As minhas saudades habitam, agora, os longos e silentes corredores do imaginário, por onde parecem vagar os fantasmas azuis das lembranças, em molduras de fumaça, evanescências do ontem. Caminhos dos meus pretéritos. Cenas dos meus outroras aflorando em fantasias ou cenários daqueles antanhos, transformados em devaneios. Atores cumprindo o desiderato do tempo, gente que foi gente e gente que não é mais gente. Parentes sentados no alpendre de casa, em pesadas cadeiras de maciça madeira, a fiarem conversa na boquinha da noite, depois da suculenta ceia. Da tapioca molhada e do café com bolachas americanas, quebradas e sobrenadantes. Rodas de manteiga a flutuarem no negro conteúdo da xícara, sem inibir vontades e sem impedir desejos de paladares assim. Ou colegas que foram companheiros da rua, no lúdico dos dias e no palavreado das noites, que partilharam das emoções primeiras, de amores nos inícios e de paixões rompidas. Ouviram segredos contados aos ouvidos, cochichados, pois!
Há sonhos que chegam assim, como esses, do meu hoje, em noite de insônia e há outros que esperam a hora dos anjos, o angelical momento do inteiramente onírico, para o retorno nos anos. Promovem, então, os milagres todos, fazem renascer os que já se foram e não viram um futuro que virou presente e já é passado. Dão a cada qual a face que se deseja pudessem ter, se vivos estivessem e se sentados por cá ficassem olhando o écran do computador, assistindo a emergência da criação ou a metamorfose do texto, do pensamento se materializando em letras e vocábulos, tomando a forma de frases e de períodos, vírgulas e ponto final. Vestidos à moda daqueles pretéritos falam do experimentado neste maravilhoso banquete da existência terrena. Pedem ou não pedem orações e invocações, sem deixar que as evocações se percam na largueza do éter. Fisionomias reparadas, cabelos repostos e rugas vencidas! Depois se vão, encantam-se outra vez!
A avó de longos cabelos, metade preto e metade branco, acompanhada da irmã, a tia velha para os sobrinhos-netos, reaproxima-se da vida e pede o colírio de seus hábitos. Tinha na vista as doenças de todos os velhos, a catarata e o glaucoma, faz o neto pingar-lhe as gotas e manda ver a injeção escondida sobre o guarda-roupa antigo, pesadão e preto, como se o luto da viuvez lhe fizesse assim, densa e tensa. Ampolas importadas da Suíça, de uma certa doutora Aslan, cujo milagre seria o da juventude recuperada ou a da mancha desgraçada da idade apagada para todo o sempre. De nada serviram caixas e mais caixas, aplicadas nos músculos de ambos os braços pelo farmacêutico da esquina, Belmiro de prenome.
O pai morto, inerte, no salão nobre e pomposo, se alevanta do esquife, abre os olhos do descanso derradeiro e não se diz cansado! Conta, afinal, o que teria a falar com o filho primogênito, no encontro que marcara para a tarde daquele dia dos horrores. Nada mais pôde verbalizar! Eis o verdadeiro desencontro! O que seria, então? Uma observação qualquer sobre o estilo da crônica ou do artigo? Uma ponderação a propósito de um porvir desconhecido? Indagações filosóficas a respeito do infinito das coisas ou da dimensão do eterno? Fez isso até o ultimo momento, sublinhando proposições bíblicas sobre a morte em seu Missal. Impossível saber! Dúvida atroz que sacode o espírito e faz da alma uma grande interrogação! Burburinho de idéias que de nada servem! Ninguém sabe, ninguém escutou, ninguém ouviu! Quem sabia se foi! E fez diferente do que fazia! Não mandou notícias!
Eis o bau de minhas saudades!
(*) Um texto saudoso; saudades dos que se foram e não deram mais notícias. Saudades do meu ontem das cenas e dos cenários; saudades dos personagens que encarnavam gente. Gente que foi gente e gente que não é mais gente. Deseejando o leitor comentar, não hesite, use o espaço do Blog ou envie pelos e-mails: pereira.gj@gmail.com ou pereira@elogica.com.br