sexta-feira, 27 de março de 2009

Estórias de Fernando de Noronha – A Alamôa de Ferreyra dos Santos

Napoleão Barroso Braga, em Prefácio com o qual apresenta o livro de Maria José Borges Lins – Marieta Borges –, intitulado Fernando de Noronha – Lendas e Fatos Pitorescos –, defende que o privilégio de inventar as coisas é uma virtude do homem, exclusivamente, haja vista os animais dependerem sempre do instinto, nada mais. Inventar no sentido de fantasiar, de criar lendas e fábulas, superstições e ficções em geral. E cita o poeta César Leal, o qual reconhecendo os avanços todos da química e da física, assim como da biologia molecular, insiste que nada disso é capaz de apagar a capacidade fabuladora do homem. E é o mesmo Napoleão Barroso quem comenta o capítulo do livro sobre a Alamôa, comparando-a, como faz a autora, aliás, com a saga germânica de Lorelay, a sereia do Reno, mas também com a nossa Iara e ainda com a deusa africana Yemajá, tão venerada pelos que descendem dos negros escravos.
Marieta Borges diz que em Fernando de Noronha, tempos atrás, vivia num grande castelo uma rainha branca e loura, de beleza estonteante. Mas um dia, depois que as caravelas começaram a singrar os mares e a ultrapassarem a linha do Equador, chegou o fim da linda mulher. O castelo transformou-se no majestoso Pico e o que mais havia de belo e fantástico sofreu a metamorfose mágica do basalto e dos rochedos. E a alma da mulher vaga pela Ilha nas noites de sexta-feira, seduzindo os homens, atraindo-os para a morada de agora, o já aludido morro do Pico. Uma fenda que se abre na elevação montanhosa engole a gente seduzida pelos encantos da loura. Há quem diga que a estória vem dos tempos dos holandeses ou dos franceses. Mas, a aproximação maior parece ser, mesmo, como dantes comentado, com a sereia do Reno – a Lorelay –, a ninfa das águas, que atrai os barqueiros com as suas cantigas cheias de sortilégios, de bruxarias.
Luiz da Câmara Cascudo também trata da Alamôa, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, chamando-a de duende feminino da ilha de Fernando de Noronha, residente no Pico, uma elevação rochosa de mil pés de altura, inteiramente inacessível. Seduz os passantes, caminhantes ou pescadores, sobretudo os noturnos retardatários e de súbito assume a inusitada condição de uma caveira, de um esqueleto, assustando o homem interessado nela, em seu corpo desnudo, coberto por uma cabeleira que se alonga quase ao chão. Diz Cascudo, literalmente: “O níveo corpo é mal coberto pela coma loura que vai quase ao chão.”. O autor cita Mário Melo, que tem uma outra versão para a lenda, quando alude ao fato de que a branca mulher guarda um tesouro e atrai os incautos voltados para a riqueza que o metal produz. Câmara Cascudo, porém, nega qualquer origem holandesa para a fada noronhense e diz que se trata de um processo comum de convergência dos mitos ígneos, isto é, daqueles que estão ligados ao fogo, às luzes, aos fachos, aos fogos-fátuos.
Pereira da Costa, em Folk-Lore Pernambucano, ocupa-se, de igual forma, da Alamôa, mesmo que de forma mais resumida. Refere-se a Gustavo Adolpho, que enfeixou em livro – Risos e Lágrimas – as três lendas de Fernando de Noronha: A Luz do Pico, A Alamôa e O Cajueiro da Cigana. Lendas que o autor ouviu de presidiários “nos seus serões de degredo”. No século XX, porém, Ferreyra dos Santos escreveu um poema sobre a mítica figura, dando ao caso uma conotação amorosa, diferente das observações anteriores. Para o médico escritor, fundador, também, da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, da qual foi Presidente, tudo não passava de um crime passional, de um homem que matara uma mulher linda, tomado pelos ciúmes. Mulher cuja alma passou a vagar pela ilha nas noites de sexta-feira. Coberta com seus cabelos louros e desnuda – completamente desnuda – corria pela ilha nas noites de sexta-feira, atentando a cabeça de um prisioneiro, seu algoz. E diz assim: “...Loura Donzela/Alamôa, Alamôa/Sai dos olhos do pobre pecador/Tu que és mulher/Tem pena do homem/Que o crime dele/É crime de amor....”.
Há muitas lendas em Fernando de Noronha, como pode ser notado a partir da leitura do livro de Marieta Borges – Fernando de Noronha – Lendas e Fatos Pitorescos –, uma dessas, a Luz do Pico, confunde-se com a da Alamôa e os ilhéus as consideram como única. Dizem no lugar que os antigos prisioneiros, quando em rondas pelas praias, encontravam nas imediações do Pico uma francesa que guardava um grande tesouro de ouro. E na cobiça que o precioso metal desperta, alguns foram vítimas da mulher fantástica. Mas, a maioria fugia às carreiras. Menos um que sendo jovem, passou por lá, faminto e errante, desesperado e chorando. Com esse foi diferente, a francesa apiedou-se dele e lhe presenteou o tesouro e o enriquecendo o passante. Tesouros e botijas encantaram e por certo ainda encantam toda gente, sobretudo no interior do Nordeste. O Cajueiro da Cigana, que Gustavo Adolpho cantou em versos, é assim, um tesouro solidamente enterrado: “Não se sabe o que julgar/Dessa estranha aparição/Mas, afirmam que, um caixão/Se se cavar hão de achar/Que é férreo cofre, um tesouro/Que contém da Holanda o ouro....”. De toda maneira, confunde-se também com a Luz do Pico, haja vista a existência do tesouro em ambas.
Essas lendas todas, e as outras mais, reconhecem origens européias, mas também nasceram das superstições e crenças dos índios ou dos escravos. As lendas são, na verdade, roupagens que os mitos assumem; roupagens diversificadas conforme o lugar e segundo as tradições ou de acordo com as heranças.
(*) - Um texto que já estava escrito e que vai publicado para não deixar de atualizar o Blog - peguei essa mania agora -, pois que continuo desajuizado. Minha mãe doente, meu cunhado também e recentemente perdi um primo: Oswaldo da Câmara Pimentel (Vadeco). Fosse vivo o meu pai, diria assim: "É muito tem-tem!" Mas, o Blog é importante em minha vida, razão para agradecer aos que desejarem comentar, neste espaço mesmo ou para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira@gmail.com

segunda-feira, 16 de março de 2009

Desencontro Eletrônico

Eu vou trocar os nomes dos meus protagonistas de hoje, porque seguro morreu de velho, diz minha mãe. Um desses, amigo meu, quase um filho por adoção secundária, com a permissão do pai, vou nomeá-lo como Jonas e a penitente que aparece como personagem, também, nunca secundária, porque objeto de um e-mail endereçado de forma errada, fica considerada aqui, pra todos os efeitos, como sendo Jane. Note o leitor a coincidência das iniciais (“J”), como forma de justificar o meu engano quando escrevi a mensagem da qual hei de me ocupar. O lugar em que morava – Talvez ainda more! – de língua portuguesa, vai trocado, de igual forma, pois a figurante é casada e o marido é brabo, ao que parece. Reside em Timor Leste.
Sucede que o nosso Jonas fazia uma pós-graduação em Londres e se mantinha em contacto permanente comigo. Não sei porque cargas d’água o seu endereço eletrônico eras empre digitado por mim, quando poderia contar com esses dados na lista de destinatários. Escrevi, então, um e-mail no qual abordava a questão da AIDS no Brasil e em Pernambuco, me estendia em considerações epidemiológicas e tratava dos métodos que iam aparecendo para diagnóstico. Fazia referência a um ou outro caso no Recife e sobretudo ao desfecho desses pacientes; desfecho nem sempre satisfatório. Tratava, também, dos traumas da equipe de saúde em acompanhar doentes que morriam, sempre, deixando a todos deprimidos.
Eis que recebo uma resposta estranha. Era Jane, uma portuguesa, morando em Timor Leste que recebera a minha mensagem e cuidara em contestar com frases ambíguas, ora atenciosas e ora rudes. Mais ou menos assim: “Sou portuguesa e resido em Timor Leste. Não tenho nada a ver com AIDS; aliás, não gosto de AIDS e não me interessam os doentes ou os médicos brasileiros! Não posso compreender as razões de sua correspondência virtual.”. Respondi com a atenção habitual dos erros nacionais, assim: “Lamento a falha! A máquina não erra, o homem se engana! Troquei uma letra no endereçamento. Mas, de toda forma, sou brasileiro, resido no Recife, Nordeste do País, na cidade do Recife, da qual aproveito e mando algumas fotos.”.
Fui delicado e considerei o assunto encerrado, mas, qual nada,como dizia uma tia minha, novo e-mail chegou assinado por Jane: “É! Gostei de sua resposta! Escreva-me! Fale-me de sua cidade e de sua família!”. Me animei e outra mensagem foi encaminhada. Dessa vez fazendo alusão a uma exposição na Universidade de objetos de arte do Timor Leste, cujo material descrevia em detalhes. Como tinha assinado um convênio com o País, tratei do tema, em particular, e cuidei em enviar mais algumas tomadas do Recife. Uma dessas fotografias, ao que me lembro, levava o Galo da Madrugada rompendo as ruas da metrópole e na ponte a figura do galináceo imponente, admirando o cortejo e comandando a folia.
Mandei todo o material para o Timor e quando recebi a resposta, a decepção presidiu o sentimento. Jane disse: “Sou uma advogada portuguesa, casada, com três filhos. Moro no Timor Leste. Não me escreva mais!”. Puxa vida! Será que o marido viu a correspondência e proibiu os e-mails? É bem capaz! E nada mais se passou entre o Recife e o Timor!

Eis o desencontro eletrônico!
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quarta-feira, 11 de março de 2009

A Emparedada da Rua Nova – Verdade ou Ficção?

Quase todos os recifenses que estão na sexta década de vida ou que já passaram, ouviram falar no caso, na Emparedada de Rua Nova, senão como um romance escrito pelo fundador da Academia Pernambucana de Letras, Carneiro Vilela, mas como um acontecimento trágico, o qual, por certo, marcara a vida da cidade no século XIX. A minha mãe fazia menção ao caso e mesmo sem conhecer os detalhes da obra, contava sempre o drama do centro do Recife. Lucilo Varejão Filho, autor do Prefácio à 4ª edição, comenta, também, que ouvira o relato pela boca de uma velha senhora, sem aptidões intelectuais, mas de qualidades domésticas indiscutíveis, responsável pelas histórias que ouvira na adolescência de seus anos, com as quais tanto se encantara.
O autor publicou sua obra em folhetins que circulavam nos jornais da época, começando em 1871, com Noivados Originais, em periódico que ajudara a fundar: América Ilustrada. A Emparedada saiu entre agosto de 1909 e janeiro de 1912. Por isso, pelo longo período de divulgação no Jornal Pequeno, onde foi acolhido, talvez pelo suspense do enredo, tornou-se tão volumoso, com 477 páginas. Mas, é um texto de uma bem tramada arquitetura literária, construído por quem tinha a capacidade de um escritor de histórias policiais, como alude Varejão. É, de igual forma, uma descrição dos cenários do velho Recife e das cenas de então, as do comércio e, sobretudo, aquelas do inteiramente doméstico. Um retrato bem escrito dos convívios e das convivências em tempos assim, tão distantes então.
O desenrolar dos acontecimentos era a Capital pernambucana, nos idos de 1861, quando os negócios giravam em torno das ruas centrais, onde, aliás, ainda hoje está a velhíssima rua Nova, para usar, ainda, a expressão de Lucilo Varejão. Estabelecimentos comerciais, que abrigavam no andar superior o lar de seu proprietário e de sua família, quando não de algum caixeiro mais chegado. No caso de Jaime Favais, o seu sobrinho, português como ele, João Favais, logo nomeado primeiro caixeiro, assistia por lá, no pavimento térreo, longe da parentela. Um Recife pequeno, mas de distâncias enormes; distâncias que encurtaram com o passar dos anos, com o crescimento urbano e especialmente com o desenvolvimento dos transportes. Circulava-se à cavalo ou em carros puxados por parelhas eqüestres também.
O drama tem inicio nas atividades sociais dos personagens envolvidos, gente da aristocracia, ligada aos negócios do açúcar ou envolvida com o comércio. O teatro Santa Isabel, de tantas tradições, foi o palco apropriado e pelo destino escolhido para a aproximação entre dois importantes figurantes da trama: Leando e Celeste. A descrição que o autor faz do pivô do crime – Leandro Dantas –, parece antecipar o que disse o jornalista Arthur Carvalho, em deliciosa crônica que escreveu no Jornal do Commercio, do Recife: O Homem Invisível. Era assim o falso estudante de medicina! Uma pessoa que freqüentava as rodas sociais, mas que ninguém sabia de onde viera, o que fazia e como se sustentava. Um conquistador, na acepção da palavra, capaz de atrair simpatias variadas, da mulher casada à solteira, recatadas e pudicas, todas.
O galanteador, quando estava na cidade – dizia-se baiano –, hospedava-se no Convento do Carmo. E ali recebia algumas de suas visitas, como a do marido de Celeste, Tomé Cavalcanti, o qual por um triz não viu as cartas da mulher, graças à intervenção de Jereba, um amigo fraterno de Dantas. Sobre Cavalcanti, aliás, comenta Carneiro Vilela que ele integrava uma família cujo erro político fora expulsar os holandeses de Pernambuco. Mas Celeste, mulher dos agrados de Leandro, tivera uma educação complicada. O seu pai, próspero senhor de engenho, casara aos quarenta anos com a filha mais velha de um lavrador, com quem tivera este rebento e mais dois filhos. Mas, era, como outros daqueles anos, que se arrogavam em donos da vida e da morte de seus escravos e nunca dispensavam uma negra bonita e faceira. Assim, tivera muitos bastardos e deles deu conta a esposa, criando-os como se mãe também fosse.
A questão é que Celeste, depois de vinda do colégio onde estivera interna, tornou-se cheia de caprichos, dominadora, mas querida por todos. Com o coração meigo e carinhoso pôde exercer fascínio, influência e predomínio. Fez o pai dispensar a palmatória com que castigava os escravos e mudou o trato dispensado aos negros, permitindo-os o cantar e o dançar de seus agrados. Em compensação, tornaram-se os cativos mais produtivos e o lucro aumentou. Ela, porém, transformou-se na mais namoradeira das moças do lugar, quase sem recusar um pretendente sequer.
Josefina parecia ser diferente, em que pese terem estudado no mesmo colégio e sujeitas, evidentemente, às mesmas normas e às mesmas posturas rígidas das religiosas, se bem que expostas, também, como chama atenção o autor, às insinuações maldosas dos confessores. Assim, era uma mulher das chamadas prendas domésticas, ligada ao lar e à família, sobretudo à filha Clotilde. O reencontro com Celeste teve um efeito muito forte em Josefina, transformando-a numa pessoa que de momento para outro passou a freqüentar os encontros sociais todos, veraneando no Monteiro e visitando a família Cavalcanti habitualmente. Terminou apaixonada, também, pelo Homem Invisível como se intitulou aqui, nessas linhas. E o pior de tudo, Clotilde, igualmente, caiu de amores por Dantas e dele engravidou. Jaime Favais não aceitou a traição da esposa e não admitiu a gravidez da filha. Mandou matar o amante e condenou à morte, do mesmo jeito, a filha amaldiçoada. O fato correu o Recife, de fora a fora.
Carneiro Vilela, diz que está contando a verdade. Mas Rostand Paraíso, médico e escritor, justifica que tudo não passou de um boato, nunca comprovado. E na rua Nova, verdade ou ficção, ninguém sabe, uma mulher esteve enterrada na parede.
(*) - Crônica escrita há algum tempo e assim apresentada em congresso de médicos escritores, na cidade de Fortaleza. Leia e comente neste espaço virtual ou para os e-mails pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com
(**) - Foram acrescentadas e assim trocadas algumas fotografias, depois que o jornalista e fotógrafo Marcus Prado me enviou parte de seu acervo em torno da Emparedada.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Outras Peripécias de um Tio

Prima minha, filha do protagonista da crônica “Peripécias de um Tio”, depois de ler o texto e depois de ter gostado das histórias, mandou novas passagens da vida desse homem, que vez ou outra aprontava uma. E eu, na caminhada do inteiramente pitoresco, como venho cumprindo aqui, fazendo crescer o acervo de casos vistos e agora ouvidos ou lidos, em minha vida, faço o acréscimo que me permite a hora, pensando em reunir tudo em livro e deixar gravado no papel narrativas assim, curiosas sempre. Já comecei, inclusive a confiar alguns de meus artigos publicados aqui ao artista plástico José Carlos Viana, que tem o privilégio de se esconder em Suape, a cada final de semana, e se inspirar nas ondas do mar, no nascer do sol e na placidez da lua. Com isso, cada um desses registros terá um desenho, uma ilustração, como faço aqui, neste espaço virtual, materializando o enredo numa folha de papel. Viva!

Mas, o meu tio, certa vez, como sucede com todos os mortais desse mundo de Deus, teve o pneu de seu opala dourado furado – Valha-me Deus! –, quando saía do apartamento na rua Amélia, no Recife. Um cidadão bem intencionado parou o seu veículo e veio se juntar ao penitente em apuros. Não descuidou da crítica: “O senhor sabe que os seus pneus estão todos carecas?!”. O meu tio, em sua costumeira irreverência não hesitou e respondeu de pronto: “É não, senhor, eu gosto assim! Compro os pneus novos e mando raspar até tê-los carecas, todos!”. Ora o passante não estava disposto a brincadeiras e tomou a reta, deixando lá o motorista às voltas com o seu problema numa das rodas do automóvel que hoje circula em carreatas de antiguidades.

Melhor que essa foi aquele episodio na rua da Palma, ao tempo em que se podia circular no centro da cidade e ao tempo em que os escritórios, consultórios e outros locais de trabalho ficavam por lá, naquela convergência urbana de todos ou quase todos. Ele, também, tinha consultório – era dentista – por ali, no edifício Sertã, hoje condenado a funcionar somente no Carnaval, como camarote do Galo da Madrugada. Era uma sala com visão privilegiada para o lado, onde existia um hotel, talvez um estabelecimento de duas ou de três estrelas, no qual se hospedavam, de regra, viajantes a serviço de grandes empresas. Por isso, o tio nunca descuidou de repetir as furtivas olhadelas pela janela, quando por vezes enxergava uma suplicante qualquer em roupas íntimas, senão desnuda, inteiramente. E eu, de carona, também olhava, assumindo o alumbramento de que falou o poeta Manoel Bandeira, olhando no rio Capibaribe uma banhista nuinha, nuinha. Que beleza!

Enquanto aguardava uma vaga no estacionamento da já aludida rua da Palma, teve o lugar que desejava tomado por outro ocupante. Saiu de seu carro e reclamou: “O senhor não está vendo que estou aguardando a vaga?”. E o interlocutor de ocasião teve a resposta na ponta na língua: “Saiba que eu sou almirante!”. Era o tempo da rigidez autoritária dos militares. Mesmo assim, nova resposta aflorou na boca de meu tio: “E eu sou contra almirante!”. O homem não entendeu bem a informação, derramando-se em salamaleques, querendo saber onde servia e de onde viera. O esclarecimento foi breve: “Não, meu senhor! Eu, na verdade, sou contra todos os almirantes!”. A vaia comeu no centro e o intruso ou quase intruso deu marcha a ré e retirou-se do lugar, foi estacionar noutras paragens!

Barbeiragem no trânsito era uma de suas especialidades, em que pese o tempo de carteira, 30 anos, se pouco. Pois foi numa dessas ocasiões que o motorista vizinho da forma mais rude possível, disse em alto em bom som: “Aprenda a dirigir!” E ele: “Tenho três longas décadas de carta!”. Ao que ouviu: “E ainda não aprendeu?”. Mas, conversa vai e conversa vem, terminaram tomando uma cerveja juntos no bar do Luizinho, no Mercado da Madalena, sob os olhares complacentes de seu primo Vadeco. Noutra ocasião, estando ele e seu pai, meu avô materno, foram abordados por um pedinte habitual da velha rua Real da Torre. Como eram generosos, deram uma esmola boa, ouvindo do mendigo a seguinte assertiva: “Muito obrigado! Vou pedir a Deus pelos senhores!”. A resposta saiu quase em dupla: “Homem! Não peça não! O seu cartaz com Deus está tão em baixa, que você precisou nos pedir ajuda! Melhor não envolver a gente com essa vida de esmoler.”.
E por ai vai! Ainda tem o que contar e o que dizer!
(*) O autor gosta do comentário bem urdido e fica satisfeito em saber que foi lido e que serviu à reflexão do leitor. Escreva no espaço do Blog mesmo ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com Até o final do ano, se Deus permitir, sairá o livro com essas crônicas todas e o leitor de agora poderá comparecer, prestigiando o lançamento e trazendo um exemplar para casa. Escrevi esta crônica com a cabeça desajuizada, estou com minha mãe, de 89 anos já, doente, seriamente doente, internada na UTI do Santa Joana. Peço que perdoem os meus enganos e que rezem para Dona Lila. Que o melhor para ela seja o desígnio do Criador.