O dia das mães vai se aproximando, mas dessa vez tudo será diferente. Não posso mais ligar, como fiz por anos seguidos, para a sua casa bem cedinho, antes que o sol raiasse por inteiro, às 6 horas em ponto, tantas vezes. Você sempre foi assim, acordava com o galo e ia dormir quando a noite já estava alta. Os seus cuidados, aqueles que tinham vindo da infância – “Meu filho como está você? E a gripe? E a febre?” –, essas coisas passaram em suas inquietações. Nem sei mais se alguma coisa pode lhe inquietar de verdade. Não, não pode! Sequer a minha fisionomia lhe diz alguma coisa: “Mãe! É Geraldo!”. E as respostas – “Sim! Como vai?” –, raramente são verbalizadas. Nunca mais ouvi aquela sentença própria de seu vocabulário diante de minha pergunta rotineira – “Como está você? : “Sem novidades!”. Não há novidades, mas também não há como expressar mais. Cada vez que lhe vejo, confesso, volto arrasado, sorumbático e triste.
Uma de suas perguntas me deixou sem resposta: “Para morrer precisa sofrer tanto?”. Não deveria precisar. Se eu pudesse fazer alguma coisa, francamente, a deixaria dormindo o dia todo, a semana inteira e o mês, contanto que não ouvisse mais de sua boca esse quase desespero de seu viver. Não tive nada a lhe dizer quando você me disse: “Eu estou morrendo!”. É, minha mãe, infelizmente este é o desiderato da hora, a sentença que lhe vai sendo imposta aos poucos pela doença. Não há doença, há doentes, diziam os meus mestres, todos, praticamente, encantados no infinito das coisas. Pois é, esta é uma doente especial, porque é minha mãe e o que ela passa eu quase passo também. Uma mãe é especial para todos os filhos, mas no seu caso em particular: especialíssima!
Estava pensando com os meus botões, há pouco: como o tempo passou rápido. Faz alguns anos – ou faz muitos anos? – eu era menino bem menino. Corria pelo quintal feito um desadorado e você, diante da minha presença no olho do mamoeiro, dizia: “Desça pelo amor de Deus! Se o pé de mamão cair você também cai!”. E eu alegava o risco de ir de castigo, mas a sua negociação era sempre cumprida, eu podia descer que não seria punido. Raras as vezes que me sentei na cadeira da sala posto em castigo, calado e contido, sem olhar para os lados. O seu coração mole de mãe me liberava rapidamente. E quando o comercio deu ênfase ao dia das mães, eu cantava assim: “...Eu te lembro chinelo na mão/O avental todo sujo de ovo/Se eu pudesse/Eu queria outra vez mamãe/Começar tudo, tudo de novo...”. É não é possível começar tudo outra vez, mas que dá vontade, dá.
É isso, minha mãe. Não tenho mais como ouvir os detalhes do presente: “Uma fazenda azul de algodão, 100% algodão.”. O vestido já não lhe basta, é a camisola que a veste de sol a sol no isolamento de seu quarto. Vou comprar uma camisola com as mesmas características, da cor de seus gostos e do mais puro algodão que encontrar, mas isso é um sinal péssimo para mim. Ah se eu pudesse transformar a fotografia que está atrás de si, o retrato de seu casamento, em realidade! Queria vê-la andando como qualquer um, falando sentenças com nexo, indagando e respondendo a contento. Mas, não posso mais! Deus lhe abençoe digo agora, invertendo os papeis.
Feliz daquele que tem tantas lembranças gostosas para guardar, quando chega a inadiável hora de ver partir gente que a gente ama!
ResponderExcluirParabéns pela homenagem à sua mãe, que vai fazer bem a muitos.
MARIETA (marietaborges@uol.com.br)
Fazia tempo que eu não me emocionava assim, pai. Sempre me pergunto: Onde está vovó? Ela não é aquela que visito aos sábados...
ResponderExcluirSaudade do tempo que ela ligava diariamente pra nossa casa perguntando como estávamos e se precisávamos de alguma coisa. Esse e nenhum outro tempo volta.
Linda crônica, pai. De tão linda, me fez chorar muito.
Beijo grande.
Caro amigo Geraldo, aqui na Espanha, ao ler sua palavras meu coraçao emocionou e certamente uma mae é sempre uma mae. Parabens Professor por chear ao coraçao das pessoas. Abraços.
ResponderExcluirLinda crônica Dr. Geraldo.
ResponderExcluirQueria poder lhe dizer palavras de conforto, mas cheguei a conclusão de que não dizer nada é mais sensato.
Só desejo o mesmo que o senhor, que Deus a proteja e que o Espírito Santo, o Consolador, esteja presente em sua família quando sua mãe estiver na presença do Pai.
Um forte abraço,
Patrícia Medeiros
Amigo Geraldo, parabéns pela crônica. Vejo várias mães dentro de seu texto. Foram pessoas queridas que o tempo levou, e, como sua Mãe, fizeram o mesmo caminho destinado à todos nós. Mas, fica a certeza de que elas nos ensinaram a amar a todos como filhos e pais. Abraços.
ResponderExcluirGibson Machado
djanira silva disse... Fique triste não, Geraldo, o que você não sabe é que as mães guardam os filhos dentro dos olhos. lá, no colo das lembranças, preservadas pelo esquecimento. Quando a minha se foi, levou-me aos fechar os dela. De mim ficou apenas a capacidade de lembrar.
ResponderExcluirQuanta emoção. Quanto amor. Amigo, você é mesmo especial. Dona Lila, como a chamava dr. Nilo, está eternizada, não duvide nunca. Um grande e solidário abraço da amiga, Djanira
8 de maio de 2010 10:34
Geraldo: profundamente emocionante, principalmente, é claro, porque é minha mãe, também.
ResponderExcluirVê-la como está é uma dor indescritível. Penso que Deus, quando criou as mães, não esqueceu de eternizá-las e sei que, mesmo enferma, ela nunca deixará de nos proteger. Esse é o meu consolo.
Que Deus a proteja e amenize o seu sofrimento. Eliana
Querido Primo
ResponderExcluirFeliz daquele que tem uma mãe como Lila, você me fez chorar ao lembrar também, de tantos momentos e de volta trouxe minha querida mãe Beatriz.
Ah! que saudades tenho dela neste dia, de seus almoços neste dia , da alegria do meu querido e amado pai e seu tio tão falado Sileno.
Que tia Lila , tenha neste dia a paz daqueles que são digno desta benção, beijos sua prima Rosana
Prezado Geraldo
ResponderExcluirGostei imensamente da homenagem a srª sua mãe
dddddddddddd
ResponderExcluirA felicidade é dissolvido com as memórias, por isso é necessário reconstruí-lo todos os dias.
ResponderExcluirUm grande abraço. Hermenegildo.
Prezado Amigo Geraldo Pereira
ResponderExcluirParabéns pelas palavras belíssimas que homenageam sua mãe.Peço licença para roubar seus versos pois não tenho sua versatilidade,"BATO PALMAS E PEÇO BIS", buscando assim homenagear,também, minha mãe.
Abraços fraternos,
Moisés Diniz
Minha avó já idosa e não lhe perguntava sobre as agruras da vidinha, que a velhice no interior pernambucano é sempre mais difícil para as mulheres, pois descobri sua fonte de sorrisos fartos, era falar na infância, quanto mais contava, mais eu perguntava, é meu alento relembrar as tardes em que estivemos eu e ela sozinhos no quintal da casa velha a percorrer um passado em sépia que eu gostaria de ter visto em cores (seu blog tem muito dessa janela para nosso tempo de calças curtas), eis que dia desses o António Lobo Antunes desenhou sua "pastorinha de vitral e bruma" aos noventa anos como a mocinha de um retrato antigo, qual minha avó entre reminiscências, agora venho aqui e a foto e suas lembranças e não há conforto de um estranho (como eu) para esse estado de coisas, mas ficam um abraço, um retrato (do Lobo Antunes, no atalho adiante) e o pensamento de que relembrar nossas pastorinhas pode ser mesmo eternizá-las.
ResponderExcluir"Ó pastorinha de vitral e bruma", António Lobo Antunes
http://aeiou.visao.pt/o-pastorinha-de-vitral-e-bruma=f550479
Parabéns pela linda homenagem à sua mãe.
ResponderExcluirÉ muito bom ter vivido momentos felizes.
Que Deus abençoe a todas as mães!
Um forte abraço...
Tita Araújo