O telefone, inventado por Grahn Bell e motivo dos encantos de Pedro II, parece ter sido o passo inicial para o extraordinário desenvolvimento das comunicações no mundo, de cujo progresso na contemporaneidade temos sido testemunhas e partícipes. Vez ou outra, porém, esse avanço da modernidade nos pega uma peça. Comigo, em particular, confesso, vou atraindo enganos e desenganos com interlocutores de ocasião. Gente que liga errado e gente que liga certo! Há quem pense que o prenome é exclusivo, que não tem homônimo em todo o globo terrestre ou há quem ouça diferente as respostas e as explicações do outro. Uns ligam para solicitar ajuda e se sentem no direito de ensaiar um preâmbulo interminável e alguns se imaginam num auditório qualquer e promovem um monólogo, com longas palestras ou com uma conferência atualizada.
Com o telefone celular, então, as falhas são ainda mais freqüentes. Gente que liga à cobrar e gente que se utiliza do artifício do toque: um toque apenas e se aguarda o retorno. De minha parte, podem ficar descansados os justos e os penitentes, eu não retorno. O homem rude me ligou e queria à força que eu lhe confirmasse que era o dono do armazem de construção onde fizera as compras. Não adiantou negar e renegar! Finalmente decidi pela resposta: "Eu sou o Coronel Ribenbauer, mutilado da Segunda Grande Guerra, se repetir a ligação considere-se preso!". Ora não sou militar e não poderia ter sido daquela beligerância mundial, sem que estivesse distante daqui, nas paragens do infinito das coisas. De outra feita, resolvi fazer o contrário, telefonar dando um trote. Escolhi Michelson, figura aqui das amizades de minha filha, e não tive dúvidas: "Michelson! Acorda! Enterra os cavalos, enterra os cavalos, eles vêm ai. Eles estão chegando!". E o rapaz, surpreso, respondia: "Eles? Quem são eles? Que cavalos? Onde os enterro?" E deixei o dito pelo não dito.
Pior com um vendedor de cartão de crédito, desses que estabelece o colóquio trazendo informações que os desavisados acreditam, piamente: “O senhor foi indicado como cliente especial!” Vejam só! Dá até raiva! E fez a apologia de seu produto, apontando ganhos e benesses. Interrompi o discurso e mostrei que já operava com o seu cartão e interesse não tinha em trocar ou acrescentar, inclusive porque nos seqüestros de agora, relâmpagos, com ou sem trovoadas, é melhor dispor de apenas um desses apetrechos modernos. O diligente propagandista, no entanto, entendeu: “O senhor foi operado do ouvido?”. Que operado do ouvido, enha respeito, retruquei de logo. E para me livrar do incômodo, adiantei que não me interessava continuar a conversa com quem não compreende o que digo ou o que falo! Desculpou-se e desligou. Nunca mais ligou! Graças a Deus do céu!
A moça da creche liga mais uma vez, ignora o meu nome e me chama de Gilvandro. Digo-lhe que ele não mora aqui, propriamente. Indaga o meu prenome e eu caio na besteira de revelar. Invoca o meu coração e pede por Rebeca, uma criança desnutrida e pobre. Ofereço-me para resolver o problema numa instituição e digo que o governo cuida desses casos. Demonstro a intenção de ir lá, fazer uma visita, como quem não quer, querendo. Não liga mais! E a adolescente, que verbalizou as pornografias todas do vernáculo e que ao final indagou: “Quem fala?” É o bispo, respondi, porque só dizendo isso! E ela, dirigindo-se à outra circunstante: “É o bispo! Vou desligar!” E do jeito que ligou, desligou!
Por cima de tudo isso, as moças e os moços, também, do telemarketing, achando pouco o que se passa, usam o gerúndio para tudo. Assim: “Eu estarei ligando para o senhor...”. “Eu estarei enviando para o senhor...”. Não resisti: “Moça! Fale direito!”. Desligou!
(*) A crônica é uma mistura de episódios e de tempo. Uma homenagem singela a Michelson, que disse ser meu leitor - será? - e que gostaria de ser como eu sou. Bem humorado e descontraído. Uma projeção, então, que só Freud pode explicar.
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