Tenho refletido a propósito de minha vida de médico: quanta
coisa mudou nessas quase quatro décadas e meia. Quando sai da escola, formado e
de anel no dedo, tratava-se úlcera gástrica ou duodenal com dieta láctea, isto
é, com leite a cada hora. E o diagnóstico dessas afecções, sobretudo da segunda,
era realizado por radiografia contrastada da parte alta do aparelho digestivo. Exigia-se
do profissional divisar uma imagem em chama de vela e a partir daí estabelecer
o tratamento. Era, francamente, um Deus nos acuda, para enxergar essa chama que
aparecia depois que se esvaziava o estômago. Hoje não, a endoscopia chega até a
intimidade gástrica e identifica, sem erro, a cratera ulcerosa. E o leite – ah o
leite! – está contraindicado, porque embora neutralize a acidez, o faz de
maneira momentânea, pois dentro de alguns minutos vem um rebote maior ainda.
No hoje das coisas a ciência atingiu um desenvolvimento tão grande,
mas tão grande, que se ainda tivesse por cá os meus cadernos, cujo resgate me
faria feliz, de nada mais serviriam as notas reunidas em noites e noites de
muito estudo, numa puxada de casa, feita por minha mãe e que serviu a mim e a
outros colegas. Os livros, igualmente, desatualizaram-se e sofreram a
metamorfose do nada ou se prestam apenas ao estudo do que foi o ontem dos dias.
No ano em que nasci (1944), um autor que estudava a Mortalidade Infantil
apontou dados alarmantes, isto é, que de cada 1000 nascidos vivos morriam acima
de 400 bebês. Isso foi corrigido depois para dados que representavam a metade
do registro. Muito alto ainda! Atualmente, como está em documento de 2009,
Pernambuco teve 29,2 óbitos por 1000 nascidos vivos.
No campo da imagem, então, a mudança foi radical. Já se
falava em tomografia nos anos sessenta, mas somente para os pulmões e para o
diagnóstico de certeza da tuberculose. Na atualidade não, serve para muita
coisa e cascavilha o organismo inteiro. E a ressonância magnética, só falta
mesmo falar, tal a penetração que tem na intimidade orgânica. Com contraste ou
sem contraste. O cérebro agora está
exposto e só está faltando mesmo identificar os pensamentos. Saber quem gosta
ou quem não gosta da pessoa. A ultrassonografia da mesma maneira: navega pelo
corpo como se fosse um navio com rumo certo. Isso tem prolongado a vida e já se
vai a 73,4 anos como média de vida do brasileiro. Claro que se chega a muito
mais e se houver dinheiro para comprar remédios e pagar o plano de saúde, sinceramente,
o penitente vai aos 80 sem dificuldades. No Japão isso é o habitual de toda
gente. Eu vi por lá velhos cuidando de velhos, isto é mães centenárias sob a
batuta de filhas com oitenta anos bem vividos. É o que estamos vendo!
Pois é, hoje à noite recebo a medalha São Lucas, a maior
outorga das entidades médicas a seus integrantes. Acolho a comenda como um
reconhecimento com que me distinguem, sabendo que mereço a condecoração por
tudo que fiz e por tudo que ainda venho fazendo.
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