Quando me matriculei para estudar com os jesuítas, fui posto numa sala sob as ordens de um irmão leigo, nascido em Portugal, homem de um sotaque muito forte. Ele mandou que a classe fizesse um ditado e eu tirei zero. Chegando em casa, disse a meu pai que não ia mais ao colégio, porque eu não entendia o que dizia meu professor. Como exemplo, mostrei que o meu sobrenome - Pereira – era pronunciado por ele como: Preira. O meu pai, de forma muito paciente, sentou-se comigo e falando como se fosse um português, mostrou exatamente como deveria entender o falar tão peculiar daquele homem. E assim foi! Terminei aceitando e admitindo as diferenças.
Pior do que isso foi aquela peça de teatro a que compareci já adulto e barbado; peça que integrava um programa de cooperação bilateral com o título de: Cumplicidades. O teatro estava com meia lotação, pouco mais ou pouco menos, e toda a plateia foi chamada a se acomodar no palco, um fato inusitado. Eu não entendia nada, mas um colega meu, velho amigo dos tempos de colégio, acompanhava com vivo interesse os diálogos. Não hesitei e cheguei junto indagando-lhe: “Henrique! Você está entendendo?”. No que ele foi sincero: “Absolutamente nada, senão que o cachorro da família chama- se “Leão”. Era isso que eu tinha entendido e nada além disso. Resultado, sai do teatro sem saber do enredo ou da narrativa.
Mas no domingo que passou estava eu bem acomodado no restaurante do Bosque, aguardando a frango desossado que havia pedido e a cerveja bem gelada do Ronaldo, quando chega um português do Algarve, Aurélio de prenome. Senta e se apresenta aos que não o conheciam ainda: “Eu sou o homem que deu nome à bica: Bica do Aurélio!”. E ai passou a contar o fato que lhe aconteceu. É que tendo sido homenageado com o batismo dessa fonte d’água, vez ou outra se depara com uma história diferente. É gente que vai por lá em busca de um milagre dos céus ou gente que vai aproveitar o benfazejo lugar para se refazer de um achaque qualquer.
No caso em particular, estava ele fiando conversa com Biu, debatendo com o cinquentão as agruras da vida a dois, considerando que só agora o quase gestor do condomínio vai casar, quando chegam duas senhoras bem afeiçoadas. Cumprimentam a todos e reclamam do gerente a limpeza da Bica do Aurélio, onde costumam rezar, à falta de quem as leve a São Severino dos Ramos. Rezam, sobretudo, disseram, pela alma do Aurélio, homem bom, com o espírito voltado para o semelhante, idealizador esforçado daquela fonte. Chegaram até a sugerir fosse o aludido senhor indicado para a condição de santo nos altares da Igreja. Elas podiam, inclusive, trabalhar essa iniciação, abrindo o processo de canonização na Arquidiocese. Biu não se conteve e disse: "seu Aurélio é este senhor". Não precisa dizer que a perplexidade quase as fez desmaiar. Mas, de toda forma, o Jackson já começou uma movimentação para a entronização do Aurélio, em vida mesmo, num altar qualquer do Bosque.
E o garçom Catraca, apelido que vem de longe, em função de um ruído em tudo semelhante à peça que movimenta uma bicicleta, forjado pelo abrir e fechar da mandíbula, foi desarrumando a mesa, ajeitando a toalha surrada e recolhendo os pratos. Afinal, precisa se preparar para a viagem que fará a Juazeiro do Padre Cícero, onde vai rezar de joelhos pela conversão dos pecadores e pela saúde da gente que conhece, incluindo meu nome no meio. Deus o leve, seu Catraca, invocaram os circunstantes, desejando ao peregrino que penitente também é, uma boa viagem de ida e de volta.
No meio dessa conversa toda, o Jackson disse que vai também criar um Blog e fazer companhia ao escriba aqui. Deus o ouça, disseram todos.
Foi assim que, talvez, como alguns milagres nasceram?
ResponderExcluirEspero que esta nomeação para as letras dar um passo firme.
Um grande abraço.
P.D. Desculpa o meu português.