O meu tio Cícero – Cícero Fernandes
de Macedo – era uma figura; uma figura quase folclórica. É aquele que dizia, em
alto e bom som, que se o homem chegasse à Lua não encontraria nada além de uma
grande plantação de alface. Não sei porque alface? Não viveu, infelizmente,
para saber que sua afirmativa profética não foi confirmada. Ou era aquele que
lia toda a obra psicografada do espírito Ramatis e a distribuía com os
principais padres do Recife, inclusive Dom Helder Câmara.
Gostava de conversar com ele e de
perguntar – perguntei isso dezenas de vezes – como tinha começado a vida: “Como cachorro, meu filho!”.
Era o que respondia sempre, para justificar que em seus inícios apenas varria o
salão de uma antiga venda, como aquelas que conhecemos no Recife, de balcão
ensebado pela charque e o “fígado de alemão” cortados ali, sem falar no
bacalhau dos pobres e remediados da sorte.
Não suas tentava as urinas e por isso
tinha uma bexiga externa, de borracha, a qual era esvaziada, de hábito, no “quem
me quer” da rua da aurora. É que tivera seguidos episódios de gonorreia e
ficara, depois de um tratamento longo, com essa incapacidade de micção. Certa vez,
contou isso, estava em Canguaretama, no interior do Rio Grande do Norte e teve
uma urgência urinária, sem conseguir de forma alguma eliminar as urinas, razão
para usar um graveto do solo e com ele romper a cicatriz em segunda intenção de
sua uretra. Um horror isso! Mas fez!
De Canguaretama contava que quando
chovia ali era uma beleza, pois a chuva vinha acompanhada de peixes. Eu ficava
perplexo com isso e indagava a explicação para o quase milagre. É simples,
dizia, as ovas sobrem às nuvens quando do processo de evaporação e por lá se
desenvolvem, viram peixes, esses crescem e descem à primeira tempestade. Eram espécimes
dos mares e dos rios, afirmava com toda ênfase. Incrível isso! Essa foi a maior
mentira que já ouvi em toda vida! Valei-me!
Jogava baralho conosco, comigo e com
os meus amigos da rua e ganhava todas as partidas. Só depois descobri que
guardava cartas importantes sob a mesa. Reis e damas, valetes e coringas, eram
postos numa reentrância de um campo de botão improvisado em tabuleiro de jogos
e resgatados quando a partida ia terminar. Resultado, batia todas! Um barato
essa coisa! Não estava nem ai para o exemplo que devia dar.
A mulher, a quem roubara de casa aos
15 anos, chamava de “benzinho”, enquanto ela o tratava por “Cicinho”. Viviam assim,
numa lua de mel que já fora de fel, porque o homem aprontara todas que se
imaginar com o sexo oposto e considerado fraco. Fugiu com ela e foi exercer o
seu ofício de “cachorro”, só depois fazendo um concurso para a Alfândega, em
cujo programa estava as quatro operações, das
quais só sabia duas. E foi com uma soma e uma subtração que alcançou seu
cargo. Era o anjo da guarda de meu pai nas horas difíceis, numa viagem qualquer
fora do estado ou do País ou num aperto financeiro.
Quando os velhos viajaram à França,
assumiu a família. E numa ocasião, briguei com um padre, meu professor
de matemática, mandou que continuasse a discussão iniciada no dia seguinte, deu
corda. Não quis saber de briga, já estava grande e não segui os seus conselhos: “Fez
muito bem! Amanhã faça mais!”. Não fiz!
Meu caro Acadêmico Geraldo, sua família teve em seu seio um sujeito extraordinário:
ResponderExcluirvarria chão de venda; mijava no "quem me quer" sem ser pelo velho e querido bilau; fazia cirurgia urológica com tôco de pau; comia peixe vindo das nuvens; ganhava todas as partidas no baralho e passou num concurso federal só sabendo duas das quatro operações básicas da ciência de Pitágoras. Um gênio! Sua família, como a ostra, não tomou consciência do valor que tinha dentro de sí!
Ps. Só Ramatis para explicar isso. Silvio Costa (ufpe)
Geraldo,
ResponderExcluirQuando se tem boas recordações como tem você, vale a pena lembrar e levar aos leitores.
Foram momentos atípicos e , provavelmente, enriquecedores.
Texto bom, deveras bom!!!
Eliana Pereira