quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Peripécias de um Tio

Tive um tio que era de uma irreverência a toda prova. Acostumado a passar trotes nos outros e a simular situações inusitadas. Habituado, também, a se impacientar por qualquer motivo ou a se irritar pela menor que fosse a questão. Trazia esses traços de outros parentes, de um irmão mais velho ou de certo primo, com o apelido de Pilon, ninguém sabe ao certo por quê. Pois foi Pilon que junto com outro primo carregou aquele meu tio, tido e havido na hora como paralítico, para tomar o bonde. Foi uma operação demorada essa, a de tirar o penitente da calçada, levando-o ao banco do veículo elétrico. Quando se aproximaram do assento no qual deveria ficar, imagine o leitor que o deficiente saiu correndo. Um horror! Quase dão nele dentro do coletivo, só não o fizeram pela interveniência do motorneiro ou do cobrador.

Quando eu era menino, tratava os dentes com ele e numa ocasião qualquer das muitas em que fui a seu consultório, saí de lá com uma receita de benzetacil, uma penicilina de depósito que doía mais que qualquer outra coisa neste mundo de Deus. Eu não sabia muito bem onde tomar, se no braço ou na região glútea. Penso que tinha pudor de mostrar as nádegas para uma mulher e decidi ligar pra ele. Não precisa dizer que me arrependi na mesma hora, pois que à indagação de onde tomaria o produto, a resposta foi ríspida e pesada: “Tome na bunda!”. Desliguei o telefone meio cabreiro e fui procurar a senhora, que sendo uma profissional prática, era tratada por enfermeira. Não reclamei por motivos óbvios. Quando retornei à consulta, pedi a benção, como se fazia à época e a resposta foi essa: “Deus te cubra com lençol de pulga.”. Mas, costumava também dizer: “Deus te abençoe cabeça de boi.”.

Em certa ocasião, tomava uma cerveja no bar da esquina, lá na rua Real da Torre e um frequentador de ocasião chegou com um violão debaixo do braço, sentou-se e abriu a boca a cantar. Era desafinado e desalinhado. Teria feito melhor se ficasse em casa e fosse matriculado em curso de seu instrumento musical. Meu tio não se conteve e virando-se para o seu vizinho de mesa, disse: “O senhor quer vender o violão?”. Ao que respondeu o desconhecido: “Não senhor! Não vendo! É para meu uso!”. Meu tio insistiu, alegando que gostara do que vira e fazia questão absoluta de adquirir, desse preço, então. O pobre do homem, já meio desconfiado com a conversa, deu preço, ultrapassando qualquer expectativa de mercado. O tio meteu a mão no bolso – andava sempre com muito dinheiro – tirou as suas cédulas, todas bem colecionadas, fazendo o pagamento. Ficou o dito pelo não dito e a cerveja foi tomada em paz!

De outra feita, chegou em Cabedelo, onde já estávamos – eu e a família – tarde da noite, com o seu maverik aprumado. Desceu e entregou um pacote de agulhas brancas e mais carne de siri pronta para o fogo. Era uma farra que vinha preparada! O dono da casa, meu tio afim, não se conteve e indagou de pronto: “Você chegou e eu vou dormir aonde?”. Perguntava isso porque a moradia estava quase completa. Casa de praia, como sabe o leitor, chega gente de todo tipo e a toda hora, come o que leva e dorme no lugar que se manda, na sala ou no corredor. Mas o irreverente tio deixou no ar a resposta irônica e até certo ponto rude: “Vá dormir no forte!”. Ora, o forte era quase dentro d’água e àquela hora não havia como chegar lá. De mais a mais, forte não é lugar para se dormir.

Quando noutro momento o maverik quebrou no viaduto da Cidade Universitária, tarde da noite, chovendo torrecialmente, um atencioso senhor parou o carro e perguntou: “O que faz ai?”. E ele: “É porque eu gosto muito de ficar à noite olhando o céu, sob chuva forte, em cima do viaduto!”. O interlocutor engatou marcha e partiu, não gostou do que ouviu. Quando morreu o seu irmão mais velho, um dos filhos chorando expressou que não tendo mais pai, restava-lhe o tio a lhe fazer companhia e ele, sem perder a oportunidade, rebateu: "Aviso que não estou lá essas coisas todas não!".


Eis ai as peripécias de um tio.


(*) Ofereço a crônica aos meus tios, todos já encantados no infinito das coisas, mas companheiros em minhas aventuras infantis. Comente, se desejar, neste espaço do Blog ou para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com Se não quiser, também não comente. Mas, pelo menos leia.