sábado, 26 de abril de 2008

Histórias Pitorescas de um Reitor

No Brasil dizia-se que vice nada representa. Depois, um desses suplentes assumiu o lugar do titular e a idéia caiu por terra. Ora, vice, na verdade, não é lá essas coisas todas não, mas é pau pra toda obra e disso ninguém duvide. Eu fui vice e dou conta do que houve e do que fiz. Já se vão cinco anos, se pouco, ocupei o lugar de Vice-Reitor da Universidade Federal de Pernambuco; lugar no qual adquiri rara experiência a propósito da convivência humana, servindo de mediador, tantas vezes, para os chamados conflitos institucionais, presentes em todos os quadrantes da administração pública e privada, quiçá nas hoje constituídas parcerias público-privadas. Onde estiverem mais de três pessoas reunidas, tenha certeza o leitor, há de se ter algum desentendimento e alguma desavença. Mas, não é sobre isso que devo escrever, antes prefiro falar do pitoresco, do engraçado, do diferente, talvez do exótico em tempos assim.
Certa vez, então, o Reitor – Mozart Neves Ramos – me chamou a seu gabinete e me pediu para representá-lo na solenidade de inauguração de uma agência do Banco do Brasil, que se instalava no Hospital das Cínicas. Indaguei quando seria a solenidade e perplexo ouvi a reposta: “Dentro de uma hora!”. Com uma fisionomia de quem comeu e não gostou voltei para a sala e fui buscar na Internet informações a respeito. Tinha muito pouco tempo e com isso bloqueei o trânsito de pessoas e de telefonemas. Afinal, precisava estudar, pois, com toda certeza, teria que falar. Li o que o tempo me permitia, abrindo a página do Banco e me instruindo a propósito. Descobri até que ignorava certas peculiaridades da grande instituição bancária. Pois é, parti para a luta, isto é, para a inauguração.
Como já esperava, a palavra me foi concedida, com toda a pompa e circunstância. Não hesitei e com a retórica que aprendi nos bancos do colégio abri a boca, com o indicador direito apontando para o chão: “Este Banco, que ajudou a pagar a dívida da Guerra do Paraguai, foi fundado por Dom João VI e se faliu, em função das injunções impostas pela coroa, pôde reerguer-se, graças à garra dos seus funcionários e dos seus diretores.” E por ai foi! Quando terminei, os presentes quase se acabam de tanto bater palmas. Tinha puxado um assunto que poucos ali conheciam – de minha parte a ignorância era total –, o que fez o gerente geral me procurar em seguida e me dizer o seguinte: “Professor! O senhor conhece a história do Banco mais do que todos nós! Gostaria que fizesse uma palestra para os gerentes de Pernambuco!” E eu, com muito cuidado: “Meu caro! Tudo o que eu sabia já disse. Não sei mais de nada!” E por ai ficou! Graças a Deus!
E se dessa lembrei, não custa rebuscar a memória e trazer de volta outra história similar. Estávamos todos – a equipe da Reitoria –, numa visita ao Departamento de Genética, ouvindo, como sempre acontece no serviço público, as lamúrias das carências e das faltas. O meu ilustre colega e amigo Luiz Maurício, um craque hoje no estudo sistemático do DNA humano, expunha as suas necessidades para dispor, como já dispõe agora, de equipamento que lhe permitisse montar o mapa genético dos que duvidam da paternidade. Fosse uma inspeção feita pelo bispo, dir-se-ia que era uma Visita Pastoral. Ou ainda, fosse uma visita ao Papa, não há dúvidas: uma Visita Ad-Limina. De repente, Mozart – sempre Mozart! – segreda aos meus ouvidos: “Está na hora de um encontro no Centro de Tecnologia: a Semana da Árvore! Eu não posso sair daqui, peço que vá presidir!”. E, como vice é vice, pedi licença e fui.
No caminho, ia matutando o que dizer e o que falar. Pensei na ecologia, no meio ambiente, na beleza do verde, das árvores, enfim, e nos bichos também. Mas, naquele Centro ninguém sabia, exatamente, de se tratava, ninguém ouvira absolutamente nada de nada e eu cuidadoso, sempre, insistia em saber. Descobri depois, era um evento para tombar um baobá, essa árvore gigante que a todos encanta. Indaguei a razão e os motivos do ato e soube dos detalhes. Na hora do palavreado solene, não tive a menor dúvida: “Este baobá, mais que secular, que antecedeu o engenho e que foi plantado na propriedade adquirida para a Cidade Universitária, merece o nosso respeito, não somente pela importância vegetal que desperta, mas, sobretudo, pela antecedência que mantém dessa presença acadêmica de hoje! Aqui não se estuda somente a tecnologia, mas investiga-se a história e a botânica” E a palma comeu no centro. Foi uma festa!

E faz tempo que não vejo Mozart! A vida é interessante! Ele está em São Paulo e eu continuou por aqui, na província. As amizades são assim, vivem do efêmero, mas sobrevivem às distâncias e quando nos encontramos ou nos telefonamos, parece que resgatamos este passado comum. Rimos, quase sempre, às bandeiras despregadas.

Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma perna de pato, senhor reitor mandou dizer que contasse cinco.

(*) – Uma crônica que ofereço a Mozart Neves Ramos, com quem convivi tanto tempo, e a quem representei tantas vezes nas solenidades da vida. Penso que ainda vou escrever um livro com o título Histórias Pitorescas de um Reitor – contando os meus casos –, pedindo a ele que faça o Prefácio e os confirme. Acredito, piamente, que Amaro Lins há de mandar publicar.

2 comentários:

  1. Delicioso texto! Para quem conhece, pelo menos por alto, a lide diária da Universidade, o gostinho da história fica mais apurado.
    Carlos Dantas

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  2. Pai
    Adoro abrir o e-mail pela manhã e ver que tem crônica nova no seu blog. Essas suas histórias alegram nossos dias.
    Beijos
    Pati

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