Tempo houve em que o médico recebia, de hábito, presentes de seus clientes. E no ambulatório do velho Hospital Pedro II, onde durante quase 20 anos trabalhei, foram tantas as lembranças que talvez nem possa recordar de todas, tampouco de todos. Nos consultórios da saúde pública, também. Era comum receber uma galinha gorda do terreiro de casa, bem cevada, criada para que fosse servida à cabidela ou para que viesse à mesa guisada ou – quem sabe? – assada ao forno, como cabe ser nas formas mais sofisticadas ou esmeradas de cozer. No fim de ano, com freqüência, um peru alimentado com farofa de bolão, contanto que na noite de Natal estivesse derretendo de tanta gordura e não como os de agora, secos e quase sem gosto, porque pré-cozidos e alimentados à ração. E a farofa com passas dava gosto à ave.
Certa vez – já se vão muitos anos – uma penitente que foi minha cliente, derramando-se de paixão, malgrado as referências à ética e ao juramento de Hipócrates, não hesitou e chegou com dois pacotes diferentes. Quase não abro os regalos, como dizem os meus irmãos espanhóis – o sogro de minha filha e o seu marido –, tal a minha inibição diante dos brindes ou das dádivas. Era um bolo de boa aparência, que já não recordo o tipo, se regional, como penso ou se global, no dizer de agora. No outro, um queijo do reino, da marca Borboleta, o qual, me permita o leitor confessar, gosto mais que qualquer outra coisa neste mundo de Deus, sobretudo quando servido com doce de goiaba em calda ou goiabada cascão. Trouxe pra casa e contei à mulher os detalhes, os da cliente e aqueles dos presentes. A decisão dela foi fácil: o bolo não se come e o queijo pode abrir.
Mas, havia também quem se aproveitasse para explorar o médico até não poder mais. Um certo dentista, a quem servia sem que lhe cobrasse um único tostão, cujos cuidados se estendiam à mãe e à mulher, ao filho e ao papagaio, cobria de lembranças natalinas e de mimos nos aniversários e batizados os meus. Agrados que tantas vezes não entendia como eram comprados, com o salário de que dispunha. Certa vez, indagou-me, a título de se esclarecer, o quanto eu ganhava como coordenador substituto de um programa de pós-graduação que ele mesmo fazia. Ganhava uma besteira, mas o suficiente para pagar a gasolina. Decupliquei o valor, por galhofa ou por gracejo. E ele me tomou o lugar. É isso! Com caráter não se brinca! Mandei que se retirasse de minha sala, quando pediu explicações. E conto agora, pela vez primeira o ocorrido.
Hoje, na roda da vida, passei da condição de profissional a paciente – troquei de lado –, não descuidando dos meus ilustres e respeitados clínicos e cirurgiões. A cada Natal, às vezes mais e às vezes menos, sempre os envio um presente. Quando posso mando uma cesta, bem arranjada e bem arrumada, mas o importante não é o conteúdo ou não é o valor pecuniário da lembrança, mas o cartão que escrevo, dizendo o que estou fazendo de produtivo, os trabalhos redigidos e os livros que publiquei, o que tenho planejado e o que ainda posso fazer. E os credito também as láureas de minha qualidade de vida, lembrando que sem eles não teria sido possível continuar no banquete da existência. Sou reservado neste particular, não falo, quase posso dizer, de minhas doenças. Sigo a máxima de meu pai: “Doença e defeito não se diz a ninguém!”. Mas, continuo no batente, atuando no Conselho Estadual de Cultura, onde a história da medicina e do Recife preenchem as minhas horas e os meus dias. Bravo!
E aqui em Aldeia, vez ou outra, um dos funcionários do condomínio – Bosque das Águas de Aldeia – busca a minha interveniência para alguma coisa. Um dente que dói ou uma cirurgia por fazer. Ligo daqui mesmo, desse meu alpendre gostoso, sob a sonoridade das folhas que rompem o silêncio das minhas cálidas manhãs, pra uns e pra outros. Peço aqui e peço acolá! Nem sempre arranjo! O prestígio está, mais e mais, desminlinguindo-se, enfraquecendo, debilitando-se, mas ainda vai, ainda funciona, como foi o caso recente de Edmilson da portaria, cuja sogra padecia com um mioma que pesava 5 kg, mais que uma criança. E um velho amigo do Hospital das Clínicas, ele mesmo, entrou na sala de cirurgia e retirou o benigno tumor. O rapaz, em gratidão e em nome da família, trouxe-me duas toalhas, uma de banho e outra de rosto. Fiquei emocionado e marejei os olhos. Vou contar ao artífice do ato cirúrgico em que deu o seu mister!
(*) – Crônica que ofereço ao meu dileto colega e vizinho de rua, João Sabino Pinho, que atende esses meus pedidos e o faz de uma forma afetuosa e gentil. E que ofereço a outro, igualmente abnegado, pronto para me atender, sempre: Salvio Freire.
Mas, havia também quem se aproveitasse para explorar o médico até não poder mais. Um certo dentista, a quem servia sem que lhe cobrasse um único tostão, cujos cuidados se estendiam à mãe e à mulher, ao filho e ao papagaio, cobria de lembranças natalinas e de mimos nos aniversários e batizados os meus. Agrados que tantas vezes não entendia como eram comprados, com o salário de que dispunha. Certa vez, indagou-me, a título de se esclarecer, o quanto eu ganhava como coordenador substituto de um programa de pós-graduação que ele mesmo fazia. Ganhava uma besteira, mas o suficiente para pagar a gasolina. Decupliquei o valor, por galhofa ou por gracejo. E ele me tomou o lugar. É isso! Com caráter não se brinca! Mandei que se retirasse de minha sala, quando pediu explicações. E conto agora, pela vez primeira o ocorrido.
Hoje, na roda da vida, passei da condição de profissional a paciente – troquei de lado –, não descuidando dos meus ilustres e respeitados clínicos e cirurgiões. A cada Natal, às vezes mais e às vezes menos, sempre os envio um presente. Quando posso mando uma cesta, bem arranjada e bem arrumada, mas o importante não é o conteúdo ou não é o valor pecuniário da lembrança, mas o cartão que escrevo, dizendo o que estou fazendo de produtivo, os trabalhos redigidos e os livros que publiquei, o que tenho planejado e o que ainda posso fazer. E os credito também as láureas de minha qualidade de vida, lembrando que sem eles não teria sido possível continuar no banquete da existência. Sou reservado neste particular, não falo, quase posso dizer, de minhas doenças. Sigo a máxima de meu pai: “Doença e defeito não se diz a ninguém!”. Mas, continuo no batente, atuando no Conselho Estadual de Cultura, onde a história da medicina e do Recife preenchem as minhas horas e os meus dias. Bravo!
E aqui em Aldeia, vez ou outra, um dos funcionários do condomínio – Bosque das Águas de Aldeia – busca a minha interveniência para alguma coisa. Um dente que dói ou uma cirurgia por fazer. Ligo daqui mesmo, desse meu alpendre gostoso, sob a sonoridade das folhas que rompem o silêncio das minhas cálidas manhãs, pra uns e pra outros. Peço aqui e peço acolá! Nem sempre arranjo! O prestígio está, mais e mais, desminlinguindo-se, enfraquecendo, debilitando-se, mas ainda vai, ainda funciona, como foi o caso recente de Edmilson da portaria, cuja sogra padecia com um mioma que pesava 5 kg, mais que uma criança. E um velho amigo do Hospital das Clínicas, ele mesmo, entrou na sala de cirurgia e retirou o benigno tumor. O rapaz, em gratidão e em nome da família, trouxe-me duas toalhas, uma de banho e outra de rosto. Fiquei emocionado e marejei os olhos. Vou contar ao artífice do ato cirúrgico em que deu o seu mister!
(*) – Crônica que ofereço ao meu dileto colega e vizinho de rua, João Sabino Pinho, que atende esses meus pedidos e o faz de uma forma afetuosa e gentil. E que ofereço a outro, igualmente abnegado, pronto para me atender, sempre: Salvio Freire.
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