Havia em minha rua da adolescência,
que foi a mesma rua dos começos de minha juventude, uma menina de seus 13 ou 14
anos, no tempo em que eu também tinha a mesma idade. Era ela quem me pedia para
consertar a sua bicicleta. Eu não sabia que consertava bicicleta, mas descobri
que a paixão leva a isso, a se reparar o que não se sabe. No mais das vezes
eram pequenos defeitos; defeitos que a minha idade permitia superar. A corrente
que saltava ou o pneu que estourava, furava, melhor dizendo. Ah, nisso eu era
craque. Sempre tinha em casa um conjunto que reunia a cola para o pneu e o
reparo que fechava o orifício em que o ar vazara.
Terminei namorando com ela e numa
tarde que já vai muito distante na contabilidade dos anos, resolvi passar todo
o tempo do mundo dando voltas com ela no quarteirão. Rodamos vezes e vezes naqueles
passeios e no outro dia, na prova de história no colégio, pimba: tirei zero.
Terminado o mês vieram as notas no boletim e o meu pai me convocou a uma
conferência reservada. Fazia sempre isso, quando queria chamar a atenção de
alguma coisa. Lá fui eu para o seu gabinete – a jaula – e não tive uma saída
que prestasse à reclamação: “Como é que você, sabendo que eu sou professor de
história, não se esforça no colégio e tira nessa matéria nota zero?” Não tinha
desculpas a apresentar! De mais a mais, a minha avó fizera queixa a meu pai,
com o seu vocabulário peculiar: “Geraldo passou a tarde inteira de bicicleta
com uma moleca de rua, de olhos pintados!” Não era moleca de rua, ela apenas
pintava os olhos com um traço escuro! Coisa nova à época. Foi um desadoro!
Por
essas e por outras o meu pai não tinha muita esperança que eu desse pra gente.
Digo isso, porque certa vez ouvi a conversa dele com uma irmã
– a tia mais nova –, em que ele afirmava, em alto e bom som: “Não faço muita fé
no mais velho!” E ela: “Veja! De onde não se espera é que se tem. Você vai ver
que ele vai brilhar! Há de ser o melhor da prole!”. Eu não sei se brilhei ou se
não brilhei, se fui o melhor ou se não fui, mas a verdade é que lembro dessa
passagem toda vez que tenho um fato novo em minha vida: uma posse, uma medalha,
um prêmio. Penso com meus botões – botões muito reflexivos – que se ele, o meu
pai, estivesse por cá, estaria honrado com os meus feitos. Os meus feitos e os
meus fatos! Mesmo que admirado, surpreso, pensando: “Aquele menino peralta,
inquieto e dado a muitas namoradas, cortejando a mulherada toda da Boa Vista, é
gente!”.
E por falar em namoradas, vem à minha
lembrança uma delas: Boca de Caçapa. Pode acreditar o leitor, foi a única de
todas as musas que abracei sem um atrativo sequer. Feia que doía! Sem dentes!
Do cabelo com um corte sem graça. Desengonçada, mal trajada e descuidada. Não
sei porque cargas d’água fui namorar com essa suplicante e o pior, tinha ciúmes
dela. Mas compensei com as outras: finas e bonitas.
Mas, a preocupação paterna era tão
verdadeira, que aos 15 anos, na flor da idade, ouvi a recomendação: “Estude
datilografia, pois se não conseguir emprego vai trabalhar no comércio!”. E eu sou formado
e escrevo muito bem aqui nesse teclado do computador, em tudo igual ao de uma máquina
de escrever.
Geraldo,
ResponderExcluirRecordar é viver e a gente sente que isso se passa com vc e comigo também.
Você deu pra gente e muito mais que isso. Não diria o melhor da prole. Com certeza a família também deu para gente. Toda a prole se salienta e muito brilhantemente.
Nesta seara, não posso ser contra. Na verdade, são seis filhos brilhantes!!!!
E vc merece Parabéns pelos vínculos sanguíneos e de convivência, cuja formação deveu-se aos mesmos pais e que pais!!!!!
Beijos, Eliana