Era
assim! As emissoras de rádio tocavam músicas clássicas, de preferência aquelas
de cunho fúnebre. Os cinemas passavam películas sobre a vida do Cristo, a
Paixão de Cristo uma dessas. Em casa a recomendação era a de não cantar e não assoviar.
Numa oportunidade, olhando para uma estampa de Jesus, que havia no quarto dos
livros, notei que Ele estava me repreendendo, porque eu tinha assoviado. A minha
avó paterna, particularmente, vestia-se de preto, em sinal de luto fechado,
pela morte que aconteceria na sexta-feira. Ou que já tinha acontecido, no caso de
ser sábado ou domingo. Numa certa ocasião, uma empregada doméstica estava de
calcinha e sutiã no quarto e eu passei. Juro que não olhei! Que não a vi assim,
em trajes íntimos. Nessa rigidez toda vivi muitas de minhas semanas santas.
Quando
a sexta-feira santa escurecia, com aquele ar soturno, verdadeiramente lúgubre,
era o momento de nos reunirmos e seguirmos, quase que em procissão, para a
Matriz da Soledade. Ali o Cristo estava, simbolicamente, morto, entregue à própria
sorte, envolto por um pano branco. Um por um beijávamos a fronte do morto e rezávamos.
Um gesto de uma falta de higiene a toda prova, mas fazíamos. No sábado os
clubes e as gafieiras se preparavam para o arrasta-pé da aleluia, mas o meu pai
não deixava. Uma vez, insisti tanto, que ele capitulou e eu me danei para o
Sindicato dos Tecelões. O diabo é que estavam lá as empregadas todas de minha
casa. E bastou enlaçar Josefa, para o fiscal de salão repreender: “Se não dançar
direito, vai pra fora!”. E não adiantava reclamar!
Ai
pelo ano de 1957, eu com 13 anos de idade, resolvi fazer um retiro fechado em Beberibe.
Era um tempo de recolhimento, de orações, muito apropriadamente realizado numa
Semana Santa. Eu estava contrito, meditando e rezando segundo os costumes. De terço
numa mão e missal em outra. Mas, chegou um momento em que o padre que dirigia o
retiro comunicou a necessidade de irmos a uma igreja. Íamos, explicou, assistir
Missa, porque havia uma restrição para a celebração na casa em que estávamos.
Já não lembro bem do lugar, mas descemos uma ladeira grande e no sentido contrário
vinham umas moças e uma delas verbalizou, dirigindo-se a mim: “Isso é que é um
padre bonito!”. Confesso ao leitor que aquilo me tocou fundo, mexeu com a minha
autoestima e eu que deveria sair dali para o seminário, desisti no ato. O diabo
é quem vai, pensei!
Voltei
pra casa, descarreguei a mala azul de lona, conversei com meu pai e ele foi
extremamente lúcido: “Você é muito novo para entrar no seminário! Espere um
pouco, se a vocação persistir, você vai no próximo ano!”. Foi o conselho mais
sábio que ouvi. No próximo ano eu já estava integrado ao pecado o mais que
podia. O danado é que só se considerava pecado o sexo: pensamentos, palavras e
obras. E eu pecava nas três dimensões. Era mais afeito aos pensamentos. Uma
coisa horrível!