sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A Proteção das Matas no Imaginário Popular do Nordeste

Antes que o meio ambiente tivesse tanta importância, o nordestino matuto tinha respeito pelos duendes da mata. Às fadas e aos mitos que protegem a flora e a fauna. Dentre esses, a Comadre Fulozinha ou Comadre Florzinha, menina de seus sete anos de idade, se pouco, de tez amorenada, cabocla como é, dona da floresta e dos bichos. Quase sempre confundida com o Caipora ou com o Curupira, que parecem ser meninos, o primeiro com os pés bem implantados e o segundo com os pés virados pra trás. Ascenso Ferreira cantou um desses personagens das lendas nordestinas numa sutileza poética: “Ali mora o pai da mata/Ali é a casa das caiporas...” Luiz da Câmara Cascudo, a quem conheci, trata o ser imaginário por Comadre Florzinha e o descreve com rara precisão. Zombeteira e Malvada, de grande cabeleira servindo-lhe de chicote. Tem olhos escuros lampejantes, diz. Transforma-se em animais até seu porte, em moça nova e em menino magro. Protege a caça dos matadores desapiedados. Gosta de mingau e de fumo. Detesta pimenta, alho e sal.
Tenho acompanhado a experiência de algumas pessoas que viram a Comadre ou mesmo gente que soube das peripécias da criatura. Zezinho, lá de Chã de Cruz, é um desses! Teve o privilégio de se deparar com um espírito diferente, porque mesmo sendo uma menina, nos seus sete anos, era alourada. Distinta, então, daquela das descrições habituais do mito das matas. Mas com os mesmo objetivos da nossa Comadre Florzinha, o de proteger os bosques. Talvez tenha visto o que Cascudo chamou de Flor–do–Mato, a Caipora–Fêmea das manifestações na Paraíba, como assinala o folclorista. Zezinho trabalhava com cavalos e viu várias vezes misteriosas tranças cuidadosamente tecidas nas crinas dos animais. A cria de uma égua velha ainda vive no lugar e faz o serviço de puxar a carroça do lixo, mas, vez ou outra, amanhece de crina entrançada. Há um outro episódio, de ouvir dizer apenas, e disso tem tanto medo, que se arrepia todo: “Um dos porteiros do Condomínio (onde trabalha), foi tirar lenha na mata. Cortou pau por pau e juntou num monturo, quando se voltou para recolher, nada encontrou, e não houve jeito de acertar o caminho de casa. Ouvia o barulho dos carros na rodagem, mas não conseguia sair da mata. Quase fica por lá!”. O pai do entrevistado, amigo da comadre, a tratava com mingau e fumo, por isso nunca teve constrangimentos. Fulozinha aceita que se mate o animal se for para a alimentação, mas renega quem o faz sem precisão.
Já Margarida Hercília ouviu falar muito na historia de Zé Miúdo – história ou estória? –, pois ele era um grande amigo da Comadre Florzinha. O personagem pertencia à família dos Sette – Zé Sette, Mané Sette, Chico Sette, etc... –, morando, como a informante, em Pedra Branca, na Paraíba. Um dos irmãos, descrente que era, deixou pimenta para a fada. A vingança veio de logo, a Comadre armou-se com um ramo de urtiga e deu uma sova nesse irmão que o fez cair da rede e despertar depois com o corpo encalombado, coberto de sangue-novo. Pior com o cavalo alazão de João Alexandre. Alimentado como era todas as noites por Fulozinha, que depois esquipava, pra lá e pra cá, na rodagem. Ninguém podia mexer com o bicho, cujo destino era o de amanhecer os dias com a crina entrançada, chovesse ou não chovesse, ventasse ou não ventasse. Uma vez, João Alexandre resolveu cortar as tranças do animal. Não prestou! Levou uma surra que ainda hoje lhe dói o lombo. E o cavalo foi abandonado por ela, pela protetora da fauna e da flora, definhado até morrer. Margarida, certa vez, deitada na rede que costumava estender sob o pé de jucá, teve as extremidades tiradas dos respectivos suportes e quase vai ao chão. Fora obra da Comadre! Disse sorrindo!
A cultura popular, sobretudo a literatura de cordel, contempla esses mitos do Nordeste brasileiro, com os medos e os receios que os fantasmas trazem. Edvaldo Bronzeado em Cordel de Malassombrado, diz que é nascido: “... em Recife/Ainda não fez cem anos/...” . Mas, mesmo assim, teve medo na infância de todos os mal-assombros do mundo. Fala do saci-pererê, em verso de boa rima: “O tal Saci-Pererê/De todo jeito aperreia/O negrinho de uma perna/Só apronta coisa feia/Esconde lápis, caneco/Cueca, tênis e meia...”. O saci é o curupira de uma perna só, com um pé redondo, que vai saltando pela mata, cachimbando o tempo todo. Já Astier Basílio, em seu cordel A Incrível História do Homem que Levou Fumo da Cumade Fulozinha, fala de uma outra crença dos engenhos e das fazendas. O ritual para se ter acesso às botijas, que eram enterradas com muito dinheiro. Fez pouco do poder da comadre e quando deu por si, embora estivesse com o tesouro quase na mão, viu de súbito a figura, com os cabelos entrançados e olhos de clorofila. Ela, então, disse: “... O meu nome é Fulozinha/Também me chamam Caipora/Você quis me enganar/Rá rá!...chegou sua hora/Você tão ganancioso/Quis acabar meu repouso/Cobre se deteriora.” E dele nunca mais se teve notícia.
Elita Afonso Ferreira publicou, no Recife, um livro infantil – A Caipora – Cumade Fulozinha –, em cujo texto fala da lenda ou fala das lendas, mesclando-as, como sucede no interior do Nordeste e como acontece nas referências bibliográficas sobre a questão. É de Câmara Cascudo a informação de que a palavra Caipora é um sinônimo, como forma lendária de uma história ou como estória de uma aparição, da Comadre Fulozinha, mesmo que diferencie a Caipora da Caipora-Fêmea, a Flor-do-Mato, vista por Zezinho de Chã de Cruz nas cercanias do lugar. A autora chega a falar inclusive no Boitatá, a bola de fogo que emerge do solo para afugentar os meninos. O enredo de Elita Ferreira mostra que os caçadores infantis foram rejeitados pelo personagem da fábula, porque era o tempo das ninhadas, os bichos tinham parido os filhotes e precisavam de um tempo para eles. Por medo dos duendes ou não, a grande verdade é que os nativos aprendem a conservar o verde e sabem respeitar os animais. Os forasteiros e os aproveitadores não, chegam ou aparecem para se utilizarem das riquezas naturais: desmatam e caçam de forma desapiedada. Destroem os ecótopos, expulsando os bichos. Essas agressões à natureza são registradas desde os tempos da Colônia.

(*) Parte da crônica já foi publicada, quando tratei da Comadre Fulozinha e divulguei as entrevistas que fiz com Zezinho de Chã de Cruz e Margarida Hercílio, mas agora o texto vai completo. Texto, aliás, quase na integra, contemplado com o primeiro lugar na modalidade “Crônicas”, em Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, em 2008, na cidade de Fortaleza, Ceará. O pitoresco é a crença do homem matuto nos duendes das matas; crença que preserva, de certa forma, a integridade das florestas tropicais. Comente para pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com Ou use o espaço mesmo do Blog. Faça isso, o autor agradece!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Um Enfermeiro Gago


Dos meus tempos de exercício clínico da medicina, guardo muita coisa; coisas boas e coisas ruins. Mas, experiências, também, em tudo, pitorescas, divertidas e graciosas. Há muito de engraçado em meus anos todos de vivências e de convivências. Os episódios com os doentes dos nervos, internados ou não, me fazem rir hoje em dia, mas me amedrontaram no passado. Eu não era psiquiatra, mas atendia, com frequência gente mal do juízo. Vale a pena rever algumas dessas passagens! Divido, então, com o leitor as minhas práticas da vida.

Certa vez, fui ver uma senhora em casa. Era um caso simples de síndrome urticariforme, nada que não cedesse a um antialérgico comum. Mediquei segundo os costumes e fiquei de voltar no dia seguinte, um sábado. Passava das 10 horas da manhã quando bati à porta e entrei levado pelo marido da paciente. Naquele tempo se podia deixar, como deixei, a patroa esperando no carro. O cônjuge ia me conduzindo e informando da melhora da criatura. Fora um santo remédio! A esposa, insistia ele, estava curada. A mulher veio lá de dentro aos prantos e quando me viu não hesitou: “Doutor! Esse canalha passou a noite dando em mim! Murros e mais murros, tapas na cara e bofetada. Passei a noite inteira apanhando!”. Ia dizendo e levantando a blusa, expondo o tórax marcado e os seios vermelhos de tanta pancada. Um horror! O diabo do marido, porém, acusava a mulher de se expor para mim. Foi um rolo e eu no meio. Até que encontrei uma brecha e disse: “Então viva! A alergia passou e eu estou com a minha mulher no carro. Até mais ver!” E dei adeus! Valha-me Deus do céu, quase digo!
De outra feita, fui ver um doente no hospital de alienados. Era um pobre homem esquizofrênico que vinha manifestando uma diarréia crônica. Examinei o quanto pude o paciente e tomei a mim fazer a prescrição no prontuário dele, um calhamaço de 200 folhas, pouco mais ou pouco menos. Não havia muito o que fazer, senão o habitual das minhas rotinas hospitalares. Mas, estava tomando essas providências no posto de enfermagem, quando entra outro doente, tranca a porta e recolhe a chave no bolso. Foi pior do que ficar num elevador entre um andar e outro. O homem dizia as maiores besteiras e eu apatetado no meio da casa não sabia que atitude tomar. Decidi, entretanto, participar do delírio ou da alucinação e disse: “Estamos em guerra! O inimigo nos cercou e vão jogar uma bomba pela janela. Estaremos perdidos! Melhor me dá a chave para que possamos fugir!”. E fugimos os dois. Nunca mais entrei num posto de enfermagem ali sem um acompanhante.
Noutra ocasião, visitei um estabelecimento feminino e fazia uma inspeção cumprindo o meu mister de auditor. Andei pra lá e pra cá, fui acima e vim abaixo, entrei pelos quartos e ouvi o chuveiro correndo e alguém tomando banho, cantando uma letra que não me ocorre. Nisso, a penitente que acabava o seu banho, me vendo passar, sai do boxe e vem correndo, toda molhada e nua, ao meu encontro: “Doutor! Lindo! Lindo! Lindo! Case comigo pelo amor de Deus!”. Disse tudo isso enquanto me abraçava e me molhava da cabeça aos pés. Não precisa dizer que virei um pinto, literalmente pingando com tanta água. Precisava me livrar daquela suplicante de todo jeito, malgrado o fato de estar quase enlaçado com ela. Tive um estalo, uma inspiração de momento e dei a minha resposta: “Espere que fale com minha mãe e meu pai! Ai volto e nos casaremos numa carruagem que há de romper os ares do mundo.”. E ela: “Viva! Viva! Viva!” Nunca mais entrei num ambiente hospitalar com alguém tomando banho, sobretudo se for mulher! Basta!
Numa outra visita a certa casa de saúde privada, em bairro diferente da anterior, indaguei do vigilante: “Tem médico de plantão?”. E a resposta: “Médico não! Mas, tem um enfermeiro ai que sabe tudo, até mais que médico!”. E mandou chamar a criatura. Era um auxiliar ou um atendente, um enfermeiro prático, enfim, que ficou gago quando soube da intenção da visita, a de fiscalizar o lugar. O médico ficava flanando em casa e o gago de plantão.
(*) Depois de ler, comente e o faça aqui mesmo, no espaço do Blog ou para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com Viva! Bom Carnaval!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Peripécias de um Tio

Tive um tio que era de uma irreverência a toda prova. Acostumado a passar trotes nos outros e a simular situações inusitadas. Habituado, também, a se impacientar por qualquer motivo ou a se irritar pela menor que fosse a questão. Trazia esses traços de outros parentes, de um irmão mais velho ou de certo primo, com o apelido de Pilon, ninguém sabe ao certo por quê. Pois foi Pilon que junto com outro primo carregou aquele meu tio, tido e havido na hora como paralítico, para tomar o bonde. Foi uma operação demorada essa, a de tirar o penitente da calçada, levando-o ao banco do veículo elétrico. Quando se aproximaram do assento no qual deveria ficar, imagine o leitor que o deficiente saiu correndo. Um horror! Quase dão nele dentro do coletivo, só não o fizeram pela interveniência do motorneiro ou do cobrador.

Quando eu era menino, tratava os dentes com ele e numa ocasião qualquer das muitas em que fui a seu consultório, saí de lá com uma receita de benzetacil, uma penicilina de depósito que doía mais que qualquer outra coisa neste mundo de Deus. Eu não sabia muito bem onde tomar, se no braço ou na região glútea. Penso que tinha pudor de mostrar as nádegas para uma mulher e decidi ligar pra ele. Não precisa dizer que me arrependi na mesma hora, pois que à indagação de onde tomaria o produto, a resposta foi ríspida e pesada: “Tome na bunda!”. Desliguei o telefone meio cabreiro e fui procurar a senhora, que sendo uma profissional prática, era tratada por enfermeira. Não reclamei por motivos óbvios. Quando retornei à consulta, pedi a benção, como se fazia à época e a resposta foi essa: “Deus te cubra com lençol de pulga.”. Mas, costumava também dizer: “Deus te abençoe cabeça de boi.”.

Em certa ocasião, tomava uma cerveja no bar da esquina, lá na rua Real da Torre e um frequentador de ocasião chegou com um violão debaixo do braço, sentou-se e abriu a boca a cantar. Era desafinado e desalinhado. Teria feito melhor se ficasse em casa e fosse matriculado em curso de seu instrumento musical. Meu tio não se conteve e virando-se para o seu vizinho de mesa, disse: “O senhor quer vender o violão?”. Ao que respondeu o desconhecido: “Não senhor! Não vendo! É para meu uso!”. Meu tio insistiu, alegando que gostara do que vira e fazia questão absoluta de adquirir, desse preço, então. O pobre do homem, já meio desconfiado com a conversa, deu preço, ultrapassando qualquer expectativa de mercado. O tio meteu a mão no bolso – andava sempre com muito dinheiro – tirou as suas cédulas, todas bem colecionadas, fazendo o pagamento. Ficou o dito pelo não dito e a cerveja foi tomada em paz!

De outra feita, chegou em Cabedelo, onde já estávamos – eu e a família – tarde da noite, com o seu maverik aprumado. Desceu e entregou um pacote de agulhas brancas e mais carne de siri pronta para o fogo. Era uma farra que vinha preparada! O dono da casa, meu tio afim, não se conteve e indagou de pronto: “Você chegou e eu vou dormir aonde?”. Perguntava isso porque a moradia estava quase completa. Casa de praia, como sabe o leitor, chega gente de todo tipo e a toda hora, come o que leva e dorme no lugar que se manda, na sala ou no corredor. Mas o irreverente tio deixou no ar a resposta irônica e até certo ponto rude: “Vá dormir no forte!”. Ora, o forte era quase dentro d’água e àquela hora não havia como chegar lá. De mais a mais, forte não é lugar para se dormir.

Quando noutro momento o maverik quebrou no viaduto da Cidade Universitária, tarde da noite, chovendo torrecialmente, um atencioso senhor parou o carro e perguntou: “O que faz ai?”. E ele: “É porque eu gosto muito de ficar à noite olhando o céu, sob chuva forte, em cima do viaduto!”. O interlocutor engatou marcha e partiu, não gostou do que ouviu. Quando morreu o seu irmão mais velho, um dos filhos chorando expressou que não tendo mais pai, restava-lhe o tio a lhe fazer companhia e ele, sem perder a oportunidade, rebateu: "Aviso que não estou lá essas coisas todas não!".


Eis ai as peripécias de um tio.


(*) Ofereço a crônica aos meus tios, todos já encantados no infinito das coisas, mas companheiros em minhas aventuras infantis. Comente, se desejar, neste espaço do Blog ou para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com Se não quiser, também não comente. Mas, pelo menos leia.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Pilheriada de Meu Pai

Colega meu de turma e amigo fraterno, com dois prenomes - HÉRCULES SIDNEY –, sugeriu que escrevesse nesse espaço que venho preenchendo, crônicas com o título genérico de “Assim Pensava meu Pai”. Como tenho publicado por cá textos pitorescos de minha vida, aceito em parte a sugestão do pernambucano exilado no Planalto Central, conviva, então, do poder. Mas, sobretudo, aproveito a oportunidade do centenário de Nilo Pereira e vou contar dele duas lorotas, como gostava de se referir ou vou reproduzir aqui a pilheriada que fazia no cotidiano das coisas, como dizia.
Meu pai era de biótipo bem parecido com o meu, com ares de carrancudo, de quem era emburrado, como tenho sido considerado, frequentemente, tanto é que ele mesmo me chamava de Dom Trombudão, fazendo pilheria. Vez ou outra – agora menos – as pessoas se dizem admirado com o meu bom humor, pois que me imaginavam fechado, pelo aspecto da fisionomia. Vejam só! A verdade é que trancado ou não Nilo Pereira era um contador de histórias e capaz de uma boa troçaria com seus amigos e seus colegas. E eu sei de várias! Vou contar algumas, então.

Certa vez, viajou à Bahia, representando Pernambuco em delegação que comparecia à posse do Cardeal Primaz. Foram de carro, três intelectuais do Recife. À saída, de logo, um deles mostrou a geladeira portátil que trazia. Um avanço enorme: era apenas um isonor. Ali ia o gelo do uísque daquela viagem de automóvel até Salvador. Um deles era o orador pernambucano no evento. E foi esse que amargou os horrores do grupo. Chegaram à cidade que foi a primeira capital do Brasil, hospedaram-se em quartos separados e o meu pai, junto com o outro integrante da caravana, decidiu passar um trote no orador e ligaram de um aposento a outro:
- Boa tarde Dr. Melo
- Boa tarde! Quem fala?
- Dom Libório, Secretário do Cardeal Primaz! Estou ligando para dizer que é necessário ler o seu discurso antes.
- Mas...! Secretário...! Como assim?
- São as normas canônicas, Dr. Melo.
- Considero isso uma censura prévia em meu texto. Não posso admitir. Vou antes conversar com os meus companheiros de viagem e sugerir que devemos voltar a Recife hoje mesmo.
- É a providência que esperava de V. Exa. Passe bem!
E o Dr. Melo, cujo nome aqui é fictício, correu ao quarto de meu pai e mandou chamar o outro membro do grupo. Estava indignado com o Secretário, com o Cardeal, com o Bispo e com o Papa. Horrorizado e disposto a voltar. Mas, os dois riram às bandeiras despregadas e contaram que o fato e o feito era de autoria deles mesmo, por isso sossegasse.

De outra feita ligou para o Secretário do Governo dizendo que era o Cônsul de Portugal – imitava muito bem um português e seu sotaque -, para apresentar os protestos diplomáticos em função dos mal tratos que vinha recebendo do poder executivo local. Não admitia isso, insistia, pois na condição de representante consular exigia bom trato e distinção. O homem quase cai de costas e derramou-se em desculpas e salamaleques telefônicos. Até que, afinal, descobriu quem era e quase briga. Mas, ruim mesmo foi a coincidência da ligação, real e quase palpável, do Cônsul propriamente, ao que a autoridade respondia:
- Sim Nilo continue.
- Pode falar à vontade!
- Só isso!

E o Cônsul só não pediu explicações por escrito em função da amizade que tinha com a gente intelectual deste rincão.

(*) – Esta é uma crônica que ofereço a meu pai, no ano de seu centenário, lembrando os passeios vespertinos, aos sábados sempre, de mãos dadas, à rua da Aurora, quando levava o meu barquinho de papel, que ganhava as águas do Capibaribe para chegar ao mar e levar notícias dessas nossas idas e vindas. Viva!