O telefone foi uma das grandes invenções do homem. E o progresso, o desenvolvimento da tecnologia contemplou bem esse invento, aperfeiçoando-o ao máximo. Imagine o leitor que não sendo eu assim tão velho, ainda peguei na farmácia da esquina – a Farmácia Lobo –, na Avenida Visconde de Suassuna, um velho telefone, daqueles em que havia um bocal no qual se falava e se falava alto, contanto que o interlocutor pudesse ouvir. Enquanto isso, a mão esquerda sustentava o cone com o qual se ouvia, encostando-o no ouvido do mesmo lado. Naquela drogaria da infância, onde existia, como em todas as outras, uma propaganda do óleo de fígado de bacalhau, certa vez, um camarada indignado com a namorada discutia quase aos berros. Não me lembro do resultado, mas ao que parece, terminaram rompendo em outra ocasião o amor de passageiro.
Em minha casa, na infância e na adolescência, o equipamento inventado por Alexandre Graham Bell era preso na parede, não podia, então, ser deslocado. Atendia-se assim, encostado na janela da porta, olhando para o jardim, onde, quase sempre havia um mamoeiro com os mais deliciosos frutos. Era ali que Ivonete, arrumadeira e passadeira, pedia para ligar e falar com o fuzileiro de suas preferências. Eu procurava no catálogo o número, fazia a ligação e entregava a ela a coisa pronta. Era só abrir a boca e se explicar. Depois, claro, tinha o meu troco. Um beijo roubado e um abraço bem dado, sem falar no agarrado de bandinha. Foi ali que fiz a minha tia velha atender a um fictício chamado meu, dizendo que era do purgatório. E ela: “Já liga do purgatório?”. E eu, na sem-vergonhice da idade: “Estamos em fase de experiência!”. Foi de lá que liguei e pedi 100 pães a uma padaria. A vizinha quase mata todo mundo da rua, tal a raiva e tal o desespero.
Quando chegou ao Recife o telefone sem fio, uma peça capaz de se deslocar por toda casa, ouvindo e falando, estava num restaurante desses da classe média e vi o novo apetrecho. Não tive dúvidas, pedi ao garçom que me emprestasse e fiz uma ligação para meu pai, que era uma pessoa interessadíssima nesses inventos. Do outro lado ficou perplexo e providenciou, de logo, a compra de equipamento similar. Mas os primeiros desses aparelhos eram precários e não garantiam a privacidade de quem se utilizava do avanço. Foi assim que ouvi conversa de vizinha minha numa briga enorme com o namorado. Mulher bonita, de formas bem desenhadas, de pudor dentro dos limites do pós-moderno, ouvia do parceiro a admoestação: “Quenga safada! Mulher vulgar! Exibicionista!”. Isso porque ela transitava dentro da ambiência doméstica nua da cintura pra cima e o empregado do quintal, “Cachorro de Quintal”, no ontem dos anos, deliciava-se com a visão sempre agradável de seu corpo.
Hoje, o telefone ganhou a popularidade das ruas e de todas as classes sociais. O celular é quase um adereço de toda gente. Mas, o antigo trote nunca deixou de ser um recurso para quem deseja um relax. Sou fã dessa prática, isto é, se estiver estressado, não duvide o leitor, ligo para um número qualquer e passo o meu recado. Dia desses até, digitei (este o verbo de agora) o telefone de um veterinário e disse de minha precisão em fazer uma consulta; mas consulta sigilosa, secreta, porque tinha capturado uma raposa. A moça que atendeu à ligação ficou perplexa e disse: “Vou chamar a veterinária! Só ela pode resolver!”. De outra feita, tendo anotado o número de um certo orelhão, liguei e indaguei: “O senhor pode informar como estão as coisas por ai? É o coronel Ribembauer, mutilado da segunda guerra!”. O interlocutor de ocasião não imagina que não há mais coronéis assim, daquela conflagração e respondeu: “Tudo bem, coronel! Estou à sua disposição!”. Agradeci e desliguei. Pronto, relaxei!
(*) - Eis a crônica do telefone e de seus segredos; de sigilos nunca apenas cochichados. Diálogos secretos ouvidos, tantas vezes, por quem liga o equipamento e se encontra com um interlocutor de ocasião. Comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com
Divertida crónica, Geraldo.
ResponderExcluirSi hoy, en estos días, se nos ocurriera hacer una travesura de esas, el teléfono desde el que llamamos quedaría registrado y nosotros identificados de inmediato; es un adelanto para el estado policial, control absoluto y pérdida de libertad hacia el que caminamos, una concesión en aras del progreso: recuérde también los pagos con tarjeta (VISA...)
Un abrazo muy fuerte Doctor Geraldo.
Cada vez más me convenzo de que tiempos pasados fueron mejores.
Hermenegildo
Un fuerte abrazo.
Geraldo: ri muito, posto que você mescla conhecimentos que relembramos e o pitoresco dos fatos.Ótima!
ResponderExcluirA foto do neto também merece elogios. Lindo, muito lindo.
Um abraço Eliana
Olá Geraldo, adorei a crônica.
ResponderExcluirAchei fantástica a viagem ao tempo.Como é bom relembrar velhos tempos, tempos bem vividos...e comparar com a nossa vida atual.
Grande abraço
Tita araújo (Aldeia-PE)