domingo, 2 de maio de 2010

Uma Alameda das Saudades

Ah essas ruas do Pombal, limítrofes, bem sei, entre o bairro da Boa Vista e o de Santo Amaro das Salinas, caminhos dos meus tempos de menino e passeios dos meus anos de rapaz! Ruas e ruelas, avenidas e vielas, todas guardando um pouco de minha história, das peraltices e das traquinagens reprimidas, das paixões e dos amores, como das dores, das ansiedades vividas e das angústias nascidas dos medos e dos receios de todos os começos. Meus inícios, afinal, foram ali, nas alamedas do lugar! Calçadas de boa pedra, estradas dos meus devaneios, nas idas e nas vindas de patinete, com a agilidade surpreendente dos princípios. Voltas e mais voltas de bicicleta, matando as aulas às vezes, deixando de estudar as lições noutras, contanto que estivesse, mais e mais, nas proximidades viris dos emergentes desejos, ao lado de uma ou de outra mulher posta no altar dos meus encantos.
Pras bandas de lá e correndo para o mar sempre, o velho rio das capivaras, embalando nas águas calmas e silentes juras de amor que se esvaíram nos ares das fantasias. Conversas e mais conversas, como se gente grande já fosse, nas idades desses começos, fiadas à beira do Capibaribe, que se abraça com o Beberibe e vai formar o oceano enorme. Meninos e meninas, alguns de mãos dadas e outros em pleno processo de sedução juvenil, olhares e palavras trocados assim, nas ruas do Recife, nesses domínios da Boa Vista. Numa praça qualquer, entretanto, em Santo Amaro das Salinas, em banco forjado na pedra, assentou-se o casal muito novo ainda. Ele de origens burguesas e ela do simplório recanto e na troca de afetos e de afagos, entremeados por ósculos mais do que inocentes, vislumbraram futuros que se tornaram presentes, mas sofreram a metamorfose do pretérito! Do nada, também!

Aos domingos, como diz o poeta, cantarolando os versos, Missa na Matriz da Soledade, onde pontificava o Padre Sales, Monsenhor com as honras todas de Camareiro Papal. O mais rápido de todos os curas que conheci na vida, nos ritos e nas liturgias, celebrante dos quinze minutos, somente. Toda gente gostava do pároco, de sua ligeireza e de suas prédicas, condenatórias todas, das incursões da carne, que é fraca, em todos os mortais deste mundo. Promessas e mais promessas, poucas inteiramente cumpridas, dívidas, então, com os céus. Cem terços pela aprovação no último ano de colégio! Negócio fechado, mas rezado, nunca! Houve quem prometesse fazê-lo, isto é, correr as contas todas do rosário em lugar do penitente! Se rezou ninguém sabe, ninguém viu! Não se transfere nada do que foi acertado com o infinito das coisas, com os santos ou com as santas, com os querubins ou com os serafins, disse o confessor, exigindo reparos!

No dia da fogueira, quando a noite se achegava nos vagares daqueles anos, um pé-de-moleque bem feito, salpicado por castanhas torradas em casa, encimava a mesa, suculento e amorenado. No momento do relógio bater as seis badaladas das horas, acendia-se a lenha postos em pedaços, cruzados sempre. Minha mãe tomava coragem e tocava fogo nos vulcões que comprara na esquina! Com chuva ou sem chuva, instalava-se uma tempestade colorida, bolas douradas e prateadas, róseas e esverdeadas ganhavam os ares, alumiando a negritude do manto do tempo. Uma vez, posto na cama em repouso por conta de um Sarampão, lembro-me ainda, terminei assistindo de longe, escondido na varanda de casa, ao espetáculo dos fogos. Às folhas tantas, Dona Lila acendeu o pavio de um foguete e tome nos ares da rua o espocar seguido, em tiroteio verdadeiramente, dessas balas, que eram aquelas dos amores maternos.

No fim do ano, entretanto, estreava a Festa da Mocidade, trazendo a roda gigante e o polvo, o tira - prosa e o trem fantasma, mas, sobretudo as vedetes, as mais lindas que o Recife já viu. Cantavam e dançavam ao som da grande orquestra. Levavam, para gáudio da platéia comandada por meu tio, Sileno de prenome: Tem Bu-Bu-Bu no Bó-Bó-Bó! Saia de casa com a mais do que expressa recomendação paterna: “Tudo, menos o teatro e as vedetes!”. É que nas páginas do Jornal do Commercio o meu pai vinha combatendo a sensualidade que julgava desenfreada. A desobediência era inevitável e inadiável! Longos os passeios depois pela ambiência festiva, por vezes na companhia feminina, muito mais agradável, sem dúvida ou com a turma do barulho, de marmanjos em processo de desenvolvimento dos fios da barba. Pra lá e pra cá, flertando com as moças do tempo, nem sempre com sucesso. Mas, a paraibana de nascimento, em férias por aqui, não acreditou nas explicações de que a menina enlaçada pelo ombro fosse apenas uma prima muito tímida e inibida, incapaz de circular sozinha! E não aceitou as aproximações propostas!

Eis a alameda de minhas saudades!

(*) - Comente no espaço mesmo do Blog ou para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com

3 comentários:

  1. Nessas alamedas pude ver um Geraldo criança, adolescente, jovem que ainda hoje é, porque quem tem lembranças nunca envelhece. Todos temos estes caminhos e, felizmente por eles podemos voltar.
    Não lhe digo parabéns, digo-lhe obrigada pelas recordações da Festa da Mocidade porque,mesmo não residindo no Recife, meu pai nos trazia, todos os anos, para ver as maravilhas às quais hoje ninguém mais dá valor. Um grande abraço da amiga Djanira

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  2. Geraldo, meu caro,
    Olhe vc, outra vez, remexendo no baú da saudade... Obrigado e Parabéns pela feliz postagem.
    Girley Brazileiro

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  3. Geraldo:
    Desta vez, você esteve inspiradíssimo quando falou de suas recordações. As palavras pensadas e postadas pareceram fluir com uma facilidade de quem sente com o coração , com a alma e com a mente.
    Maravilhosamente bem escrita, você me deslumbrou com um estilo que muito aprecio.
    Parabéns!! Abços Eliana

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