Eu penso que não sou supersticioso – apenas penso –, mas quem puxar por mim, menos que seja, há de encontrar sinais evidentes de minhas crendices, de meus presságios. O meu pai era assim, negava o medo dos agouros, mas demonstrava temor diante de seus pressentimentos. A minha avó paterna, da mesma forma, cuidava em manter as suas chinelas – era assim que chamava – na posição correta, não admitindo a possibilidade de vê-las emborcadas. Contava histórias de arrepiar, trazidas na bagagem da memória; memória de menina de engenho. Parente seu – acho que irmão – tendo estudado na Inglaterra, apaixonou-se por uma londrina bem parecida e trouxe a noiva a tiracolo. Casou-se e viu a barriga da mulher crescer, avolumando o ventre. Nasceu uma menina, mas a mãe faleceu. Um horror! Saiu de Londres e morreu no interior do Rio Grande do Norte.
O corpo da mulher foi sepultado em terras do engenho, em lugar que terminou protegido com uma cerca de ferro bem urdida, decorada com arcos e espirais. Na cidade corria o boato de que Dona Emma fora enterrada com as jóias que possuía, despertando a ambição do povo. O diabo passou a cutucar com vara fina o juízo de toda gente, tentando aqui e tentando ali. Uns sonhavam com o tesouro e outros acordavam contando o pesadelo da noite. A defunta sofria com as labaredas do purgatório. Era preciso tirar isso a limpo, pensavam todos. Na farmácia de seu Neco reuniram-se os homens valentes da cidade: 5 ou 6 dos habitantes. Combinaram dia e hora para a abordagem da tumba encantada e no dia marcado, novamente, se juntaram e partiram em direção ao local.
Fizeram a cuidadosa retirada da grade e com o auxilio de enxadas e picaretas começaram a escavacar o derradeiro repouso da mulher que viera de tão longe por amor e por amor – quem sabe? – morrera, sem que pudesse criar a filha que lhe homenageava agora com igual prenome. Foi morte de parto, como tantas outras neste mundo de Deus! Quando o trabalho já estava na metade, muita areia sendo retirada e a metralha encostada nas tralhas que encontraram, eis que uma cobra sai às carreiras e assombra a valentia de todos. Foi homem correndo pra todo lado, as pernas tremendo feito vara verde e o sangue subindo nas veias e colorindo de vermelho as faces apavoradas com o quadro. Foi o suficiente para se espalhar que Dona Emma virou cobra! E a boataria tomou conta da cidade, percorreu as casas todas e os botecos, as ruas e a praça, sendo ainda hoje um bom enredo para os velhos contadores de histórias.
E a minha avó se criou com essas coisas na cabeça. Tempo chegou em que meu pai perdera o emprego que tinha e precisava arranjar outra colocação, na dependência da vontade do Governador do Estado. E a nomeação não saia, não havia jeito, dia após dia, nada. Foi quando Dona Beatriz teve um estalo e me chamou: “Menino, é o seguinte: seu pai depende desse emprego e precisa ser nomeado. A coisa não se resolve por conta dessa pomba que você está criando. Jogue ela fora!”. A sentença soou em minha cabeça como o ruído de uma lança que me traspassava o cérebro. Logo a pombinha! Uma avoante que me deram! De nada serviram os meus argumentos de que era uma superstição, uma crença, apenas. Ela estava decidida. Hesitei uns três dias e dei a arribação. Pois no dia em que dei o pássaro, saiu a nomeação e ai não havia mais dúvidas quanto ao azar do pombo. Foi danado!
Vez ou outra lá por casa, estando um dos netos doente, ela não tinha dúvidas e convocava os serviços de Dona Mimi, de quem já falei por aqui, neste espaço virtual em que escrevo. A velha, toda vestida de preto, em luto perpétuo desde que enviuvara, há coisa de 20 anos pra trás, tomava na mão um galho de mastruz e abençoava o paciente, assistindo de camarote o ramo murchar, como murchariam todos os outros ramos do mundo se tirados da planta. Recomendava para o olhado alheio o pinhão roxo ou mesmo plantar arruda no jardim. Quando um urubu ousava posar lá por casa, atraído, que fosse, por um mal cheiro qualquer, era um desadoro para minha avó e a casa caia se o bicho continuasse bisbilhotando o terreiro.
Desejando comentar, não hesite, escreva para pereira@elogica.com.br ou para pereira.gj@gmail.com Ou se não desejar, não escreva e não comente.
Fizeram a cuidadosa retirada da grade e com o auxilio de enxadas e picaretas começaram a escavacar o derradeiro repouso da mulher que viera de tão longe por amor e por amor – quem sabe? – morrera, sem que pudesse criar a filha que lhe homenageava agora com igual prenome. Foi morte de parto, como tantas outras neste mundo de Deus! Quando o trabalho já estava na metade, muita areia sendo retirada e a metralha encostada nas tralhas que encontraram, eis que uma cobra sai às carreiras e assombra a valentia de todos. Foi homem correndo pra todo lado, as pernas tremendo feito vara verde e o sangue subindo nas veias e colorindo de vermelho as faces apavoradas com o quadro. Foi o suficiente para se espalhar que Dona Emma virou cobra! E a boataria tomou conta da cidade, percorreu as casas todas e os botecos, as ruas e a praça, sendo ainda hoje um bom enredo para os velhos contadores de histórias.
E a minha avó se criou com essas coisas na cabeça. Tempo chegou em que meu pai perdera o emprego que tinha e precisava arranjar outra colocação, na dependência da vontade do Governador do Estado. E a nomeação não saia, não havia jeito, dia após dia, nada. Foi quando Dona Beatriz teve um estalo e me chamou: “Menino, é o seguinte: seu pai depende desse emprego e precisa ser nomeado. A coisa não se resolve por conta dessa pomba que você está criando. Jogue ela fora!”. A sentença soou em minha cabeça como o ruído de uma lança que me traspassava o cérebro. Logo a pombinha! Uma avoante que me deram! De nada serviram os meus argumentos de que era uma superstição, uma crença, apenas. Ela estava decidida. Hesitei uns três dias e dei a arribação. Pois no dia em que dei o pássaro, saiu a nomeação e ai não havia mais dúvidas quanto ao azar do pombo. Foi danado!
Vez ou outra lá por casa, estando um dos netos doente, ela não tinha dúvidas e convocava os serviços de Dona Mimi, de quem já falei por aqui, neste espaço virtual em que escrevo. A velha, toda vestida de preto, em luto perpétuo desde que enviuvara, há coisa de 20 anos pra trás, tomava na mão um galho de mastruz e abençoava o paciente, assistindo de camarote o ramo murchar, como murchariam todos os outros ramos do mundo se tirados da planta. Recomendava para o olhado alheio o pinhão roxo ou mesmo plantar arruda no jardim. Quando um urubu ousava posar lá por casa, atraído, que fosse, por um mal cheiro qualquer, era um desadoro para minha avó e a casa caia se o bicho continuasse bisbilhotando o terreiro.
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Meu amigo, Homem de Deus!
ResponderExcluirVocê, hoje, abusou de fazer magia com as palavras. Essas histórias contadas por outro qualquer não teriam a vida que sabes dar.
O clima criado no seus enredos me transportou a cada situação descrita. Parabéns. Comece a organizar um livro com estes causos. Vai ser um sucesso.
meu abraço,
Girley Brazileiro
cruz credo, bangalô... bate três vezes na madeira!
ResponderExcluirÉ minha crendice, agora, ter sempre um bom dia, depois da leitura de seus "causos". Abraços, CD