terça-feira, 14 de julho de 2009

Subcarimbador Geral

Depois de formado fui fazer um curso em São Paulo. Viajei de ônibus durante quase três dias e chegando à cidade que se autodenomina a locomotiva do País, fui descansar das mazelas da estrada, mas minha mulher sugeriu o inusitado: queria passear. Gostaria de conhecer a noite, de saber do centro e de ter o contacto inicial com o burburinho de que se fala. Não estava disposto a nada disso, mas como deveria começar uma vida de muitas saídas e de muito estudo, resolvi atender e tomei o destino indicado. Desci do coletivo em pleno centro e fui andar por ali, espairecendo, como diria o caipira bem versado. Resolvemos, ao cabo de algum tempo, jantar e escolhemos o restaurante. Notamos, de logo, que não havia toalhas nas mesas e que a nossa entrada por lá causou espanto. Sentamos e pedi o cardápio. O garçom quase toma um susto, verbalizando o seu sobressalto: “Cardápio?”. Finalmente nos pôs a par do que havia e nos serviu.
Enquanto comíamos uma pizza, cujo sabor não me ocorre lembrar, notamos que havia um casal à nossa retaguarda e um homem solteiro – digo melhor sozinho – aproximou-se da mulher e a trouxe pelo braço, roubando-a do companheiro inicial. Reação não houve e um novo casal se formou. Ao nosso lado duas moças se abraçavam e vez ou outra ensaiavam um beijo na face. De súbito, beijaram-se na boca, demoradamente. Fiz uma reflexão e cheguei à conclusão óbvia: estávamos na zona do baixo meretrício. Ora, se percorremos parte da Av. São João e tomamos a direção de uma rua transversal, estávamos em plena zona mesmo. Recomendei à patroa que não olhasse em volta, que não se virasse e que se abstivesse de qualquer comentário, afinal sentamos em plena área conflagrada. No dia seguinte, contando a história no pensionato, a família ficou perplexa e o almoço serviu para os comentários dos riscos que passamos. De toda forma, como disse depois do guarda sanitário: “Boi em terra alheia até as vacas lhe dão!”
Eu ia todos os dias às aulas, saia muito cedo de casa – uma república na Teodoro Sampaio –, subia o quarteirão e antes do cemitério tinha acesso à Faculdade de Medicina. Sentava e participava da programação toda. Sucede que nesses momentos em tudo didáticos e pedagógicos, os professores e os colegas não dispensavam a gozação, pois me tratavam, de hábito, por baiano. Em certa tarde, depois de ter sido apresentado um caso clínico de Febre Amarela, cujo diagnóstico eu não daria de forma alguma, porque da doença só sabia da cor, o nobre e ilustre professor disse: “Baiano! A sua opinião?”. Respondi de pronto: “Prezado! Eu sou pernambucano!”. E o penitente ainda teve coragem de dizer que tanto fazia Pernambuco como Bahia. Homem tenha paciência, quase digo. Era esse teitei o tempo todo!
A convivência com os colegas, porém, era ótima. Havia um grupo grande de brasileiros e alguns – não lembro quantos – estrangeiros. Um desses, em jantar de despedida que nos foi oferecido, já não sei mais nem por quem, aproximou-se de mim e indagou o que fazia no Recife, se atendia em hospital ou se trabalhava em saúde pública. Esclareci que atuava nas duas frentes de trabalho e o meu interlocutor de ocasião verbalizou: “Noto que é importante na cidade! Que cargo ocupa?”. Não tive dúvidas e inventei um lugar para mim em Pernambuco: “Eu sou subcarimbador interino ad hoc, no exercício da carimbadoria geral!”. Ele, então, entusiasmou-se e disse que sendo da Organização Mundial de Saúde (OMS), gostaria de marcar um encontro comigo em Genebra, para o final do ano. Estávamos em abril. Ora, meu caro amigo e colega da pós-graduação, respondi delicadamente, estou habituado a marcar encontro na frente da igreja de Santo Antônio, na praia do Pina, nas areias de Boa Viagem, em Santo Amaro, mas em Genebra, francamente, não dá. Não sei nem onde é direito. Ele queria me contratar para a Organização, para trabalhar na Ásia, pras bandas do Vietnam ou nas proximidades da guerra. Seria um emprego pra valer, no qual além do bom salário e do passaporte de diplomata, teria direito a voltar ao Brasil uma vez por ano, com a promessa inclusive de um salário adicional para a patroa. Ela queria de todo jeito ir, mas eu, com os meus temores, preferi ficar no Brasil, encafurnado no Recife. E assim foi! Nunca mais vi o meu quase anfitrião na OMS.
(*) - Vou encerrar por aqui as minhas crônicas pitorescas. A partir da próxima hei de tratar de outros assuntos, de outros temas. Noto que o leitor saturou-se com o lado pitoresco de minha vida e pouco escreve, pouco comenta. De mais a mais, o repertório vai se exaurindo e é tempo de mudar para novas crônicas e novos temas.Vou arrumar os trapos, reunir os farrapos e juntar tudo em livro, até o final do ano. Desejando comentar, não hesite, use o espaço mesmo do Blog ou escreva para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com O autor aperciaria se a decisão fosse discutida e se a temática nova fosse sugerida.