quinta-feira, 10 de junho de 2010

Três Sorvetes de Duas Bolas

O tempo é cruel. A velocidade com que passa, ainda mais. As coisas se sucedem numa rapidez tão grande que assusta. Pois é, amigo leitor, eu era Vice-Reitor da Universidade Federal de Pernambuco – já se vai quase uma década que deixei – tendo como papel previsto nos estatutos e no regimento substituir o Reitor em seus impedimentos. Assim fiz, sem deixar de lado os meus interesses pela cultura e pelas artes. Sempre fui um promotor nesse campo tão peculiar do humanismo. Mas, a verdade é que o titular do cargo me chamou certa vez e indagou: “Geraldo! Você pode levar um diplomata cubano para almoçar?”. Levar eu posso, respondi, o que não posso é pagar, complementei. Acertamos lá como me pagariam depois, haja vista receber em meu contracheque uma verba de representação da ordem de R$ 40,00, cujo destino, àquela altura do mês, já tinha sido determinado. De mais a mais, uma refeição, em restaurante fino, com o diplomata e sua esposa, não podia ser barato e a minha representação era irrisória. Talvez desse para um lanche de fim de tarde, um sanduíche misto e um refrigerante.
Mas, fiz os meus cálculos imaginando o que servir a um homem assim. Pensei com os meus botões: “Um diplomata cubano não conhece as coisas do Brasil, ignora o consumismo e não vai pedir coisa cara. Não tenho a menor dúvida!”. Às folhas tantas, a secretária avisa que o penitente chegou e eu passo a conversar com ele e sua mulher em meu gabinete. Confirmo que não sabia muito das coisas, quando o chamo para um restaurante e ele ignora as opções que apresento. Ótimo, avaliei! Fiz a escolha, optando por uma casa de pasto – esse é um nome horrível – próxima à Reitoria, porque voltaria para trabalhar, enquanto ele, ao que agora me parece, retornaria ao hotel.
Chegando ao lugar – um aprazível lugar –, indaguei a seguir se desejava tomar um aperitivo. Preferi não oferecer as opções, primeiro porque eu mesmo não sei a definição exata dessa condição, isto é de aperitivo ou não sabia, pois acabo de ver no dicionário o significado e dentre alguns dos que estão listados no Aulete, penso que no caso dele era exatamente o seguinte: Bebida alcoólica que se toma antes da refeição, supostamente para abrir o apetite. O meu convidado, então, chamou o garçom e fez a solicitação: uma dose de wisky Johnnie Walker Black Label. Confesso que fiquei perplexo. Nunca esperei isso! Tomou uma dose, duas doses e três doses. Eu apenas assistia àquele espetáculo que seria pago por mim, de camarote, pois que beber não podia, ia trabalhar a seguir.
O restaurante era uma churrascaria dessas de rodízio, de forma que o garçom empanturrou o homem e sua senhora de carnes as mais diversas e eu comi dentro de minha quota habitual, nem muito nem pouco. No final, pediu um cafezinho, mas a esposa, virando-se para mim, disse: “Senhor! Eu não tomei wisky! Ele tomou três doses! Eu gostaria de tomar três sorvetes de duas bolas. Posso?”. Claro, minha senhora, fique à vontade, foi a minha resposta. E ela, depois de consultar o cardápio e de tomar conhecimento dos sorvetes que existiam, tomou os três de seu gosto, cada qual com duas bolas.

Valha-me Deus, quase digo!.

(*) - O caso é antigo e ocorreu comigo de verdade, mas com um final feliz. Cabe ao leitor, se gostar comentar, se não gostar comentar também. Escreva no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

Um comentário:

  1. Geraldo: tem fatos que ficam bem guardados no arquivo da nossa consciência. O casal foi surpreendente...
    O seu estilo peculiar de escrever torna o acontecimento ainda mais interessante.
    Assim sendo, leio mais uma das suas crônicas, "saboreando" cada palavra. Quase como a tomar três sorvetes de duas bolas.... Muito boa a crônica. Abços Eliana

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