quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Quase Limusine do Vigário


Os meus amigos e colegas, conhecidos, também, costumam contar as próprias histórias, à semelhança da narrativa de Edivaldo Ferreira de Lima, motorista do Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp/UFPE). Foi ele quem trouxe o mote em duas de minhas crônicas, ambas incluídas aqui, neste espaço virtual, o meu Blog. Consulte o leitor Carreta Truncada ou Lábios de Mel e há de encontrar o nome dessa figura que dirige os automóveis do Nusp. Agora, dia desses, outro amigo, dessa vez com o nome a ser preservado e o cognome aqui de Fagundes, me contou uma ótima. E eu vou contar por cá, preservando o protagonista, o vigário e o motorista. Tudo sem querer rimar, mas rimando.
Fagundes, na verdade, é um velho amigo, colega dos bancos de escola, companheiro de tardes mal cuidadas nos corredores do Colégio Nóbrega, extinto agora, como tantas outras coisas boas do centro da cidade. Ninguém se lembra da sorveteria Xaxá, na bifurcação da Avenida Oliveira Lima, quando a rua continua e toma o nome de Riachuelo, mas deixa para trás a Corredor do Bispo. Ali, naquela quina de rua, as meninas do Eucarístico e do Arquidiocesano fiavam conversa com a rapaziada do Nóbrega. Foi dali que sai andando, certa vez, para a antiga Escola Normal, e à indagação do meu nome, respondi na bucha: “Me chamo Gerúndio!”. Quando eu passava era uma festa: “Gerúndio! Gerúndio! Gerúndio!”. É que eu tinha um chamego – uma namorada –, não podendo, então, me expor. E por Gerúndio fiquei bom tempo.
O nosso Fagundes era amigo do motorista do vigário, cujo carro, uma quase limusine preta, rabo de peixe, brilhando feito espelho de donzela às oito da noite, ficava disponível na garagem da paróquia. Ele e o chofer do incrementado veículo, com rádio, cinzeiro e acendedor de cigarros, saiam às tantas e bote quantas em direção às ruas do pecado, foi o que me disse. Por lá, depois das 12 badaladas da meia-noite, juntavam Zefinha e Marinete, Gelda e Ciça, todas da pensão de Dalvina. Gente de gabarito, vestida de longo, usando perfume francês e acenando para a Rainha da Inglaterra como se fossem da burguesia decadente. Pois lá iam elas, juntas na limusine, sentadas atrás, apertadas feito sardinhas portuguesas enlatadas no azeite, mas gostosas. Iam passear em Boa Viagem, tomar o fresco do mar e quando encontravam para vender, sorver uma água de coco à temperatura ambiente. Pareciam gente boa, gente fina do lugar!
E o pároco, do alto de sua condição de monsenhor, portador do título de doutor pela Gregoriana de Roma, camareiro papal por derradeiro, inocente de pai e de mãe, dormia e sonhava com os querubins e os serafins; com todos os anjos da guarda celestial. Até que um dia, às 10 horas da manhã, bateram na porta da casa paroquial. Atendeu a irmã do cura, sua secretária nas coisas da igreja. Era Dona Dalvina! Uma figura desconhecida de Alzira, a irmã e secretaria do monsenhor: "Que deseja, indagou?" E a cafetina foi logo se explicando:
- Minha senhora! É o seguinte! Eu vivo do meu trabalho! Tenho uma casa de tolerância com 6 mulheres residetnes e mais 14 frequentadoras! São 20 ao todo! Tem mais um veado e uma agregada, puta velha do pátio do mercado! É que o tal do Fagundes, junto com Eudócio, motorista daqui, devem de mulher, bebida e comida, exatos CR$500,00. E eu quero receber! E a senhora vai me pagar! Se assim não for, meto a boca no trombone e a paróquia toda vai saber.
- Valha-me Deus do céu! Valha-me Nossa Senhora das Graças! Valei-me Santo Amaro da Purificação! Valei-me os santos e os anjos todos dos céus!
E chamou o sacerdote, porque um caso como este não podia ficar no ora veja das coisas. O padre levantou-se de sua cadeira de balanço, onde gostava de ler os jornais do dia e foi tomar ciência do mal feito. Ouviu a dona falar e chamou os dois à sua presença e não houve explicações que justificassem a desdita. Eudócio perdeu o emprego e Fagundes foi renegado, posto pra fora da paróquia, perdendo as benesses da limusine e da mulherada da zona.
Mas o pior foi que Alzira fez as contas do dinheiro, separando cédula por cédula, juntando os níqueis disponíveis e quando já estava com a quantia reclamada, virou-se para o cura, seu irmão, e disse: "Pronto! Tenho em mãos CR$ 500,00. Dom Libório, homem respeitador, figura de uma quase nobreza imperial, deu um esbregue na mulher: "Cuida na vida mulher! Esse dinheiro é o da igreja, foi arrecadado pelo dízimo, são recursos sagrados!". E Alzira largou o apurado e foi buscar a "burra" do sacerdote, na qual ele juntava a grana de seu ordenado de professor, cujo salário, quinhão por quinhão, foi parar nas mãos de Dalvina.
E ficou o dito pelo não dito! Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato, senhor rei mandou dizer que contasse quatro. E eu por cá vou publicando!
Viva!
(*) - Observo ao leitor que já recebi uma nova ligação de leitor desse Blog, com três ou quatro histórias, nunca estórias. Duas dessas já esqueci, porque a memória vai dando sinais de fraqueza, mas publico tudo o que lembrar, numa presteza do grande "Boca da Noite", contador e protagonista das narrativas. Comente por favor, no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

Um comentário:

  1. Geraldo:
    Muito boa a sua crônica.Você é um excelente contador de histórias. O leitor se deixa levar pelo seu bom humor, que você tão bem sabe dosar.
    Bom que você, como escritor, não deixa apagarem os fatos marcantes que lhe trazem tantas saudades.Amei.
    Eliana

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