quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Uma Sociologia do Parque

Nos outroras da vida, confirme o leitor se quiser, o lema era outro, bem distinto das atualidades correntes. Saúde e gordura, dizia-se o tempo todo, associando-se, então, a higidez com a adiposidade. Quanto mais dobras se tivesse, melhor seria! Até a mulher dos antanhos caprichava nas celulites e noutros qualificativos resultantes dos excessos alimentares, exibindo as formas nas enormidades do corpo. Tres delas que conheci, irmãs de sangue, receberam da irreverente rapaziada, hoje prateando as têmporas, o apelido coletivo de albacoras, tal o volume que ostentavam, observadas individualmente. Eram, todavia, disputadas pela gente do bairro e admiradas com olhos pidões pelos meninos impúberes, naquele desfilar, de idas e de vindas ao parque ou à Festa da Mocidade. Amigo meu, muitas vezes citado por cá, sonhava com elas em grandes mergulhos nos oceanos das paixões irresistíveis!
Hoje não, há um culto ao corpo e a malhação tomou conta dos jovens, dos amadurecidos no carbureto dos anos e dos incluidos, agora, na chamada terceira idade, às vezes até terceirizados, pra usar o linguajar da pós-modernidade. Nos ambientes abertos, pra tanto preparados, anda-se, loucamente, corre-se ou pratica-se a ginástica das perdas de calóricos e bem degustados manjares. No Parque da Jaqueira, por exemplo, há um batalhão de pessoas caminhado pela pista de Cooper, no sentido anti-horário, a maioria, como se estivessem, também, contestanto o passado e do jeito que segue o relógio, poucos, rigorosos com os princípios e os tempos, imagina-se. Faz gosto reparar nos trajes e prestar atenção às conversas ou entender sentimentos expostos, naquele ponto verde que se insere na selva de pedra do Recife.
Descubro que sou, na verdade, o mais desengonçado dos andarilhos, pois que a bermuda e a camisa, como as meias e os tênis, nada têm em comum, não combinam, enfim, diferente do companheiro - sem alusão a partido político - apressado, à minha frente. Todos, então, vestem-se a caráter nesses dias de inverno emergente, ostentando grifes e marcas que não conheço. As senhoras, pior, capricham no visual e são no Parque, ao que parece, representantes, as mais elegantes, da finura provinciana. Dia desses, galega oxigenada, embora bonita, usava uma blusa marrom claro e uma bermuda da mesma cor, escura, porém, fazendo o gênero tom sobre tom. A loira de preto passa-me um rabo-de-olho, de soslaio. Não ligo! Considera-me um intruso, com certeza, posto, assim, no seio da elite. Como estava usando camisa com inscrição muito apropriada à reação - “Nào adianta me seqüestrar. Sou professor.”-, presente, aliás, de meu ilustre amigo Edir Carneiro Leão, que vem se especializando em convívios, desprezo o imaginário e sigo a seta, contando metros e quilômetros.
A mulher, quase ariana, que anda com o marido e os filhos, tem um quadril enorme, à moda das cadeiras, como se dizia dantes, em alusão às partes femininas protundentes, mas não inteiramente pudendas. Por certo, traz nas veias sangue d’África! A outra, na contramão, tem os cones lácteos balouçantes e extremamente volumosos, como se fossem grandes bolas prestes a vencerem a resistência da intimidade da centenária peça: o “soutien”. O barbudo cinqüentão anda de mãos dadas com moça de morenidade “Gilberteana” à mostra, a tirar pelas pernas que exibe e pela cintura pélvica que movimenta, na casa dos vinte. À saída, não resiste ao coco, mas atende o marido e se resguarda no carro, esperando a água e a polpa, abrigada de possíveis flechadas de cupidos ocasionais. Não sabe o colega de pista o trabalho que dá sustentar ligação assim, de muitos anos contados na diferença dos conjuges. Vai ter que freqüentar as discotecas todas da vida e rebolar o corpo cansado, já, no merengue da esquina. E com esse ciume todo, piorou! Quietinha no automóvel sorveu o líquido mágico, pediu uma laranja e sumiu, como todos os outros do parque, por um dia, apenas. Depois da caminhada, a parada obrigatória no estabelecimento do “Baixinho”, uma carroça, na verdade, com laranjas mimo e exemplares do fruto com o sobrenome de outro, a pêra. Ele e a mulher atendem à clientela com presteza, descascando e cortando, recebendo o Real e fazendo projetos.

2 comentários:

  1. Leitura leve e audaciosa. Deve ser lida, vagarosamente, para melhor avaliação. BOA.

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  2. Geraldo, você se supera em cada
    crônica, vá em frente.
    Atencisamente,
    Moacir de Novaes

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