A morte continua sendo pra mim uma surpresa! Mesmo tendo acompanhado a tantos até o derradeiro suspiro, nos meus tempos da prática clínica e mesmo comparecendo, como já compareci, a mais de uma centena de cerimônias fúnebres - imagino -, não me conformo com este retorno: “E ao pó voltarás!”. E ando por aqui, confesso, um tanto quanto atrapalhado com a continuidade das coisas na largueza da eternidade, pois que dessa dimensão infinita não se tem notícias, senão aquelas da Palavra. E pelos relatos bíblicos existe uma compensação, mais do que justa, em função das dores vividas neste mundo insano ou resultante do padecer diário e do sofrimento das horas. Mas, nisso tudo são descontados os pecados, as faltas perpetradas contra os mandamentos sagrados, aqueles que envolvem os pensamentos, as palavras e as obras. Nos meus começos, entretanto, aprendi a contabilizar os erros na seara da carne e quase nada me disseram sobre a caridade e a fraternidade, a proximidade com o semelhante, tão abandonado, agora, neste mundo globalizado e desenvolvido. Havia no colégio em que estudei uma verdadeira neurose do sexo. E sexo é tão bom! Tão gostoso!
É difícil – está me parecendo isso! –, alguém preencher, inteiramente, os requisitos do pecado, isto é, falhar com a mais absoluta consciência do erro, fazer a opção na ocasião do ato pelos caminhos do mal, rejeitando o bem! Ora, quem assalta e mata ou quem rouba nas avenidas da cidade traz uma carga enorme de natureza social, um desregramento completo, nascido nos tempos da colonização e perpetuado pelos séculos. E quem persegue a outro, no trabalho ou em casa, criando toda sorte de dificuldades, vem muitas vezes de estruturas familiares deturpadas, completamente! O pai que espanca o filho na ocasião da fome e do pranto, chorando o grito do vazio do estômago, não teve, talvez, como comprar o leite! E por ai vão os episódios da existência, cada qual resultante de injunções vividas ou compartilhadas. Não que deseje aqui justificar tudo, o pecado e as faltas, as falhas, afinal, mas explicar o quanto o ser humano está sujeito às influências do meio e, sobretudo, àquelas do inconsciente. Não há criatura alguma, das que participam do grande banquete da vida, imune que seja, às distorções emocionais.
Assim, vale a pena entender a afirmativa cristã, muito difundida mas pouco aplicada: “Não julgueis, para não serdes julgados!” E isso não tira do estado a prerrogativa da condenação, dos acusados de assassinatos e tampouco dos salteadores! É preciso afastar do convívio social a gente cuja degeneração chegou a esse ponto, a do prejuízo social! Infelizmente! Mas, é necessário compreender as atitudes do homem no conteúdo dos respectivos contextos! A fragilidade humana é de tal forma significativa, que não vale a pena dissertar sobre os defeitos e os tropeços do semelhante! Cada qual cuide de si, de melhorar mais e mais, de amar e ser amado, de fazer da dedicação à família, aos amigos e ao trabalho a bandeira de todos os dias, cumprindo as metas da consciência. De que serve sentar e reunir os parentes ou aglutinar os companheiros para exercitar a crítica alheia? De nada! Todos nós trazemos n’alma essa marca, a da mais completa labilidade! Interessa, pois, contribuir com o outro, colaborar para o crescimento e o desenvolvimento, sem crítica, para a superação dos impasses, simples, tantas vezes, mas tomados pela complexidade do espírito.
Tenho refletido muito sobre essas coisas, sobre a minha fragilidade pessoal e a dos outros, a dos meus familiares e a dos meus colegas. E posso concluir, com base nos meus cabelos brancos e fundamentado na minha experiência de seis longas décadas, que o inferno anda vazio e os céus lotados de muita gente boa, cujos atos, na essência dos fatos, resultaram de atitudes nunca inteiramente pensadas! A prática do bem exige uma preparação do espírito para o inteiramente bom! E nós estamos mal preparados no sentido desse exercício! Na ocasião do juízo – ninguém disso se iluda! -, Deus, na sua grandeza infinita e sublime, há de contabilizar tudo isso e o saldo positivo vai prevalecer! Penso eu!
(*) - Uma crônica como todas as outras - ou quase todas - escrita há alguns anos. Publicada hoje como uma homenagem ao meu cunhado Heber Gama, precocemente falecido. Ninguém pode ou deve morrer com 55 anos de idade. Deus o tenha, então, na santa paz dos anjos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário