Corria o mês de maio e eu já antevia as minhas férias, as brincadeiras em Carpina, a conhecida Floresta dos Leões. Em certa noite friorenta, no entanto, eu ouvi quando bateram fortemente na porta. Batiam e gritavam, tudo ao mesmo tempo: “Me acudam pelo amor de Deus! Me socorram! Estou desesperada! Antônio, meu marido, morreu!”. Era a Dona Monteiro chamando pelos padres, pedindo um auxílio em momento de tanta perturbação d’alma. Morrera o seu marido, o Toinho de Zefa, como era mais conhecido. Desceram vários dos padres ali residentes. Quatro, cinco ou seis deles e o prior designou o único frade que ali estava, quase diria hospedado, porque sendo carmelita, faltara com as regras da ordem e se refugiara por lá, enquanto os seus superiores deixavam passar a eclesiástica raiva. Era o frei Domingos. E o pior, me designou como acólito, para acompanhá-lo na espinhosa missão. Nunca tinha visto um defunto em minha vida e estava tremendo de medo, sem saber o que enfrentaria. Aprendi que de nada serve antecipar as questões.
Em casa de Dona Monteiro não havia mais nada a fazer. Realmente, o homem estava estirado no banheiro, onde vomitara muito e onde caíra sem vida, depois de uma dor fortíssima no peito. Foi serviço para se trazer o corpo de volta à cama. Nesse momento, apareceu seu Teles. Ninguém sabe bem de que buraco naquela casa surgira o homem! Disse que passava e vira o desadoro, por isso entrara. A verdade, porém, só depois se pôde saber, é que o amante se encontrava aos abraços e beijos com a sua amásia, quando o marido acusou de lá uma dor violentíssima no tórax, o que fez a mulher largar o amásio e correr para assistir o esposo. Levantamos, afinal, o defunto do chão e o trouxemos ao leito conjugal e ali o nosso Frei Domingos rezou a oração devida aos que sucumbem assim, em hora inesperada, sem acesso à confissão e sem direito à comunhão. Não havia mais como administrar a Extrema-Unção e a encomendação do corpo seria feita no dia seguinte, antes do enterro, pelo padre Bernardo, certamente.
O que mais me intrigou naquele movimento todo foi a presença do amante, figura que de minha cela via todas as noites na réstia do quarto da frente, no maior chamego com dona Monteiro. E ele, com cara de pau, ainda estava lá, na cena funesta da passagem, como se nada tivesse acontecido. Ainda mais mentindo! A partir desse episódio, passei a entender melhor a criatura humana ou passei a compreender que o próximo não é tão confiável como pode parecer à primeira vista. Isso marcou, definitivamente, o meu ser. Nunca mais acreditei em ninguém à primeira vista. Talvez tenha sido a minha primeira decepção. Pois é, só depois fiquei sabendo, pelas conversas com os mais velhos, que o Frei Domingos era um sacerdote de qualidades duvidáveis, também, porque tinha uma mulher em cidade do interior e sustentava um dos filhos com um táxi; filho, aliás, que lhe servia de motorista. Ninguém presta neste mundo de Deus, pensava com os meus botões.
Passado o choque, veio a tranquilidade, porque está escrito, depois da tempestade vem a bonança, e tudo voltou à normalidade naquela moradia de classe média e de boa aparência. Não havia prole do matrimônio e a dona da casa passou a administrar os bens e a minguada pensão que lhe deixara o consorte com todo o rigor do mundo. O Teles, que se esperava fosse mais frequente em suas visitas e mais facilmente pudesse se juntar à concubina, foi se afastando aos poucos. Comentava-se no seminário, à boca pequena, que o homem não chegaria a se amancebar com ela, com Monteiro. Ao contrário, terminou desaparecendo da cena noturna. É isso, imaginei, para que exista o amante é preciso que o marido persista e permaneça, para compor o cenário doméstico da traição estabelecida. O mundo foi, então, se aclarando mais e mais para mim, com uma decepção depois de outra. Um horror!
O meu quase filme de todas as noites desapareceu, tragado pela monotonia da viuvez. E Dona Monteiro, passou a comparecer com regularidade aos ofícios religiosos. O mês de Maio era consagrado a Nossa Senhora e ela fazia questão de tirar o terço e de rezar o rosário, tintim por tintim, mistério por mistério, uns gozosos e outros dolorosos. Confessava-se com o padre Bernardes e comungava regularmente, chegando a ponto de o fazer todos os dias. Não se tinha notícia de amizade para o lado de Dona Monteiro, senão com os padres do seminário e com os alunos da Casa. Virara uma santa então. Vez ou outra, porém, eu aparecia na janela da cela e fazia o meu levantamento habitual. Qual não foi a minha surpresa, quando flagrei o Frei Domingos, o carmelita, entrando sorrateiro na casa da viúva. Demorou-se lá dentro e só saiu, coisa de duas horas depois, calmo e sereno, em paz consigo mesmo, como deu a entender.
- Ah, frei Domingos! Como parece um santo, mesmo na agitação de espanhol da Galícia, fumante inveterado e o mais inquieto de todos os homens que vi em minha vida. Mas, tão mulherengo quanto qualquer dos portugueses que conheci ou qualquer dos brasileiros que vi em meus convívios. Eu vivia de tocaia naquele lugar, cheguei a pensar que essa era a missão que desempenhava na vida. Por isso, um certo dia até, encontrei o espanhol agitado conversando sentado numa mesa grande da sacristia com uma moça do arruado. Neide se chamava e não tinha mais que 38 anos de idade, solteira e desimpedida. O frei Domingos sentado próximo à interlocutora, estirara o braço esquerdo e alisava o braço da penitente com a qual fiava conversa. Só que os dedos do frade chegavam à axila de Neide e ali deixavam o carinho de seu afago. Nunca tinha imaginado que a região acariciada ou apenas alisada fosse algo significativa nas coisas do sexo. Mas era! Vi de soslaio essa aproximação do carmelita e sai de fininho, me esgueirando pela porta e desaparecendo no meio do claustro.
- Fradezinho insistente, mesmo nos seus mais de 50 anos de vida. De outra feita estava com ele na casa de Dona Monteiro, quando ouvi o elogio que fez ao sutien da mulher. Só depois notei que a peça de lingerie era preta e rendada, aparecendo discretamente na blusa da viúva por tantos considerada encantadora e sobretudo misteriosa. Realmente, ele gostava dessa parte da mulher, razão para ter dito, como disse, a Neide, aquela da sacristia: “Você tem os seios mais lindos que já vi!”. E foi isso que me chamou a atenção e me fez parar e olhar a má intenção do homem. Homem de saia, vejo hoje em dia, de ninguém merece confiança e disso fiquei certo. Só juiz, acrescento agora!
Seu geraldo eu sou subrinho margarida da uspi
ResponderExcluirela fala senpre de vc,vc gosta de istoria de frocori eu conheço muitas estoria de trancoso