Vi e ouvi muita coisa nos meus anos de efetivo exercício da medicina; fatos que merecem ser escritos e incluídos nas experiências pitorescas que tive. Desde os tempos de estudante, no velho hospital do pronto socorro, onde pontificaram figuras do mais alto nível na medicina local. Episódios que nunca saíram de minha cabeça, que povoam o meu imaginário até hoje, como na noite em que o meu ilustre colega de turma – companheiro de rua também – Mozart Diniz, Jia por apelido, me comunicou: “Inventaram uma comida chamada pizza e eu vou comprar uma para o lanche no plantão.”. Foi mais adiante e voltou com uma caixa típica, a ser aberta à meia-noite, precisamente. Quando chegou o momento, fomos os dois em busca do acepipe moderno e para nossa decepção as baratas estavam dando conta do tão sonhado petisco. Resultado, foi preciso contar com a boa vontade do cozinheiro para a merenda noturna: salsicha com ovo frito.
Naquele plantão de terça pela manhã e sexta à noite – sobretudo na sexta à noite – acontecia o que o diabo duvida de costas. Certa vez, um guarda civil novato foi designado para acompanhar os casos e especialmente as ocorrências policiais. O plantão transformou-se numa pândega, francamente. O homem não sabia de nada, de absolutamente nada e eu levei o penitente ao desespero, posso dizer. Às tantas foi preso um ladrão com o cognome de “Pombo” e o policial confirmou a prisão, mandando que os plantonistas procedessem segundo os costumes, no tocante a uma bala que havia na perna do suplicante. Mandamos o gatuno para fazer uma radiografia e eu fui encarregado de comunicar ao neófito a fuga do vagabundo: “Seu guarda: 'Pombo' voou!”. E ele, ciente de suas responsabilidades, respondeu: “Estou preso no lugar dele!”.
Mais tarde ainda, houve um acidente em Boa Viagem, um casal estava no carro e ambos foram transportados para o pronto socorro. Ele estava em coma e ela, bonita e faceira, programa de uma noite só, inquieta, querendo ir embora, desaparecer de cena, porque nada mais lhe cabia depois que a família chegou. Decidiram, então, pela transferência do homem comatoso, mas o guarda negou o pedido: “Ele daqui não sai! Está preso!”. E veio de me perguntar – logo a quem! – se a pessoa em coma podia ser preso? Disse-lhe que ignorava a resposta e propus que ligasse para o delegado de plantão. Ligou e acordou a autoridade, levando o maior fora que já assisti alguém ouvir. Finalmente, decidiu que era possível transferir, desde que ficassem registrados os números das identidades dos acompanhantes. E cada qual deu a numeração que bem desejava. Fui junto dele e falei: “Você é um abestalhado! Inventaram os números e levaram o homem!”. Nunca mais foi ao plantão.
Essas coisas enchiam as noites e faziam as horas correrem. Vale a pena mais uma do velho pronto socorro. Já era tarde quando chegou ao plantão uma jovem que tentara o suicídio. Era gente fina, bem vestida e bem parecida. À época eram poucos os hospitais privados e aquele serviço em que trabalhava era o melhor, mesmo sendo público. Foram tomadas as providências de praxe. A lavagem gástrica livrou a moça do tóxico que ingerira e ela foi posta no “Repouso”. O “Repouso” não era lá esse luxo todo e os pacientes ficavam um ao lado do outro, separados, apenas, por sexo. A criatura pediu à família lençol e travesseiro dos bons, vestiu uma camisola rendada e dormiu profundamente. Lá pras tantas e bote quantas acordou, eu estava examinando a sua vizinha e constatando o óbito. Ela, então, indagou: “Morreu? Faz tempo?”. E a resposta foi afirmativa. Levantou-se de um salto e sumiu. Nunca mais a vi nas rodas da vida.
E por falar em nunca mais a vi, lembrei da última. Era muito comum atender às prostitutas da zona do baixo meretrício. Uma delas chegou embriagada, sem saber direito o que falava, dizendo as maiores besteiras. Tinha uma ruptura anal e o cirurgião decidiu-se pela intervenção com anestesia, mas foi necessário esperar que passasse os efeitos do álcool e com ela fiamos conversa por um bom tempo. Desejava esconder o fato de seus familiares, os quais ignoravam a sua condição e a origem de seu dinheiro. É sempre assim! Foi feita a sutura conforme as normas do procedimento e a penitente saiu da sala cambaleando. Não havia maca disponível e o cheiro anestésico tinha sido mínimo. Chorava como uma desenganada, com medo que os parentes descobrissem a sua profissão e o seu problema proctológico agora. Desapareceu no horizonte das coisas e ninguém mais viu.
Naquele plantão de terça pela manhã e sexta à noite – sobretudo na sexta à noite – acontecia o que o diabo duvida de costas. Certa vez, um guarda civil novato foi designado para acompanhar os casos e especialmente as ocorrências policiais. O plantão transformou-se numa pândega, francamente. O homem não sabia de nada, de absolutamente nada e eu levei o penitente ao desespero, posso dizer. Às tantas foi preso um ladrão com o cognome de “Pombo” e o policial confirmou a prisão, mandando que os plantonistas procedessem segundo os costumes, no tocante a uma bala que havia na perna do suplicante. Mandamos o gatuno para fazer uma radiografia e eu fui encarregado de comunicar ao neófito a fuga do vagabundo: “Seu guarda: 'Pombo' voou!”. E ele, ciente de suas responsabilidades, respondeu: “Estou preso no lugar dele!”.
Mais tarde ainda, houve um acidente em Boa Viagem, um casal estava no carro e ambos foram transportados para o pronto socorro. Ele estava em coma e ela, bonita e faceira, programa de uma noite só, inquieta, querendo ir embora, desaparecer de cena, porque nada mais lhe cabia depois que a família chegou. Decidiram, então, pela transferência do homem comatoso, mas o guarda negou o pedido: “Ele daqui não sai! Está preso!”. E veio de me perguntar – logo a quem! – se a pessoa em coma podia ser preso? Disse-lhe que ignorava a resposta e propus que ligasse para o delegado de plantão. Ligou e acordou a autoridade, levando o maior fora que já assisti alguém ouvir. Finalmente, decidiu que era possível transferir, desde que ficassem registrados os números das identidades dos acompanhantes. E cada qual deu a numeração que bem desejava. Fui junto dele e falei: “Você é um abestalhado! Inventaram os números e levaram o homem!”. Nunca mais foi ao plantão.
Essas coisas enchiam as noites e faziam as horas correrem. Vale a pena mais uma do velho pronto socorro. Já era tarde quando chegou ao plantão uma jovem que tentara o suicídio. Era gente fina, bem vestida e bem parecida. À época eram poucos os hospitais privados e aquele serviço em que trabalhava era o melhor, mesmo sendo público. Foram tomadas as providências de praxe. A lavagem gástrica livrou a moça do tóxico que ingerira e ela foi posta no “Repouso”. O “Repouso” não era lá esse luxo todo e os pacientes ficavam um ao lado do outro, separados, apenas, por sexo. A criatura pediu à família lençol e travesseiro dos bons, vestiu uma camisola rendada e dormiu profundamente. Lá pras tantas e bote quantas acordou, eu estava examinando a sua vizinha e constatando o óbito. Ela, então, indagou: “Morreu? Faz tempo?”. E a resposta foi afirmativa. Levantou-se de um salto e sumiu. Nunca mais a vi nas rodas da vida.
E por falar em nunca mais a vi, lembrei da última. Era muito comum atender às prostitutas da zona do baixo meretrício. Uma delas chegou embriagada, sem saber direito o que falava, dizendo as maiores besteiras. Tinha uma ruptura anal e o cirurgião decidiu-se pela intervenção com anestesia, mas foi necessário esperar que passasse os efeitos do álcool e com ela fiamos conversa por um bom tempo. Desejava esconder o fato de seus familiares, os quais ignoravam a sua condição e a origem de seu dinheiro. É sempre assim! Foi feita a sutura conforme as normas do procedimento e a penitente saiu da sala cambaleando. Não havia maca disponível e o cheiro anestésico tinha sido mínimo. Chorava como uma desenganada, com medo que os parentes descobrissem a sua profissão e o seu problema proctológico agora. Desapareceu no horizonte das coisas e ninguém mais viu.
Pior do que essa, só o homem que passara uma argola no pênis e para se tirar foi preciso chamar o serralheiro do hospital em casa. Passava das três horas da manhã e o homem veio indignado, dando socos nos ares, dizendo horrores. Só a serra elétrica resolveu o caso.
E há muita coisa mais a ser contada!
(*) O meu amigo Jia receba esta crônica e lembrando da pizza, lembre também daquelas noites que já vão longe na contabilidade do tempo. Quem desejar que comente para pereira.gj@gmail.com ou para pereira@elogica.com.br Termino publicando, mesmo, um livro com essas histórias pitorescas
Seu geraldo! Você é um mestre dos textos! Publique logo um livro! Ri demais lendo essas histórias!
ResponderExcluirÉ médico e militar. Tem muita história pra contar! Quando eu tava no exército aconteceu tanta coisa!
Que pena que escolhi ser Administrador. Hahahahaha Além de não acontecer nada de interessante, estou ficando burro com aquele curso medíocre! Hahahahaah
Um abraco, chefe!!
Como sugeriu o Michelson em seu comentário, a área da saúde tem suas agruras, porém as experiências... essas ninguém compra; não tem preço.
ResponderExcluirLembro das contadas pelos nossos entrevistados no programa "Rádio Saúde", na Universitária AM. No final de cada programa era levado um quadro ao ar - "Essa aconteceu comigo" - com uma experiência desses valorosos profissionais da saúde. Era cada uma de nó em éter...