Muito pior tem sido lidar com o cão daqui de casa, Yuri de prenome, sem pedigree e sem sobrenome, dado à pesquisa sistemática nas latas de lixo e noutros depósitos parecidos. O bicho não pode sair à rua, porque ladra para toda a gente que passa, causando pânico, verdadeiramente, dentre os traseuntes, às vezes pacatos, mas noutras ocasiões enfurecidos e com razão. Tem por costume desaparecer e vagar pela Boa Vista ou pelos bairros adjacentes, especialmente quando encontra parceira canina disposta aos amores nas praças do lugar. Nas primeiras experiências do animal, tomado agora por vagabundo, ouvia-se por cá o pranto desesperado das meninas, mas depois todos se acostumaram com as fugas não aprazadas. Num sábado à noite, também, bateu à porta um dos vigias da redondeza e expressou as suas questões em relação ao cachorro. É que estando em seu local de trabalho, mesmo que às voltas com repetidas doses do produto derivado da cana-de-açúcar, contando com os serviços auxiliares de uma cadela, viu-se invadido pelo danado do canídio. Assim, seqüestrou o animal e para a sua liberação arbitrara resgate de R$1,00. Mostrei que estava inflacionando o mercado e contribuindo para a falência da estabilização da moeda, mas não houve jeito: “O resgate ou a vida!” Paguei, porque tempo é ouro e discutir com seqüestrador nem por telefone!
De outra feita, estava bem sentado numa solenidade na Sociedade de Medicina, posto à mesa da presidência, por generosidade do professor Miguel Doherty, inglês de nascimento, mas pernambucanizado já, quando surge o endiabrado do cão, à porta, fazendo força com o focinho para abrir e por certo que entrar. Não sei se, na verdade, tomaria assento comigo, no lugar da pompa, ou se pelo auditório faria opção. Fiz como muita gente faz com o semelhante, quando tomada pelo poder ou por outros ganhos e benesses da existência: virei a cara, fazendo que não via a inusitada figura. O cachorro, notando o desprezo emergente, retirou-se e foi me aguardar na rua, pastorando o povo que do teatro vinha saindo. Soubesse desse desejo do animal, tinha dado um nó numa gravata velha, muito usada, e com esse adereço pedido ao Doherty a entronização do canídeo. Ao tomar o carro para voltar, o flanelinha, integrante dessa nova maneira de ser e de ganhar a vida, indagou: “O cachorro é do senhor?” Sim, respondi. "É que desde sua chegada que o espera, depois de ter entrado, mais de uma vez, na Sociedade". Ainda quis tomar o automóvel comigo e fazer o caminho de volta, mas companhias assim, dispenso!Bicho danado esse! Chegou a derrubar uma porta na casa de veraneio, contanto que se juntasse à cadela, uma poode das estimas da patroa. Ah porta vagabunda!
E o cão sem gravata vive assim, enlouquecido e enlouquecendo toda a gente.
(*) Crônica escrita há muitos anos atrás, depois de uma solenidade na Sociedade de Medicina, cujo Presidente à época era o Prof. Miguel Doerty. No mesmo dia da publicação, telefonou-me o ilustre Presidente, pedindo desculpas por não ter entronizado o cão, mesmo sem gravata. O animal, algum tempo depois, foi envenenado e assim morreu.
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