segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Violão de Cremilda

Cremilda andava melancólica, achando a vida ruim, monótona. Não lhe bastavam as horas perdidas com a jardinagem, os momentos em que ajudava Biu no cultivo das hortaliças no quintal de casa, nem mesmo o bordado e o crochê davam satisfação. Era uma dona de casa com três empregadas e não tinha ocupação, quase se pode dizer. Vivia para o marido e este a tratava da pior forma, como se fosse uma cadela, dizia tantas vezes. Desocupada e triste, sequer o tinha como marido, haja vista a forma como ele se mantinha afastado dela. Matheus não tinha um afeto, um afago e muito menos a procurava. Era uma mulher só e solitariamente posta no jogo da vida. Tinha que arranjar o que fazer, um aprendizado, um instrumento musical que fosse. Na mocidade, lembrava sempre, estudara violão e poderia retomar as aulas, pensava.

Passava já dos 40 e precisava tomar uma decisão. Não queria ou não podia se separar, porque não tinha como viver, se sustentar e sobreviver dignamente. Era preciso duas coisas, imaginava com os seus botões, arranjar uma ocupação e ter um homem de verdade. Tudo isso sem perturbar o juízo de Matheus, homem duro consigo, mas incapaz de perceber que perdia muito do dinheiro que juntara a partir dos alugueis e dos investimentos em bancos. Isso lhe traquilizava o exercício do existir terreno. A sua amiga Clotilde tinha um professor de violão muito competente, homem dado aos sucessos da música brasileira que ela tanto admirava e que não se cansava de ouvir em suas horas mortas. Todas as suas horas eram mortas, achava! Ligou para a amiga, anotou o número do homem e fez o contato. Acertou as primeiras aulas em casa e começou um curso. Já estava no dedilhar das notas, de dó a si, todas bem aprendidas, sobretudo nas variações melodiosas. Ia vencer, disso não duvidava.

O mestre das cordas era um homem magro, longilíneo, com as mãos talhadas para o violão, achava. Tinha uma conversa aprumada, gostava das coisas boas da vida e muito se admirava da posição de Matheus, carrancudo o tempo todo, fechado com as pessoas. Dia chegou em que verbalizou: “Você não merecia um marido assim! Você é solta e esvoaçante, como se deu com um companheiro tão diferente!”. Ela não respondeu como deveria, pois gostaria de ter dito que só casou por conta do dinheiro, da casa bem abastecida, dos vestidos comprados nas boas lojas, como aquela no centro do Recife, da Madame Anita ou na Casa Sloper de seus refinados gostos, além das viagens que vez ou outra se dava ao luxo. Sempre sozinha, sem Matheus. E conversa vai, conversa vem, Demóstenes pousou a mão levemente em sua perna. Ela ficou suspensa no ar, não esperava por isso, quase desmaia de susto e de surpresa.

Há pouco passara situação parecida. É que hospedada como estava em flat na capital paulista – São Paulo –, fez amizade com todos os garçons do lugar e logo ficou conhecida como a “Apetrechada”, isto é aquela que é dotada de grande beleza física. Mas, a verdade é que ficava até as tantas e quantas no bar do hotel, tomando seu Campari com gelo. Quando já estava pra lá de Bagdá, chamava um dos garçons e com ele subia, ia se acomodar em seu quarto, sob os lençóis brancos de tão alvos trocados a cada dia pala camareira. Sebastião se tornara o preferido, indo quase todas as noites aos aposentos de Cremilda, mas ele mesmo não aguentava tanto, corria o risco de “Bater fofo”, que na gíria dos meninos do bar significava deixar de cumprir os compromissos. E ela se fez nesse mês e meio que passou entre os paulistas. Mais entre nodestinos migrantes que paulistas. 

E o susto com o professor de violão só passou quando o mestre se foi, saiu de casa e voltou para o seus cômodos.

(**) O texto acima é um arremedo de conto, que poderá ter seguimento ou não, a depender dos leitores e de suas respectivas opiniões. A ficção não é uma invenção do escritor, ninguém escreve o que não viu, ouviu ou teve notícias, essa é que é a grande verdade. Assim, Cremilda, não é uma única mulher, representa, em realidade, muitas das mulheres que vi, que ouvi falar ou que tive notícias. Escreva o leitor dando sua opinião, se o texto tem ou não continuidade. O faça no espaço mesmo do Blog ou para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com Os textos têm sido reproduzidos no Jornal da Besta Fubana. 

4 comentários:

  1. Jomar Ferreira Netto20 de junho de 2011 às 08:40

    O texto está interessante, dentro de uma narrativa que emociona e que gera aquele clima de suspense tão desejado no despertar da curiosidade do leitor. É claro que deve ter continuidade, pois viver a expectativa deixada pelo autor sem a devida conclusão será insuportável. Diria até que uma espécie de sadismo...

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  2. É claro que o texto deverá ser concluído. Foi criado um clima de interessante suspense. O texto, por sua excelência, não pode deixar seus leitores frustrados e decepcionados. O autor não vai fazer tamanha maldade, logo agora que a história esquentou e acendeu seus tambores...

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  3. Geraldo,
    Com essa sua vocação para observar as mundanas e os costumes sociais, essa história pode dar um gostoso, picante erótico e esperado conto.
    Mande brasa (esse termo ainda se usa?) Hombre de Dios! Estarei na fila dos pedidos de autografos. Sei quen isto pode virar livro
    Meu abraço,
    Girley Brazileiro

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  4. Geraldo,

    Concordo com os comentários acima: Deve ter continuação.
    No estilo picante, agradou e atraiu. Muito bom.

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