sexta-feira, 4 de maio de 2012

Reflexões do antes de uma viagem

Hoje é sexta-feira, dia 4 de maio e eu estou me preparando para viajar no dia de amanhã, ai pelas 22 horas, ao Leste Europeu. Uma verdadeira reciclagem cultural por esses países que foram comunistas no passado, pelo menos alguns, mas que saíram do regime totalitário e ainda guardam tradições de um ontem que antecedeu os tempos da ideologia hoje superada, a não ser por Cuba e pela China, Coréia do Norte também, que continuam arraigados ao totalitarismo. Outros não, como a Holanda, que não viu a dureza das botas. Isso tem me levado a algumas reflexões; algumas que são apenas das lembranças, mas outras não, giram em torno de certos valores, sobretudo os de caráter político.

Recordações eu as tenho da viagem de Andrade Lima Filho à Rússia e a boina que trouxe para meu pai em seu retorno. Uma boina vermelha, aveludada, pequena, como se os russos tivessem sempre as cabeças minúsculas. Não precisa dizer que o meu pai não quis usar o adereço e não havia mesmo frio pra isso. Eu me apossei do objeto, andando, acima e abaixo, com aquela cobertura vermelha e algo bordada. Os meus amigos de infância, admirados com aquilo, indagavam de onde viera e à resposta ficavam perplexos. Acho que Andrade Lima Filho amargou prisão por aqui, detido pela ditadura militar. Mas, nunca perdeu o bom humor, nem doente, vitima de um câncer. Me dizia: “Estou com um caranguejo na barriga!”. E gargalhava!

Mas soube de uma figura proeminente na ciência brasileira, convidada a visitar a União Soviética, recebeu a recomendação explicita de não sair à noite. Foi o mesmo que dizer: "Á noite o senhor pode sair à vontade!". E o homem, que não regulava bem do juizo, em que pese a inteligência, largou-se a passear na fria noite de Moscou. Foi à Praça Vermelha. Um agente acompanhava tudo e pela manhã, já no outro dia, perguntaram-lhe: "O que foi fazer à noite?". E ele, como se não tivesse feito nada diferente: "Fui apenas passear!". E o deportaram de volta, sem delongas.

Mas, sobre quem foi preso e quem não foi: afinal se soube de Fernando Santa Cruz. Era filho de um homem santo, Lincoln Santa Cruz Oliveira, médico, meu primeiro chefe no Centro de Saúde Gouveia de Barros. Ora, um policial aposentado, transformado em pastor evangélico, arrependido (Será?), resolveu dizer tudo. Queimaram o homem num forno de uma usina. Uma coisa horrorosa! Bárbara! Tudo para que não ficasse pedra sobre pedra. E aquele pai, meu padrinho de casamento, nunca tirou esse filho da cabeça. A mãe ainda mais, viveu para saber desse destino cruel. Essa gente nova, idealista, desejando dias melhores para todos, tantas vezes paga assim, com a vida, porque do outro lado há tresloucados que não se contentam em vencer a refrega. Têm que matar e matar!

O interessante – nisso vai a segunda reflexão – é que nem sempre os lados são conservados como tal. Lembro de um colega de faculdade, da esquerda festiva ao tempo, que ao terminar o curso foi engajado na vida militar e virou a casaca completamente. Outro, amigo de rua, nomeado para a previdência da época, com o barulho nas ruas adotou uma posição completamente diferente da anterior, virou para a direita e continuou trabalhando. Já morreu, coitado, vítima do vício que inebria o espírito e maltrata o corpo. Já vi gente tocar ao piano uma toada de certo político e depois ter o dissabor – ou a satisfação – de vê-lo em partido contrário, com ideologia completamente diversa. Por essas e por outras eu não tenho vinculação partidária alguma. Tudo o que fiz foi por mérito meu, galgando os degraus da universidade sem que por mim ninguém pedisse. E hoje sou Professor Emérito. Valeu!

(*) - Um texto que ofereço à família Santa Cruz Oliveira, maltratada tantas vezes. Que Deus do céu olhe pra eles e os abençoe, dando-lhes a paz de tanto necessitam. Que o nosso Lincoln fique em paz na enormidade das brumas celestiais, em companhia de seu filho Fernando. Que a mãe, também, minha madrinha de casamento, tenha a almejada paz. O texto é transmitido, também, pelo jornal virtural A Besta Fubana.