Estou pensando – pensando apenas – em escrever um livro reunindo as minhas histórias, sobretudo aquelas com um conteúdo pitoresco. Evidentemente, nada tem a ver com as minhas memórias, as quais, de uma forma ou de outra, as tenho divulgado no Jornal do Commercio, do Recife e aqui, neste espaço virtual. Confesso que tenho histórias – nunca estórias – em quantidade, e preciso somente começar a anotar certas lembranças, para depois desenvolver cada um dos temas em particular. Ninguém tem a capacidade de redigir tudo a uma só vez! Isso é um projeto lento e vai sendo construído aos poucos. Depende do aflorar dessas lembranças, já antigas agora. É claro que há outros projetos mais sérios antes desse pretenso volume, razão para não cumprir o compromisso de publicar mais um livro este ano, como pensava fazer. Não custa, então, ensaiar dois ou três fatos desses que tenho. Aqui e agora!
Era madrugada e eu estava no pavilhão de isolamento atendendo a um doente que passara mal. De repente, no fim do corredor, um grito forte de outro doente: “Me acuda, pelo amor de Deus!” Sai correndo e fui ver o desesperado paciente. Indaguei o que se passava e ele me fez a seguinte pergunta:“Qual foi o resultado do jogo do Brasil?”. Mas, meu amigo, disse de logo, como é que o senhor grita assim e ao final faz uma pergunta dessa? E a resposta: “Doutor! Aqui só se atende mesmo a quem está morrendo!”. Terminei rindo e informando que a seleção tinha perdido. O homem tinha leptospirose – vivia-se uma epidemia –, recebendo todos os dias a visita da esposa. Era interessante, porque ela não indagava se ele estava melhor. Dizia sempre: “Morreu?” E eu respondia: “Não morreu!”. E apareceu uma segunda criatura, com a mesma formulação: “Morreu?” Não morreu!”. Até o dia em que pude dizer a ambas: “Não morreu! E não morrerá mais!”. Tiveram uma decepção, queriam a previdência do penitente.
Pior o soldado de policia, que barrado à porta da enfermaria de doenças infecciosas – doenças contagiosas – ameaçou derrubar tudo a bala e entrar para visitar um parente ou uma mulher de seus afetos, já nem me lembro ao certo. Foram me chamar, porque eu era pau para toda obra, me obrigando a um diálogo inóspito com o autoritário policial: “Meu senhor! Isso aqui para ser construído foi um horror, para ser instalado precisou de uma enchente e a conseqüente epidemia de leptospirose. Não vale a pena derrubar tudo!” E ele insistia alegando a sua autoridade e a impossibilidade de ser barrado assim, como estava sendo, em qualquer lugar deste mundo de Deus. Sendo dessa forma, terei que desrespeitar as ordens do comandante da polícia, expliquei a ele, inventando coisa. E ele, mudando de idéia: “O senhor tem toda razão! Vamos respeitar as ordens do coronel!” E aquilo lá nada tinha a ver com militar e muito menos com a corporação. Mas, para milico autoritário, só três estrelas e três gemadas.
Depois, fiz um concurso para trabalhar em instituição fiscalizadora do exercício da medicina. Ia de hospital em hospital, de clínica em clínica, de serviço em serviço, a todos os lugares onde a ciência de Hipócrates fosse exercitada. Era um rolo! Uma vez, então, houve uma denúncia a propósito de certa instituição psiquiátrica, na qual os dias feriados passavam descobertos, sem médico plantonista. Num certo sábado, com a família toda no carro para ir à praia, decido comparecer ao estabelecimento em causa e lá chegando dirijo - me ao vigilante: “O médico de plantão, por favor?” E a resposta foi rápida e estudada: “Médico de plantão não tem, mas tem um enfermeiro ai que é mais competente que muito médico!” E eu: “Chame ele, por favor!” E veio um homem moreno escuro, de compleição física avantajada, dobrado como se dizia ou um guarda-roupa quase. Claro que não era um enfermeiro, mas um auxiliar. E só vendo a perplexidade da criatura, quando soube quem eu era. Foi processado o hospital e do resultado, francamente, não lembro mais.
Por fim, um caso de histeria em pleno ambulatório dos comerciários. A mulher estava toda dura, rígida como um cadáver, espumando e babando, os olhos virados. Parecia uma assombração! O colega que fazia o atendimento cuidava em medir a pressão arterial e auscultava o coração com todo zelo ou desvelo. Era novo, sem experiência em serviços de urgência e creio eu nunca tinha visto uma encrenca assim. Ia e voltava sem diagnóstico. Resolvi, então, intervir e chegando junto ao ouvido da paciente disse-lhe, cochichando: “E melhor a senhora ir embora. Estão se preparando e vão lhe operar sem anestesia." A mulher ainda hoje corre pela rua, desnorteada, sem paradeiro. E o medico, absorto, quando chegou, nunca entendeu o que se passou. A paciente curara sem mais nem menos. Um milagre, então!
(*) Crônica que publico ensaiando um possível volume das minhas histórias, pitorescas sobretudo, com o objetivo de sondar a reação do leitor e tomar coragem ou desistir da empreitada. Comente no Blog mesmo ou comente para pereira.gj@gmail.com Diga lá se vale a pena tomar a iniciativa e publicar tudo isso. Sem o leitor, francamente, ninguém faz nada.
Ótimas crônicas, Geraldo.
ResponderExcluirum abraço,
Não preciso nem dizer que me divirti bastante com essa nova crônica, parabéns Geraldo, sempre entro no seu blog, abraços pajeuzeiros
ResponderExcluirPai
ResponderExcluirComo sempre muito engraçado!!Serve para aliviar a pressão do dia-a-dia.
beijos
Pati
Geraldo,
ResponderExcluirVocê tem que escrever esse livro, sim. Vai ser, com toda certeza, um sucesso. Gostei demais da última história. A forma de contar é tudo. E você sabe fazer isto.
Vou cobrar! Viu?
meu abraço, homem de Deus.
Girley Brazileiro
Dr. Geraldo,
ResponderExcluirAs lembranças da infância, das brincadeiras, dos cheiros, das pessoas, bem como a análise crítica da sociedade atual, são marcas indeléveis de sua escrita. Todavia, a idéia de "contador de causos" se apresenta deveras interessante. Portanto, faço votos de que o projeto siga adiante. Um forte abraço
p.s.: como fora solicitado anteriormente, meu e-mail é marcusviniciusrocha@bol.com.br