Depois de ler uma matéria na Revista História, da Biblioteca Nacional, abordando justamente a participação de brasileiros em diversas guerras, incluindo aquelas com as quais o País não se envolveu, lembrei de minha tia velha. Tia Deolinda, habitualmente tratada por Deó, cujo namorado – eram quase noivos – viajou para lutar e morreu, frustrando um casamento que vinha sendo preparado há algum tempo. Mas, eu não sabia direito de cuja refrega o noivo participara e quem era ele. Resultado, solicitei os préstimos da Internet. Pois não é que a Tia Deó consta da grande teia virtual!
E consta, justamente, em trecho de um livro de meu pai, A Rosa Verde; livro que já li duas vezes e não lembrava o detalhe. É! O rapaz chamava-se Alfredo Varela. Seria parente? Com certeza sim, porque, inclusive, o meu avô paterno, marido de minha avó Beatriz, irmã de Deó, tinha o sobrenome também: Fausto Varela Pereira. Pois é, foi lutar em Canudos, contra o Conselheiro. Acreditavam os que faziam aqueles anos, que o líder religioso e social desejava resgatar a Monarquia, instituindo o Terceiro Reinado e contra isso lutavam. Não tinha nada a ver! O homem lutava pelas causas sociais do povo e por ser carismático tornou-se também um líder religioso.
Pois Alfredo Varela morreu e a tia Deolinda ficou solteira a vida inteirinha, uma quase viúva, mesmo sem ter tido marido. Mas era assim à época! Foi a pessoa que mais se aperreou em minha casa. Primeiro porque ela se julgava dona do pão; qualquer tipo de pão era administrado por ela, de tal forma que à simples abertura da lata de alumínio para tanto designada, a fazia correr de onde estivesse para conferir quem estava mexendo com aquele tesouro trigal. Um horror, pois que a molecada passava o dia inteirinho batendo com a tampa no corpo da lata. E ela desadorada, correndo atrás dos possíveis candidatos a devoradores de pão.
Como tinha Nascimento no nome, explicava que tinha nascido na noite de Natal, daí o seu sobrenome assim acrescido. E para nós outros, seus sobrinhos em segundo grau, isso era o mesmo que dizer que tinha a idade do Cristo e ela se irritando dizia: “Bruto!”. Significava dizer: “Burro!”. Como teve demência senil, foi difícil o convívio com essa característica neurológica. Vendo meu pai, certa vez, vestido com a beca da faculdade em que ensinava, admirou-se com o padre que estava ali, em casa e quase pede uma confissão auricular. Pior quando acusou meu pai de ter ficado com sua herança, algumas cabeças de gado vacum que lhe restaram do genitor.
Morreu com 82 anos, como a maioria dos meus parentes, estando ela na casa de meu tio Cícero, onde passava uma temporada. Esse tio, na verdade casado com uma tia, era espírita e durante todo o velório de Deó conversou com ela, fazendo algumas recomendações para o seu julgamento nos celestiais domínios. Era uma figura esse homem, admirador de Dom Helder, para quem enviava os principais livros, escritos por seu guia principal, cujo nome a memória nega-se a lembrar, senão que tinha um sobrenome Ramatis. Foi dele mesmo a afirmativa de que na lua o homem encontraria uma plantação de alface. Nada mais! Não viveu para saber do contrário!
(*) – A crônica é uma referência aos que se imolaram no altar sangrento de belicosas batalhas. Uma homenagem a minha tia Deolinda – coitada! – esquecida na memória de todos. Ninguém mais fala em seu nome e celebra suas datas. Comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para: pereira.gj@gmail.com ou ainda para pereira@elogica.com.br
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