Precisei arrumar o meu gabinete! Afinal, o meu neto Pablo de prenome, minha filha Fabiana e o meu genro Gonzalo estavam pra chegar e minha mulher alertou para a necessidade de se ter a casa nos trinques. Foi uma mão de obra, francamente, esse exercício de relocar ou de realocar livros, papeis e textos dando uma certa ordem, quando a desordem facilita o meu trabalho de escrever e de reescrever os meus artigos e os meus livros. Veja só o leitor! Mas, fiz! O interessante é que no meio das minhas coisas encontrei fotos antigas enviadas por meu pai à sua irmã Dalila, em Juiz de Fora (MG). Dentre essas, uma chamou-me atenção: a de minha avó paterna. Já conhecia a pose da matriarca, mas nunca tinha parado e atentado para os detalhes. Embora tenha me detido, particularmente, na genealogia de meu neto Pablo. Talvez eu esteja me arvorando em campos alheios; sociológicos campos de outros autores e de outros estudiosos. Mas, andei meditando a propósito.
Há um oferecimento no verso do retrato. Assim: “Para Dalila, a nossa querida mãe aos oitenta anos – lúcida, vaidosa e bonita. Nilo. 8-1º-957”. Isso faz crer que fosse nascida em 1877 (talvez 1876), a 2 de julho de 1877, o ano da grande seca no Nordeste, sobretudo na cidade em que nascera e vivera grande parte da vida: o Ceará-Mirim. Não lembrava, propriamente, da catástrofe, mas de ouvir dizer, muitas vezes, me contara o drama da gente daquele rincão, fugindo da terrível intempérie. Retirantes que migravam em busca de um quase nada que se podia oferecer; levas e levas de maltrapilhos, esfarrapados e famintos. Mas, o meu pai nunca imaginou que 53 anos depois desse momento para sempre fixado no papel, estivesse eu, seu primogênito, fazendo análises sociológicas ou antropológicas sobre a imagem. Ela própria trisavó de Pablo.
A verdade é que a figura de minha avó, Beatriz Pereira, representa neste retrato, exatamente, a viúva de outros tempos, daqueles anos 50 mesmo, além de que o seu biótipo era, justamente, o comum das senhoras do chamado pós-guerra: matrona, gorda. O preto de seu vestido – talvez fosse um azul muito escuro – representa o traje de que se valeu por toda a viuvez. Era um hábito, depois do falecimento do marido, a mulher manter a vinculação marital assim, expondo a toda gente a sua viuvez. Note-se mais que é um vestido longo, chegando quase aos pés. O broche que traz no decote era um adereço comum, usado frequentemente. Por vezes, esse adereço trazia a fotografia do esposo morto ou trazia os cabelos de um dos filhos, do primogênito ou de um rebento que falecera precocemente, deixando saudades. Veja o leitor que ela traz na mão esquerda, no dedo anular, um anel ou uma aliança, já não lembro. Era costume usar as duas alianças, a de seu uso pessoal e a do morto. Não sei, porque não lembro, se ela fazia assim! Ao lado a fotografia de Manoel Varela do Nascimento, avô de Beatriz e Barão do Ceará-Mirim. No caso, pentavô de Pablo. Feio este homem!
Observe ainda o paciente leitor que o fotografo não teve alguns cuidados que seriam comuns no hoje dos dias. Não mandou retirar a cadeira que compõe o cenário. Isso, se trouxe no passado uma ideia de certo relaxamento estético, pode no presente demonstrar como se fazia para compor o alpendre de outrora. Uma cadeira dura, toda em madeira, pesadona. Em certos casos, como numa dessas peças de balanço, havia um almofadão preso por tiras ao longo do assento e do encosto, tornando o móvel mais confortável. E o fotógrafo, também, não se preocupou com as manchas que estão à direita de minha avó, na parede, prejudicando a estética do retrato. Do lado esquerdo uma fotografia, de todas a mais recente, de meus pais, Nilo e Lila, bisavós de Pablo.
(*) Ao meu paciente leitor adianto que já tenho uma nova história, em tudo pitoresca, para o espaço. Narrativa que me foi passada por "Boca-da-Noite", figurante interessante nessas paragens virtuais da crônica quase um conto. Comente se desejar! O texto é dedicado a Pablo, meu neto, espanhol e brasileiro, brasileiro e espanhol, ainda analfabeto, porque com 8 meses de idade não poderia ser diferente. Viva!
Quem puxa aos seus não degenera, já diz o ditado popular. Incrível como você tem traços de sua avó.
ResponderExcluirNão obstante os diversos rumos genealógicos das pessoas, vamos acabar nos encontrando num passado (quase) remoto nos sertões potiguares, afinal vim de lá também.
Abraços conterrâneos.
A arrumação do seu gabinete nos rendeu uma bela crônica, que me leva a uma grande saudade da avó oitentona.
ResponderExcluirOs tempos mudaram, mas aí estão as origens dos rumos genealógicos.
Abraços
Que delícia perder-se nos comentários atentos, diante de uma foto antiga... A-do-rei!
ResponderExcluirValeu, amigo!
MARIETA