Dois dos meus leitores de primeira hora fizeram observações interessantes sobre a crônica anterior e estimulado por esses conteúdos, decido repetir a dose: escrever outra crônica. Em primeiro lugar, contando o que mandaram me dizer, pedindo perdão, de logo, pelos acréscimos nascidos do imaginário do autor. Por isso – pelos acréscimos – preservo-lhes os nomes. Um desses, figura finíssima, diz que foi a primeira vez que pôde ler comentários bem humorados sobre as catastróficas enchentes dos anos setenta. É! É o tragicômico da existência humana. Depois de alguns anos a tragédia cede lugar e a comédia passa a presidir o espetáculo das coisas. Já o outro, delicadíssimo comigo desde sempre, conta um episódio engraçado na sala de casa de um de seus irmãos: o penitente acordou em plena cheia e havia uma vaca sobre a mesa de casa. Sendo assim, teve acesso gratuito ao leite na manhã do novo dia. Essa é pra valer! Mas o rio aprontou muitas.
O então Secretário de Saúde tinha assumido há pouco tempo e vencido o momento das águas nas ruas do Recife, estava desesperado. Tirou os sapatos na escada de acesso ao Gabinete e mandou me chamar, manifestando a sua inquietação: havia seis cadáveres no Hospital Correa Picanço e ninguém queria de tirá-los. Tinham medo da meningite e não dispunham de apetrechos que os isolasse. Ouvi o problema da autoridade e fui para o meu canto maturar a solução, pensando com os meus botões. Os botões que tantas vezes me trouxeram o desejado encaminhamento. Só havia um jeito, procurar a polícia e o IML já havia se negado, também. Ora, fui à Delegacia de Plantão e o delegado de serviço me ouviu atentamente, indagando ao final: “E eu? O que tenho a ver com isso?” O que eu desejava era simples: “Um camburão para a remoção dos defuntos!” E a conversa foi pra lá e veio pra cá e o policial cedeu. Foi a primeira vez, então, que os mortos vieram presos.
No dia em que fui escalado para passar a noite no Palácio dos Despachos, quando terminei indo a uma cidade do interior, fiz logo amizade com toda gente; gente das mais diversas profissões, do engenheiro à assistente social, do bombeiro à enfermeira. E lá por baixo – tínhamos uma visão larga no primeiro andar – um PM, a cada volta que dava na ala dos mantimentos já arrecadados, tirava uma lata de leite Ninho. Ai, um dos companheiros – sem alusão a partido político –, virando-se para mim, disse: “Você ai que fala muito! Que solução se pode dar ali? Ao caso do leite Ninho!”. E eu, num rasgo de inteligência que raramente consigo: “Escale um policial andando num sentido e um soldado do exército noutro e tudo estará resolvido!”. Foi um santo remédio. Nada mais se viu e nada mais se soube, porque as forças diferentes não se unem e também não se bicam.
Mas, para o interior, eu fui com um engenheiro e com uma assistente social. E às folhas tantas decidimos parar e escrever um relatório. O Prefeito, com um imenso revólver à cintura, queria assim. E assim fizemos, eu e o engenheiro. O meu colega, muito cioso de seu compromisso, fez a medição dos muros que foram levados pelas águas: 50 metros. O Prefeito ouviu a metragem e chegando perto de nós dois – eu era o datilógrafo de ocasião – contestou e multiplicou por 10 a medida do zeloso colega. “O senhor viu 500 metros!”. E eu, considerando a arma do homem e a indisposição do profissional, cuidei em arrumar as coisas. Chamei-o de parte e revelei: “Veja! Isso de nada servirá! Já fiz o mesmo relatório outra vez! Tanto faz seis como meia dúzia!” E o homem acedeu, contou 500 e o datilógrafo aqui, formado na rua do Lima, por recomendação paterna – “Se você não der pra nada, sabe datilografia!”- datilografei a metragem, evitando ingresias.
A assistente social, no entanto, como toda e qualquer profissional que se preza nessa área do humano, estava sentada e bem posta fazendo entrevistas de um por um, achando que dava conta de tanto flagelado que havia. Escutava, atentamente, as histórias todas, com a vã ilusão de resolver tantos impasses. E a hora passando! Passando! Passando! O profissional de engenharia, então, me procurou e mostrou que íamos chegar ao Recife dia claro, com essa demora da criatura. Eu, não tive dúvidas prometi fazer um susto, obtendo com isso o desejado e esperado resultado. Fui lá, bati na porta e expressei a minha preocupação com ela: “Olhe! Nós já terminamos o nosso trabalho e estamos indo. Nos veremos depois, em qualquer lugar desse mundo de Deus! Quem sabe numa enchente mais branda e menos braba!”. A mulher deu um salto e respondeu rápido: “Eu vou também!”
O então Secretário de Saúde tinha assumido há pouco tempo e vencido o momento das águas nas ruas do Recife, estava desesperado. Tirou os sapatos na escada de acesso ao Gabinete e mandou me chamar, manifestando a sua inquietação: havia seis cadáveres no Hospital Correa Picanço e ninguém queria de tirá-los. Tinham medo da meningite e não dispunham de apetrechos que os isolasse. Ouvi o problema da autoridade e fui para o meu canto maturar a solução, pensando com os meus botões. Os botões que tantas vezes me trouxeram o desejado encaminhamento. Só havia um jeito, procurar a polícia e o IML já havia se negado, também. Ora, fui à Delegacia de Plantão e o delegado de serviço me ouviu atentamente, indagando ao final: “E eu? O que tenho a ver com isso?” O que eu desejava era simples: “Um camburão para a remoção dos defuntos!” E a conversa foi pra lá e veio pra cá e o policial cedeu. Foi a primeira vez, então, que os mortos vieram presos.
No dia em que fui escalado para passar a noite no Palácio dos Despachos, quando terminei indo a uma cidade do interior, fiz logo amizade com toda gente; gente das mais diversas profissões, do engenheiro à assistente social, do bombeiro à enfermeira. E lá por baixo – tínhamos uma visão larga no primeiro andar – um PM, a cada volta que dava na ala dos mantimentos já arrecadados, tirava uma lata de leite Ninho. Ai, um dos companheiros – sem alusão a partido político –, virando-se para mim, disse: “Você ai que fala muito! Que solução se pode dar ali? Ao caso do leite Ninho!”. E eu, num rasgo de inteligência que raramente consigo: “Escale um policial andando num sentido e um soldado do exército noutro e tudo estará resolvido!”. Foi um santo remédio. Nada mais se viu e nada mais se soube, porque as forças diferentes não se unem e também não se bicam.
Mas, para o interior, eu fui com um engenheiro e com uma assistente social. E às folhas tantas decidimos parar e escrever um relatório. O Prefeito, com um imenso revólver à cintura, queria assim. E assim fizemos, eu e o engenheiro. O meu colega, muito cioso de seu compromisso, fez a medição dos muros que foram levados pelas águas: 50 metros. O Prefeito ouviu a metragem e chegando perto de nós dois – eu era o datilógrafo de ocasião – contestou e multiplicou por 10 a medida do zeloso colega. “O senhor viu 500 metros!”. E eu, considerando a arma do homem e a indisposição do profissional, cuidei em arrumar as coisas. Chamei-o de parte e revelei: “Veja! Isso de nada servirá! Já fiz o mesmo relatório outra vez! Tanto faz seis como meia dúzia!” E o homem acedeu, contou 500 e o datilógrafo aqui, formado na rua do Lima, por recomendação paterna – “Se você não der pra nada, sabe datilografia!”- datilografei a metragem, evitando ingresias.
A assistente social, no entanto, como toda e qualquer profissional que se preza nessa área do humano, estava sentada e bem posta fazendo entrevistas de um por um, achando que dava conta de tanto flagelado que havia. Escutava, atentamente, as histórias todas, com a vã ilusão de resolver tantos impasses. E a hora passando! Passando! Passando! O profissional de engenharia, então, me procurou e mostrou que íamos chegar ao Recife dia claro, com essa demora da criatura. Eu, não tive dúvidas prometi fazer um susto, obtendo com isso o desejado e esperado resultado. Fui lá, bati na porta e expressei a minha preocupação com ela: “Olhe! Nós já terminamos o nosso trabalho e estamos indo. Nos veremos depois, em qualquer lugar desse mundo de Deus! Quem sabe numa enchente mais branda e menos braba!”. A mulher deu um salto e respondeu rápido: “Eu vou também!”
Ainda tem muita história pra contar e muito conto pra historiar.
(*) – Artigo que ofereço a Silo de Holanda e a Girley Brazileiro, figuras que me acompanham neste espaço virtual. Silo, porém, desde os anos setenta segue comigo, desde nossa convivência no Sindicato dos Comerciários, onde foi meu chefe e no Cremepe, onde também foi, Presidente como era. Mas, que ofereço, também, a Carlos Dantas (CD), a cada nova crônica um comentário a mais
(**) - Os meus registros têm apontado a presença neste espaço de pessoas de países diferentes e de estados diversos no Brasil. Isso me honra muito. Como estou preparando uma nova lista de destinatários, haja vista ter esgotado a capacidade da atual, peço aos interessados informarem os endereços eletrônicos para: pereira.gj@uol.com.br Enviarei, então, as atualizações de cada sexta-feira com muito prazer.
Caro Professor Geraldo, antes de sermos profissionais sempre somos seres humanos com todas as nossas (poucas) virtudes e (muitas) deficiências de caráter. Características, apenas, de cada indivíduo... Os tipos retratados em suas crônicas nos mostram que, em cada lugar, independente de classe, sexo, cargo ou função agimos sempre da mesma forma, em geral seguindo nosso umbigo.
ResponderExcluirBelas passagens os seus escritos. Se fossemos balizar as personalidades humanas por elas, não perderíamos muito da realidade que vemos. É um tratado que poderia, em priscas épocas da humanidade, ter servido como registro da sociedade, como os clássicos gregos e romanos que nos dizem tanto daqueles povos. Abraços, CD
De fato, Geraldo, a crônica é interessante e bem humorada. Nem só de drama vive a literatura rsss.
ResponderExcluirabraços
Virgínia Leal
Meu carissimo Geraldo,
ResponderExcluirFico grato pela dedicatória. Você, como sempre,se revelando muito gentil.
Gostei demais desses novos causos de hoje.
Um forte abraço,
Girley Brazileiro