sexta-feira, 19 de março de 2010

A Loura do Banheiro

Há umas histórias que, francamente, o diabo duvida de costas, sobretudo aquelas envolvendo defuntos, de uma forma ou de outra. Havia no Recife dos anos 60 um intelectual exótico, pessoa de uma cultura indiscutível, mas diferente no cotidiano das coisas. Basta dizer que numa das festas que promoveu, recomendou aos homens que comparecessem de saias, à semelhança dos escoceses, cujos trajes, mesmos os masculinos, são, por vezes, próximos àqueles dos hábitos femininos. Pois numa dessas ocasiões, com um número grande de convidados em casa e a antiga vitrola tocando um bolero meloso, um amigo – amigo da onça – resolveu estacionar um carro fúnebre branco, destinado às virgens, diante da residência, o que deu a impressão, mais do que nítida, de uma morte estabelecida e de um enterro se organizando. E não foram poucas as figuras da sociedade que entraram em casa para cumprimentar a família. Mas, no carro estava fixada uma placa: "Vende-se por falta de uso".
Contaram-me, também, que nas proximidades da rua Fidélis Moliterno, no Prado, morreu um bêbado contumaz, desses que se integram á paisagem do bairro e passam a fazer parte do dia a dia das ruas. Os companheiros se organizaram e foram ao velório da criatura, valendo o esclarecimento de que estavam todos, sem uma única exceção, bêbados. Quando chegaram à sala, na qual o caixão vinha sendo velado, abriram num pranto que até assustou a família, tal a algazarra e tal o sentimento de cada um. Nisso, um deles abraçou-se ao extinto e o fez tão acaloradamente que caiu com o defunto, o caixão e os castiçais todos do conjunto mortuário. O caixão, não precisava dizer, abriu-se em muitas tábuas, o fogo quase consome os babados que pendiam daquela armação de madeira – o célebre pijama de madeira -, enquanto as flores se derramaram pelo chão. Um horror! Precisaram comprar outra urna e assim providenciar o sepultamento, com esses convidados postos no olho da rua.
Certa vez, os funcionários de uma casa funerária, que de hábito param em certo fiteiro para comprar cigarros, fósforos e balas, para um deforete ou outro no meio da noite, contaram o que agora se segue. É que foram levar uma urna em determinada casa, encontraram o morto deitado na cama e trataram de vesti-lo e afinal prepará-lo para a derradeira morada. Com o passar do tempo, notaram que o caixão não comportaria o homem, cuja compleição física ultrapassava as expectativas ou as informações passadas na loja. De mais a mais, o extinto tinha uma perna torta. Pediram licença aos familiares e trancaram a porta. Iniciaram, então, um esforço quase hercúleo para a acomodação do penitente falecido ao lugar de seu derradeiro sono. Como não havia jeito, passaram a dar pancadas fortes, contanto que introduzissem o corpo e quebrassem a perna. Sem isso, não havia como seguir com o funeral. Os parentes, então, ouvindo a barulhada no quarto, não hesitaram e quebraram a porta, entraram e quebraram, também, os dois funcionários no pau.
No Recife, cidade de muitas histórias, o cemitério local está superlotado e quase não há vagas para mais um préstito. Disso aproveita-se um determinado cidadão e inventando ser padre, se oferece para a encomendação do corpo. Coisa de poucos reais para o sustento de sua igreja, paupérrima como diz ser. A gente simples do lugar, reúne as economias e autoriza o falso sacerdote à oração. O cura de ocasião aproveita, de logo, para receber o pagamento, que chama de óbolo, nome bonito e apreciado pelos familiares. Ele não pede pagamento, disse um deles, pede o óbolo. É lindo, complementou!
Corre à boca pequena que no Colégio Nóbrega, no banheiro feminino, uma loura aparece vez ou outra e assombra a mulherada. Há quem tenha visto e há quem tenha medo somente. A verdade é que mocinha correndo assombrada nunca foi novidade nos corredores da escola. Dizem que tem o cabelo solto, tão doirado quanto a cor do mais puro ouro. Outras já disseram que a viram de touca, em preparativos para a festa de logo mais à noite. Chama-se, ao que parece, Cremilda! Eis a loura do banheiro!
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