma manhã de segunda-feira, depois de ter ido ao centro conferir a iluminação de Natal e antes da chegada de meu genro Gonzalo, que vem passar conosco a noite de Festas; vem para ver o seu filho Pablo e completar a famíia que se reunirá em torno do perú. Repete-se aqui a tradição de muitos anos, de minha avó paterna acompanhando o morrer da ave e depois o cozimento com direito a todos os temperos. O leitor que terminou a leitura, comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para os e-mails pereira.gj@gmail.com ou ainda pereira@elogica.com.br




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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Mangueira e a Cerejeira

Em tarde assim, de suave tropicalidade, com os ventos alísios assoprando o frescor dos ares, mesmo que a ansiedade fustigue a intimidade d’alma, antecipando momentos de tensão emergente, nada pode ser melhor que saborear uma manga Rosary, presente de Oswaldo Martins de Souza, leitor habitual desses meus escritos. Ainda mais, se a morosidade das horas permite a leitura atenta das contribuições do agrônomo ao estudo dessas frutas da Ilha de Itamaracá. Considerações de caráter técnico e ao mesmo tempo sociológicas, pelo que transmitem dos convívios pretéritos, das superstições e das crenças. Prendo-me, particularmente, à lenda da manga Primavera, uma das mais saborosas daquele recanto, nascida dos amores frustrados de um padre por uma moça.

Corriam os anos do século XVII e o jovem Saldanha apaixonara-se, perdidamente, pela moçoila casadoira de nome Sancha, cortejando-a o mais que podia ou o mais que lhe permitiam as regras do tempo. Decidido, foi à presença do pai e decantou os sentimentos, recebendo, todavia, a maior de todas as negativas de que se tem notícias pras bandas de Itamaracá. Voltou cabisbaixo e por certo chorou baixinho as lágrimas de todas as perdas, o pranto da decepção estabelecida. Mas, não desistiu, antes buscou o caminho das glórias, para impressionar o resistente sogro. Lutou contra os holandeses e venceu batalhas, matou gente e quase morre, levantou-se ninguém sabe como, depois de ter sido considerado destinado já à outra dimensão da vida. Bateu à porta do seminário e se fez sacerdote.

Um dia, sem esquecer nunca do semblante de Sancha, mandado trabalhar em terras da Ilha, tomou-se da coragem que anima os amantes condenados à sina das rupturas e procurou a velha amiga, que solteira, ainda, vivia em companhia de um irmão e sua prole. Bateu à porta vestido à caráter, de batina e barrete! Foi ela quem se achegou e o recebeu, ouvindo-lhe pronunciar o nome que agora tinha: Pe. Aires Ivo. Não resistiu à identificação do antigo amor, da face que mostrava, ainda, traços da juventude e da voz, cuja tonalidade apontava a idade, mas conservava o timbre dos outroras vividos. Caiu por terra, fulminada, inerte, diante da inesperada visita, da surpresa e da condição que adotara, a de celibatário. Morreu, porque se morre, mesmo, quando a decepção faz consolidar o desgosto!

Foi sepultada em cova rasa, rodeada de jasmins e numa das vezes em que o cura por lá voltou, para retomar imaginárias aproximações, com as quais convivera a existência toda, plantou uma semente de manga no canto desses seus proibidos encantos. A mangueira desabrochou viçosa, cresceu em busca dos céus e deu o mais doce de todos os frutos de que se sabe em terras assim, quinhentonas :a manga Primavera. Plantada em solo diferente daquele das origens, fora da Ilha e longe daquela fada, que é madrinha, também, não repete o sabor de mel, o adocicado do gosto, pra que não se fale de Aires, o padre ou de Sancha, a musa! Nem a ciência e nem a técnica conseguiram explicar a lenda ou mudar de hábitos a árvore dos amores rompidos.

E nessa mesma tarde, de suave tropicalidade, encontro no computador uma correspondência de lugar distante, bem distante. Chega de Tóquio, assinada por amiga minha, Harumi de prenome, dando conta que a sakura, a cerejeira dos japoneses, floresceu e encheu as ruas da cidade com a beleza das pétalas. Há gente sentada na relva admirando as flores, jovens e velhos, casais enamorados e errantes solitários. Será que existem homens como o cura de Itamaracá ou mulheres como Sancha, embevecidos com o efêmero fenômeno, rebuscando passados e fantasiando amores? Talvez sim! Talvez não! Mas, por todo o tempo em que este mundo durar, quer queiram ou quer não queiram, amantes embevecidos hão de chorar as perdas, derramando as silentes lágrimas das distâncias, com as quais regam as árvores de bons frutos das lembranças eternizadas.

domingo, 20 de novembro de 2011

Barbeiros, Sapateiros e Amoladores

O Suplemento dominical do Jornal do Commercio, do Recife, que circula com o nome de Arrecifes, publicou recentemente (20/11/11) interessante matéria da jornalista Luisa Ferreira, intitulada “Herois da Resistência”. Trata de antigos profissionais, comumente encontrados na cidade, até pelo menos os anos 70, pouco mais ou pouco menos, a depender do bairro e das necessidades do cliente. Eram barbeiros, sapateiros, amoladores, lavadeiras, alfaiates e relojoeiros; todos ou quase todos desaparecidos das ruas desta cidade dos rios e das pontes. E é mesmo!
Do barbeiro que comparecia, religiosamente, em casa para cortar o cabelo de meu pai e vez ou outra o meu, lembro muitíssimo bem. Não me ocorre lembrar o seu prenome. Deve ter morrido, porque na esteira do tempo já se vão mais de cinquenta anos. Fazia primeiro o cabelo do velho e em seguida o meu. Como todo barbeiro que se preza, tinha uma prosa magnífica e fiava conversa o tempo todo. Era, funcionário registrado e reconhecido da Galeria Brasil, que se chamara Galeria Ítalo-Brasileira, atacada a pedradas nos anos de guerra.
Depois, passei a cortar cabelo com profissional ancorado na avenida João de  Barros, de nome Hilário, que também fiava conversa da hora de meu sentar na cadeira à  de levantar. Muitos anos depois, já mudado para começos da rua da Hora, me pediu: “Doutor! Preciso fazer uma consulta ao oculista. Estou ficando cego.” Consegui e orientei a criatura a ligar e dizer que era o meu barbeiro. Foi quando comunicou a mudança de sua titulação: “Não sou o seu barbeiro. Sou o seu cabeleireiro.
Era uma figura interessante, porque sendo mulherengo, terminou apaixonando-se pela nora, sendo retribuído por isso, pelo que se amasiou com a penitente. Não sem contar com uma encrenca do cão de seu filho. E é ela quem cuida do homem hoje e de sua visão prejudicada. Agora, em seu lugar, ficou Edson, jovem e competente, que gosta de repetir o que me dizia Hilário sempre que terminava sua missão: “Mais jovem!”. É uma ilusão essa juventude fora de hora! Sônia, sua irmã, me corta as unhas do pé. Marcou comigo o aniversário de 50 anos de um fungo no dedão e se dispõe a preparar os acepipes da festa. Já pensou!
Os sapateiros se foram mesmo e não apenas trocaram o nome da profissão, como os barbeiros. Lembro em minha rua de infância de um desses, Miguel de prenome, que corria de hábito atrás de mim, quando eu saia em disparada, fugindo de casa. Até o dia que explicou a minha mãe: “Senhora! Eu sou sapateiro! Não estou aqui para correr atrás de seu filho!”. Tinha um pouco de sapateiro e um pouco de engraxate. Não vejo mais um nem outro! Só raramente e em certos lugares.
A lavadeira cedeu, mesmo, o lugar à máquina de lavar roupas, hoje computadorizada, a ponto de dispor de várias velocidades mais, de movimentos diferenciados. Não se tem mais em casa o quaradouro, que de madeira ou de cimento, servia também a certos encontros furtivos com as domésticas de casa. Lembranças desses amores periféricos, contados em pormenores ao cura da paróquia ou em detalhes ao jesuíta interessado nesses pecados da carne. Lembranças também de Marinete, mulher barroca, das admirações de meu avô.
Tinha o alfaiate: seu Guerra. Homem pacífico e satisfeito, figura da paz. Como tinha, também, amoladores e relojoeiros, cujos prenomes não lembro. Além do Vassoureiro, nome agora do quadro que recebi de presente da artista plástica Lúcia Pedrosa, pintado à inspiração de uma crônica minha: Os pregões do Recife. Exposto por um mês na Academia Pernambucana de Letras, sob o título geral de: "Pintando a Palavra". Pintores que fizeram criações artísticas baseados na obra de cada um dos acadêmcios.

(*) - Comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para os e-mails: pereira.gj@gmail.com ou ainda  Fiz tudo para ilustrar melhor, mas o computador negou-se. Quando a máquina se nega, meu camarada, não há como fazer diferente.pereira@elogica.com.br

    

sábado, 12 de novembro de 2011

O Baú de minhas Saudades

As minhas saudades habitam, agora, os longos e silentes corredores do imaginário, por onde parecem vagar os fantasmas azuis das lembranças, em molduras de fumaça, evanescências do ontem. Caminhos dos meus pretéritos. Cenas dos meus outroras aflorando em fantasias ou cenários daqueles antanhos, transformados em devaneios. Atores cumprindo o desiderato do tempo, gente que foi gente e gente que não é mais gente. Parentes sentados no alpendre de casa, em pesadas cadeiras de maciça madeira, a fiarem conversa na boquinha da noite, depois da suculenta ceia. Da tapioca molhada e do café com bolachas americanas, quebradas e sobrenadantes. Rodas de manteiga a flutuarem no negro conteúdo da xícara, sem inibir vontades e sem impedir desejos de paladares assim. Ou colegas que foram companheiros da rua, no lúdico dos dias e no palavreado das noites, que partilharam das emoções primeiras, de amores nos inícios e de paixões rompidas. Ouviram segredos contados aos ouvidos, cochichados, pois!
Há sonhos que chegam assim, como esses, do meu hoje, em noite de insônia e há outros que esperam a hora dos anjos, o angelical momento do inteiramente onírico, para o retorno nos anos. Promovem, então, os milagres todos, fazem renascer os que já se foram e não viram um futuro que virou presente e já é passado. Dão a cada qual a face que se deseja pudessem ter, se vivos estivessem e se sentados por cá ficassem olhando o écran do computador, assistindo a emergência da criação ou a metamorfose do texto, do pensamento se materializando em letras e vocábulos, tomando a forma de frases e de períodos, vírgulas e ponto final. Vestidos à moda daqueles pretéritos falam do experimentado neste maravilhoso banquete da existência terrena. Pedem ou não pedem orações e invocações, sem deixar que as evocações se percam na largueza do éter. Fisionomias reparadas, cabelos repostos e rugas vencidas! Depois se vão, encantam-se outra vez!
A avó de longos cabelos, metade preto e metade branco, acompanhada da irmã, a tia velha para os sobrinhos-netos, reaproxima-se da vida e pede o colírio de seus hábitos. Tinha na vista as doenças de todos os velhos, a catarata e o glaucoma, faz o neto pingar-lhe as gotas e manda ver a injeção escondida sobre o guarda-roupa antigo, pesadão e preto, como se o luto da viuvez lhe fizesse assim, densa e tensa. Ampolas importadas da Suíça, de uma certa doutora Aslan, cujo milagre seria o da juventude recuperada ou a da mancha desgraçada da idade apagada para todo o sempre. De nada serviram caixas e mais caixas, aplicadas nos músculos de ambos os braços pelo farmacêutico da esquina, Belmiro de prenome.         
O pai morto, inerte, no salão nobre e pomposo, se alevanta do esquife, abre os olhos do descanso derradeiro e não se diz cansado! Conta, afinal, o que teria a falar com o filho primogênito, no encontro que marcara para a tarde daquele dia dos horrores. Nada mais pôde verbalizar! Eis o verdadeiro desencontro! O que seria, então? Uma observação qualquer sobre o estilo da crônica ou do artigo? Uma ponderação a propósito de um porvir desconhecido? Indagações filosóficas a respeito do infinito das coisas ou da dimensão do eterno? Fez isso até o ultimo momento, sublinhando proposições bíblicas sobre a morte em seu Missal.  Impossível saber! Dúvida atroz que sacode o espírito e faz da alma uma grande interrogação! Burburinho de idéias que de nada servem! Ninguém sabe, ninguém escutou, ninguém ouviu! Quem sabia se foi! E fez diferente do que fazia! Não mandou notícias!
Eis o bau de minhas saudades!
(*) Um texto saudoso; saudades dos que se foram e não deram mais notícias. Saudades do meu ontem das cenas e dos cenários; saudades dos personagens que encarnavam gente. Gente que foi gente e gente que não é mais gente. Deseejando o leitor comentar, não hesite, use o espaço do Blog ou envie pelos e-mails: pereira.gj@gmail.com ou pereira@elogica.com.br

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A dor de barriga do elefante

Ao leitor confesso de logo: gosto muito de passar trote. Trote telefônico e trote pessoal, isto é de corpo presente, como diz certo amigo meu. Passei um tempo por aqui que deixava mensagens no telefone fixo. É que descobri, sem muito esforço, que havia uma caixa postal no equipamento, sob a batuta da companhia e às expensas do assinante, no caso eu. A verdade é que nunca se usou isso e decidi alternar as mensagens. Assim, por exemplo, em certo final de semana, gravei: “Nos velhos conventos de Olinda, os monges ainda se cumprimentam assim: Lembrai-vos da morte. Deixe sua mensagem.”. As reações eram as mais diversas, desde a impressão de que se estava falando com um padre, até a certeza de se tratar de gente do outro mundo. Nessa sistemática, decidi fazer uma enquete sobre o Padre Marcelo Rossi. Assim: “Que opinião você tem sobre o Padre Marcelo Rossi?”. Um interlocutor disse: “Eu até que gosto do padre.” E por ai vai!

Mas, falando em trote pessoal, de corpo presente, como disse, tem um camarada aqui perto de casa, lavador de carro, que todas as vezes que eu passo para caminhar na Jaqueira me cumprimenta dessa forma: “Boa tarde coronel?” ou “Coronel deseja que limpe seu carro?”. Eu fiquei meio cabreiro, mas depois entendi que o cumprimento era geral e irrestrito, passou merecia o gesto. Decidi, então, chamar o rapaz e dizer a ele em certo sigilo: “Olhe, você tem me tratado por coronel e os meus subordinados viram isso. Eu não sou coronel! Sou general!”. Não prestou, pois que o tratamento mudou de imediato. Pior foi no dia que ele indagou onde eu morava, ao que respondi, sem hesitar, general não mora, acampa. “Eu estou acampado ali adiante!” Noutra oportunidade encontrei casualmente com minha mulher e expliquei que era a major e que nos conhecemos no Haiti. Veja só!

Mas, muito pior do que tudo isso foi a ligação que fiz para uma farmácia aqui na esquina. Quando o balconista atendeu, indaguei se sabia das mais recentes normas da Vigilância Sanitária, respondeu que não, ao que expliquei que teriam de vender doravante caixões mortuários e ele, respondendo: “Essa só com o gerente!”. E foi convocar o gestor. Em Aldeia, decorei o telefone de uma sementeira e liguei ao chegar em casa. O homem muito prestativo atendeu: “Alô!”. Ai dei uma explicação furada, disse que o Sr. Messias, morador de Araçoiaba, tinha morrido e como gostava muito de flores, estávamos transportando o defunto pra lá. O pobre do homem quase endoidece, porque era um sábado e a freguesia estava toda na sementeira. Em Aldeia, também, telefonei à clínica veterinária e me apresentei como uma pessoa que havia capturado uma raposa e que o animal estava doente e eu precisava de assistência, mesmo sabendo dos riscos em ter o bicho em casa. A atendente, de logo, advertiu: “Ai só com a doutora!”. E eu desliguei.

Mas, sobre clínica, muito mais engraçada foi a de Pau Amarelo, em tempos idos e bem vividos, liguei para a clínica veterinária e disse que era dono de um circo, que vinha da Paraíba e já estava em Goiana, mas com um problema sério, porque o elefante estava com uma diarréia grande, já tomara 34 vidros de Kaomagma e não obtivera melhora de jeito nenhum. Eu estou levando o animal pra ai, afirmei, decidido. A criatura desesperou-se, justificou que lá só tratavam de pequenos animais e o diálogo prosseguia sem que eu cedesse, até que no final disse a ele que o paquiderme podia dormir mesmo na rua. A coisa foi tão séria, mas tão séria, que ele fechou a clínica o resto do dia.

Com essas coisas eu trato o meu stress!

(*) O texto lembra tempos idos e muito bem vividos, quando o humor presidia o espetáculo da vida. Ainda preside, pelo menos em parte. Com as minhas saídas espitituosas para espantar os stress e as contrariedades. Tantas e tantas coisas que não precisavam ser vividas e o foram. Tantos que já se encantaram no infinito das coisas! Desapareceram todos os velhos de minha juventude e continuam a desaparecer os meus parentes, novos ainda. Um misto, pois, de alegria e dor. Comente o leitor se desejar, no espaço mesmo do Blog ou o faça para os e-mails pereira.gj@gmail.com e pereira@elogica.com.br

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Insônia Parental

O motorista do táxi, depois que abri a boca, perguntou: “Está com sono?”. Perdi o sono à 2h:30 da madrugada e não o encontrei mais. Na verdade, o meu sono já se foi há muitos e muitos anos pra atrás; se foi, digo de novo, nos vestígios deixados pela insônia de minha avó paterna ou seguindo as noites e noites em claro de meu pai, que passou o todo tempo em que viveu quase sem dormir. Levantava assim, com as galinhas e sentava à máquina de escrever, datilografando um artigo de jornal, no mesmo quarto que eu próprio dormia. Isso concorreu para a insônia do meu despertar precoce, mas a marca da genética é que foi predominante, pois que não dormiam minha tia velha, minha tia mais nova e as outras todas da constelação parental.

Acordei e levantei quando o relógio marcou 4:00h da manhã, ouvi o pássaro cantando continuamente, não identifiquei a espécie do bichinho, mas há muito que ouço seu trinar e julgo seja exótico, isto é, venha de outras paragens e por cá restou aprisionado em gaiola de algum vizinho. Já gostei de pássaro assim, por trás das grades formadas pelas “barbas de bode”, mas não gosto mais. À tardinha, quando fui à janela de meu quarto, havia um pássaro escuro, diferente dos que vejo por cá, com uma cocuruta na cabeça. Também não sei o seu nome e a sua origem. Por aqui estão criando passarinhos engaiolados, é o que deduzo, vez ou outra um desses foge e fica por ai zanzando sem destino. Dia desses, em minha varanda, havia um periquito australiano, verde. Não gosto da espécie e não admiro a espécime.

Tempo houve, eu já casado, pai de família, que acordado às tantas da noite, tomando conta de minha filha mais velha, da asma que tinha e da febre que a incomodava, e de súbito surgia Moisés, despedindo- se da escuridão do tempo. Parava, apenas parava. Cumpria a sua alteridade, e vinha fiar conversa com o outro, acordado e encarregado de pastorar a cria para que crescesse e tivesse viço, como tem, no hoje dos dias. Contava coisa do arco da velha, lembrando o que passou, falava das albacoras, ainda hoje presentes em seus alfarrábios secretos, lembrava da enfermeira que morava de esquina da rua do Príncipe com a Afonso Pena, mulher quarentona, versada em questões da matéria; da matéria e da carne, dizia sempre. Não esquecia de Sérgio Jiboia, conhecido como Cacique Morubixaba, Primeiro e Único, nem de Bizado, vitorioso em votação para eleger o homem mais feio da Festa da Mocidade, sequer esquecia de Ruy, o da Pipa ou o da Hóstia. Ruy da Hóstia, porque quando fizera a Primeira Comunhão gostara tanto do pão ázimo, que pedira para repetir.

Tia minha, velha em idade e desajuizada já, andava por dentro de casa sem destino certo, feito um zumbi. Não dormia e tampouco tinha insônia, era sonâmbula na forma da lei. Podia fazer qualquer besteira naquela hora de seu vagar, sem saber das coisas. Arre, dizia pela manhã, quando alertada a esse propósito. Não acreditava no que se dizia e achava que estavam querendo pegar uma peça. Tomava conta do pão de cada dia, mas ficava indignada se alguém se atrevia a comer um daqueles antigos e saborosos exemplares bem cuidados da massa fermentada. Fui eu que lhe passei o trote por telefone, dizendo ser do Purgatório. E ela, na ingenuidade da hora: “Já liga do Purgatório?”. E eu, na minha sem-vergonhice: “Estamos em fase de experiência!”. Coitada, Deus me perdoe dessas coisas!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Gente Simples

É interessante notar as peculiaridades da gente simples, da gente que vem ao Recife somente por um dia ou dos migrantes engajados nesse mundo cão de cimento e ódio. Presto atenção a tudo isso, desde menino, quando ouvia a conversa da criadagem - um nome de época - ou assistia aos costumes e hábitos desse povo sofrido que mora em nossa casa e não tem onde cair morto. Depois, na escola da vida, que para mim foi, também, a escola da doença e dos doentes, pude ir tomando contacto mais íntimo com o especialíssimo do matuto e do citadino migrante. Já se vão quarenta anos de médico e mais seis de faculdade - É coisa muita guardada!. A televisão vem deturpando tudo, tirando o regionalismo das expressões e roubando as tradições arraigadas há séculos na cabeça do nordestino. Fala-se em Pernambuco, na Mata ou no Sertão, do mesmo jeito que o paulista se expressa na Augusta. Fizeram desse Brasil grandalhão uma aldeia global. Norte, Sul, Leste e Oeste representam apenas os pontos cardeais aprendidos no grupo escolar, sem grandes diferenças mais. A novela varre o País inteiro, transmite a ilusão do capitalismo e acaba com o sotaque da voz.
Uma vez atendi uma doente, estudante ainda, queixando-se de mal feminino. Doutor, disse pra mim, pensando já ter anel: "Sofro, faz muito tempo, da mãe do mundo!" Ora, leitor amigo, o útero é, em realidade, a mãe do mundo? A "mãe do mundo" dizem algumas, mas a "mãe do corpo", explicam outras. Em ocasião diferente, uma senhora padecendo de mal venereo, adquirido de seu marido, envergonhada com tanta desdita, cabeça baixa e mão cobrindo os olhos, disse: "Estou doente das partes mais vergonhosas!". Que vergonha há mais lá por baixo, meus senhores e respeitabilíssimas senhoras, se na praia o "fio dental" expões pra toda gente as inferiores maçarocas do quadril feminino? Acabou-se isso por aqui! É pena, penso eu, melhor em tempos atrás, quando a imaginação do menino, do rapaz e até do adulto viajava calculando a beleza escondida em peça inteira de banhar-se!
Um certo rapazola da cidade, chegando para a consulta e portador de moléstia do mundo, disse: "Napoleão está doente!". Ora mais que coisa, estão nomeando agitadores de esquerda usando nomes de generais? Outro, mais interiorano, foi modesto: "O peru está doente!". E assim tratei muita gente; gente doente das partes mais vergonhosas e gente sofrendo em seu Napoleão quando burguesa ou de seu peru se do proletariado. Todos usando o instrumento de forma inadequada, sem a camisinha das recomendações do governo e sem a seleção devida de parceiros e parceiras. Agora a coisa mudou, os jovens "ficam" e se vão às vias de fato, com toda certeza é quase sempre com figurantes do mesmo nível. Dificilmente procuram prostitutas estabelecidas, como aquelas da rua da Guia ou da Rangel. Certa vez, nessa última, uma mulher na janela levantou a blusa, expondo os seios. O menino cá em baixo, menor de idade ainda, ficou com as pernas tremendo.
Sapato emborcado, nunca jamais, em tempo algum, dava azar, atraso pra família ou morte no mesmo ano. Roupa pelo avesso, nem pensar, era dose dupla! Ainda hoje essas coisas ficaram, parece que automatizadas, em mim! Mesmo sem acreditar não as faço, por hábito! Será mesmo?
Nas festas de São João ou de São Pedro, a faca na bananeira ou os papéis cortadinhos na bacia, com as letras todas do alfabeto, dariam, com certeza, a inicial do nome daquele que haveria de ser a esposa ou o marido. Fiz isso centenas de vezes, repetindo a operação em várias ocasiões na mesma festa. Na faca nunca pintou coisa alguma e na bacia saíram iniciais de "A" até o "Z". Fiquei com a última, porque os últimos serão os primeiros e estou por aqui satisfeito.Essa gente da cidade pega as coisas do interior e faz tudo trocado! Não entende bem o espírito, mete as mãos pelos pés e deseja imitar a pureza lá do campo. Na casa de meu sogro a fogueira se acendia no badalar das seis horas e tinha que ser, sempre, a mesma pessoa a tocar fogo, transformando em braseiro a madeira lá do mangue. Ora, não é que o cunhado se armava de jornal e álcool, contanto que acendesse o fogaréu.

 (*) Um texto que mostra alguma coisa de minha experiência com a gente simples em meus convívios; gente que desapareceu na esteira da globalização. Queira o leitor comentar e o faça no espaço mesmo do Blog ou para os e-mails pereira.gj@gmail.com e pereira@elogica.com.br  

sábado, 8 de outubro de 2011

Demais da Conta

Estudei o antigo Curso Secundário no Colégio Nóbrega. Fiz o Exame de Admissão, o Ginasial e o Científico e francamente, pintei e bordei lá dentro. Só não fui expulso, porque o meu pai tinha sido professor do Colégio e era um homem de grande prestígio na cidade. Já contei aqui que cheguei alguns meses antes do verdadeiro vestibular que era o Admissão, isso para ir me habituando com a rotina, a qual era completamente diferente daquela do grupo escolar, dizia meu pai. Eu nem sei se era! No fim, no fim, era tudo a mesma coisa!

Nos primeiros dias estranhei muito a voz do professor, o sotaque, pois que ele era português. O meu sobrenome, por exemplo, que é “Pereira”, o homem pronunciava como “Preira”. Foi difícil me acostumar com aquilo, mas o homem se habitua com tudo e eu me habituei com essa forma de falar. É! Terminei sendo aprovado com 9,95 e como não acreditava em mim, de forma alguma, lá não fui buscar uma medalha a que tinha direito. Um professor que morava no museu e tinha, ao que se dizia medo de mulher, razão para que eu colecionasse fotos de mulheres de biquíni e jogasse por baixo da porta dele. E ele, coitado:


- O senhor pensa que eu tenho medo de mulher?


- Claro que não, professor!


- E por que está deixando fotografias de mulheres sob a minha porta!


- Professor! Sinceramente, considero o senhor o maior galã vivo, um fora de série, conquistador de mulheres.


De outra feita, ouvindo a chamada dos alunos, quando o mestre declinou o meu nome, respondi como certo aluno fez com meu pai, em gregoriano: Preeeeeesente. Na mesma ocasião e em ato contínuo foi expulso da sala. Pra fora canalha, foi o que disse o professor! Em outra ocasião o mestre entrou na sala de aulas e eu me levantei e disse: “Queremos cumprimentá-lo pelo aniversário!”. Mas, não é meu aniversário, respondeu. E eu: “É! O nosso calendário não é propriamente o seu!”. E as palmas comeram no centro, depois de um ”parabéns pra você” bem cantado e bem ritmado. Era um professor de desenho, que vinha dando problemas pra serem resolvidos e numa de minhas falas eu assegurei que a matéria não comportava problemas e até hoje estou certo disso.


Houve certa oportunidade em que o nosso mestre de geografia pediu a todo mundo que trouxesse um atlas. Já se sabe que eu não trouxe o meu e à indagação de onde estaria o meu atlas, simplesmente abri no choro e disse: “O meu pai não tem dinheiro pra comprar!”. E o professor, muito compungido com a questão, me dispensou de portar o acessório para sempre. E o nosso novo professor de geografia fez uma chamada oral e claro, eu fui escolhido para começar: “Meu filho! Fale sobre a geografia da Alemanha?” Comecei tratando do Rio Grande do Sul, falando sobre Brizola e outros de seus correligionários, ao que o professor interrompia para lembrar: “Alemanha.”. E eu, calmamente. “Professor, por favor, vou chegar lá! Vou falar sobre o Rio Grande do Sul, depois sobre Hitler e finalmente sobre a geografia da Alemanha.”. Mandou que sentasse, porque era demais da conta.

(*) Um texto sobre as minhas peripécias no Colégio Nóbrega. Comente no corpo do Blog ou para os e-mails pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com A crônica tem sido reproduzida no jornal virtual A Besta Fubana   

sábado, 1 de outubro de 2011

A Pecadora e Deus do Céu

Assistindo televisão vi um comercial muito interessante, a partir do qual lembrei episódio semelhante, que tive oportunidade de conhecer há coisa de dez anos ou mais. É aquele comercial em que aparece um grupo de jovens em casa, ao que parece, em preparativos para sair, quando chega uma moça bonita e bem parecida e após tocar a campainha, faz uma pergunta que não recordo a um dos ocupantes da moradia, sob a justificativa de que era novata no prédio. Ele cuida em responder, explicando de logo que os amigos estão de saída, obviamente com olho na mulher e fantasiando futuros imediatos. Qual não foi a sua surpresa, quando a mulher lhe indaga se ele não pode tomar conta de seu cãozinho? É uma decepção que vive o rapaz, tão interessado como estava na figura feminina presente à sua porta.
Pois é, no caso que eu soube, contado por gente de toda confiança, o homem estava hospedado em hotel de muitas estrelas nas ruas de Paris e sabia que a mulher de seus sonhos, em tudo barroca, bonita e bem feita, também estava na cidade das luzes e das cores. Andava num pé e noutro no quarto que ocupava, imaginando uma artimanha qualquer que lhe fizesse ligar para a penitente bem parecida de seus sonhos matinais. Para sua surpresa também toca o telefone em seus aposentos e ele sem esperar ligação alguma de ninguém, levanta o fone e atende à chamada. Era ela, a musa de todos os seus desejos, que pedia para que ele a procurasse na recepção do hotel. Com todo gosto, respondeu! E se preparou todo, tomou o banho que todo brasileiro gosta e vestiu a melhor roupa, sem falar que acionou o spray de perfume que trouxera do Recife. No hall do hotel recebeu aquela mulher maravilhosa, com quem gastava seus devaneios. E a pergunta, feita por ela, não tardou: “Você poderia levar para o Brasil duas malas que excederam o peso autorizado?”. "Ah! Quase diz." Mas, ainda com água na boca, embora perplexo, disse: “Posso!”. E a nada mais respondeu, porque também ninguém lhe perguntou mais nada.
Como não devo publicar uma crônica tão pequena, decido acrescentar mais uma história, em tudo muito pitoresca, só para preencher o espaço de que disponho. É que eu era Diretor do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Pernambuco e tinha o meu Gabinete sempre visitado por várias pessoas, com frequência era procurado por médicos. Certo dia chega um desses profissionais e se dirige à Secretária, desejoso de falar comigo. A moça, então, toma nota do nome: “Deus”. Era, certamente, João de Deus ou outra forma de grafar o nome do Criador, mas quis se apresentar somente com o segundo prenome e entrando no Gabinete ela anunciou: "Deus está ai!". Eu ainda tive tempo de me assustar e indaguei: "Deus?". E complementei já refeiro: "Sendo Deus tem prioridade e pode entrar!". E assim foi e Deus entrou e tudo se passou como imaginei.
(*) A crônica é um relato conciso de um caso do presente que resgatou outro, do pretérito das coisas. O texto tem sido sempre reproduzido no jornal virtual A Besta Fubana, de responsabilidade do Papa Berto I e de sua Papisa. O leitor pode comentar no espaço mesmo do Blog ou para os e-mails: pereira@elogica.com.br e pereira.gj@gmail.com