sexta-feira, 16 de março de 2012

As aparências enganam

Estou aguardando a hora chegar, para ir almoçar fora, no Restaurante Talude e lembrei de uma certa ocasião em que fiz uma refeição assim, na aludida casa de pasto, como já se usou chamar. Não sou muito de sair de casa para degustar um filé ou um camarão, um churrasco ou um sushi; uma lagosta talvez, porque me apetece. Sou mais do sono depois do almoço, da sesta, como chamam os espanhois, que fecham tudo, até que descansem após o repasto. Mas, o convite é nobre, porque parte de gente de muito boa estirpe, gente fina no dizer cotidiano.

Lembrei que era Vice-Reitor e estava em paz comigo mesmo no Gabinete, pensando no dia a dia das coisas, quando recebo o recado do Reitor, queria falar um assunto urgente. O relógio marcava, aproximadamente, 11 horas da manhã e a missão que se apresentava era simples: almoçar com um casal de cubanos, ele ex-Reitor de uma universidade da ilha de Fidel. Disse que podia ir – por dentro não pensava isso, mas guerra é guerra –, o que não podia era pagar, pois que embora o meu contracheque trouxesse um item relativo à ajuda de custo, recebia apenas CR$ 40,00, que não daria para quase nada.

Essa ajuda de custo, pelo que me disseram, seria para arcar com despesas dessa natureza ou para assumir a compra de roupa, usava paletó e gravata. Por certo que daria para comprar uma gravata brega lá pras bandas do Mercado das Pulgas, em Paris ou em Londres. Isso partindo do principio que a moeda americana estava em nível de igualdade com o Real. Bons tempos, aqueles! Imagine o leitor custear 3 almoços! Os dois para o casal e mais um para mim, que não sou de ferro. Bom, peguei o casal no lugar marcado e fomos em direção ao restaurante, escolhido apenas pela proximidade da Universidade.

Ia pensando no caminho: “Esse Reitor, cubano como é, não há de saber detalhes dos whiskys disponíveis no Brasil. A marca boa e a marca ruim!”. E com essa esperança seguimos em frente. Ao sentarmos para o almoço, em mesa bem localizada e com agradável paisagem, fiz a oferta: “Desejam algum aperitivo antes do pedido?”. A resposta foi uma surpresa pra mim: “Sim! Uma dose de whisky Johnnie Walker, rótulo preto!”. Caramba! Quase digo! E de uma dose passou-se a quatro, enquanto eu e a senhora tomávamos refrigerante. Afinal, eu estava trabalhando!

O mais interessante foi o final, quando ofereci uma sobremesa qualquer, à escolha do casal, porque àquela altura eu já estava me dando por vencido e a senhora disse: “Eu não bebi! Ele tomou quatro doses! Posso pedir quatro sorvetes?”. Homem de Deus, nunca vi isso: uma pessoa pedir de uma só vez quatro sorvetes. Disse com os meus botões! Vieram um a um e ela degustou a todos. Durante a conversação e depois da segunda dose, o homem queixou-se, disse que só tinha um carro, mesmo assim um modelo russo, feio e ruim. A filha pelo geral precisava do automóvel e ele se virava como podia, de ônibus ou a pé, contando os postes, diriam os meus amigos de infância.

O Blog é reproduzido no Jornal Besta Fubana. Desejando o leitor comentar o texto, falando do que leu ou dizendo alguma coisa sobre restaurantes e pratos, use o espaço mesmo do Blog ou o faça para os e-mails: pereira@elogica.com.br e pereira.gj@gmail.com

sábado, 10 de março de 2012

Uma tumba e um telegrama

Era começo da década de noventa e o meu pai estava doente, muito doente. Morreu quando se iniciava o segundo ano da mesma década. Chego para visitá-lo, como fazia de hábito e minha mãe vem se queixar de algumas ligações vindas do cemitério próximo, Santo Amaro por designação oficial. Indago-lhe de que se trata exatamente e ela diz que desejam uma autorização para que uma certa tia minha, encantada no infinito das coisas, continuasse a dispor da tumba. Para tanto, era preciso uma assinatura de seu filho único, também falecido e doente mental no tempo em que esteve entre nós. Foi, mais ou menos, assim:

- Meu filho! Eu não aguento mais! Eles ligam seguidamente e de nada adianta dizer que não há herdeiros e que o único filho tinha morrido antes dela. Veja, seu pai doente, eu louca, acima e abaixo, enquanto essa gente parece não ter o que fazer e tira o tempo para me aperrear.

- Não se inquiete tanto e tenha a mais absoluta certeza de vou resolver o impasse!

- Como? Vai fazer uma ligação pra lá? Que atitude vai tomar?

- Vou passar um telegrama ao Secretário de Saúde da Prefeitura, que na realidade é o responsável pelo campo santo e em última análise a autoridade coatora. Penso que se diz dessa forma!

- Não será perigoso? Essa gente não tem o que perder! (Essa era uma manifestação frequente dos receios de minha mãe, dos medos até que um de seus filhos se expusesse.)

Passei a redigir o telegrama, que tomou, aproximadamente, a forma que se segue:

Sr. Secretário de Saúde

Prefeitura do Recife

Minha mãe vg seguidamente vg incomodada ligações telefônicas do Cemitério pt Meu pai gravemente doente pt Desejam autorização permanência tumba tia minha há muito falecida pt Querem assinatura de filho igualmente falecido e doente mental em vida pt Solicito vossa excelência informar Centro Espírita credenciado vg sentido alfabetizar meu primo e dar-lhe o necessário juízo.

É desnecessário dizer que a mocinha encarregada de ouvir essa lengalenga toda e digitar (ou datilografar) as estranhas frases, teve dificuldade em aceitar a mensagem, sobretudo porque dirigida a uma autoridade de governo. Fez diversas perguntas, indagou se eu me responsabilizava e finalmente despachou o telegrama.

Ao que soube, o Secretário recebeu o texto, leu e releu algumas vezes, mostrou aos assessores imediatos e quase tem uma apoplexia de tanta raiva. Deu murro em mesa, quebrou uma cadeira, derrubou uma xícara de seu cafezinho e expeliu fogo pelas narinas. Mandou que olhassem na relação de médicos da Secretaria se constava o meu nome. Não o encontrou, claro. Finalmente, deu um despacho mandando que se deixasse em paz a senhora e sua família.

E nunca mais se recebeu um telefonema do cemitério. Graças a Deus!



























domingo, 4 de março de 2012

Antigas Carroças de Velhos Mascates

Acordei muito cedo, com o relógio marcando 3:20 horas. Mas comigo é assim mesmo, sou de me recolher com as galinhas quase e de me levantar antes que o galo cante. Essas expressões caíram em desuso, porque a globalização da economia e a mundialização da informação fizeram desaparecer os galinheiros das moradias. Outrora, casa que se desse a respeito não dispensava uma cerca no fundo do quintal e o concurso de penosas poedeiras, trazidas da feira do bairro, para abastecer de ovos a família e garantir o almoço domingueiro. Galinha ao molho pardo se dizia ou apenas guisada, à moda dos nossos avós. Hoje não, nos apartamentos da classe média não cabem mais essas antigas dependências e mais do que isso, o dia reservado ao culto é também a ocasião para se fazer a refeição fora de casa. Não há mais quem faça o almoço ou o jantar!

Mas, acordei assim, tão cedo e me sentei na cama, porque tinha visto na parede uma luz frágil, que parecia caminhar sobre a peça de alvenaria do quarto. Pensei que estava com uma alucinação em curso. Passei as mãos nos olhos, abri as pálpebras e confirmei. Era isso mesmo! A luzinha muito fraquinha se deslocava acima e abaixo no meu quarto de dormir. Acendi uma luz mais forte, a do telefone celular, que também se presta à essa função auxiliar, isto é, a iluminação para melhor esclarecer uma aparição como essa, não identificada. Era somente um vaga-lume e eu estava em Aldeia, onde ainda aparecem esses insetos luminosos. Lembrei de minha avó paterna, que nos tempos de boa visão me mostrava esses bichinhos no Recife, onde já houve um passado diferente dos dias que correm.

Hoje não, a cidade está preenchida por prédios e mais prédios, verdadeira selva de pedra e não se tem mais nada que possa lembrar o outrora dos anos. Quando era menino, bem menino, numa abertura que havia no piso do terraço de casa, se escondiam caranguejos que escapavam da panela e cágados aparecidos ninguém sabia de onde. Tanajuras em revoadas das núpcias caiam de pesadas e eram selecionadas para uma fritura nas caçarolas da cozinha, contando sempre com a parceria das domésticas, que eram, quase sempre, mulheres tangidas da bagaceira pela monotonia de um vegetal só: a cana-de-açúcar. Tempos em que o mascate passava em carro puxado a cavalo e que o amendoim era vendido em balaios às costas. Sobre isso, sobre os velhos pregões, Fred Monteiro, que escreve no Jornal Besta Fubana, tem texto e cantoria de muito boa qualidade.

É dele a alusão ao “gringo da prestação”, que vendia de um tudo, inclusive as antigas sianinhas, um nome que sempre me pareceu delicado e feminino; feminino no sentido da meiguice que caracteriza a mulher. E os cartões de botões de todas as cores e de todos os tamanhos? Não estou lembrado de “Mané do Palito”, mas tenho na cabeça exatamente a figura de “Chá Preto com Pente”. Vale à pena o leitor conferir a música de Fred, intitulada: “Mascate das Lembranças“. Passo aqui o link da cantoria: http://www.luizberto.com/mascate-das-lembrancas-fred-monteiro/mascate-das-lembrancas

OBS: Por oportuno, explico que os comentários ao último texto, os quais ultrapassaram as minhas expectativas, ficaram retidos no espaço do Blog; espaço digo ao qual somente o administrador (autor) tem acesso, razão para não tê-los publicado de logo. É interessante, porque escrevi aquelas linhas achando que não ia ter muita conexão pássaros e bicicletas, mas vejo que foi o contrário: teve. Gostaram!