Chegou e foi saudado como uma inesperada surpresa, mas,
mesmo assim, apresentado ao senhor que à mesa dividia com ela o caldinho de
mariscos bem temperado e a cerveja mais que gelada. Apertou a mão alheia e
falou o óbvio e ululante: "Muito prazer!" Não tivera prazer algum,
pude concluir depois! Mas, foi ela quem providenciou a cadeira em mesa vizinha desocupada
e mandou que tomasse assento, compartilhasse daquilo, de um colóquio que
parecia não desejar. Desajeitado e desconfortado sentou-se, realmente, fazendo
indagações aos cochichos: Este cidadão é aquele de ontem? O que faz você aqui
na beira da praia, com uma pessoa estranha? Respondia como podia, dando evasivas
ou reafirmando posições: Um amigo meu! Sou uma mulher séria, nada pega! O
companheiro de ocasião, diante da emergente rejeição, deu um tempo, foi ao Orelhão,
sem considerar o celular à cintura!
Eu tinha chegado há alguns minutos, apenas e me sentara
sozinho, sem companhia, que fosse, para o meu exercício mais que ocioso de admirar
a imensidão atlântica nesse tempo das férias. Assim, não me restava outra coisa
senão ouvir a conversa e compreender a perplexidade dos circunstantes ao lado.
Afinal, escrevo sobre o cotidiano da vida, sobre os atos e sobre os fatos
protagonizados pelos penitentes deste mundo de Deus! Aliás, o dono do
estabelecimento de beira-mar, antecipando os meus desejos, verbalizou minhas intenções.:
Já sei! Vai escrever um artigo! Em determinado momento, no entanto, fiquei tenso,
confesso, diante da pergunta do marido incomodado: Você me traiu? Diga sim ou
não! E a mulher, com ares de superioridade, respondeu: Não! Não traí! Essa
negativa dupla parece ter selado a fidelidade e assegurado a confiança.
A conversa, porém, foi ganhando força e o diálogo esquentando,
até que a frase de efeito foi dita e eu tive que me retirar, para não assistir
ao desfecho: Boca de mulher casada tem gosto de sangue! Levantei-me com
discrição e fiz um cumprimento de despedida, deixando-os a sós, com íntimos
votos de que recobrassem a santa paz dos justos. Fui matutando a propósito,
fazendo da sentença verbal o mote de minhas digressões. É que o povo tem, por
vezes, tiradas assim, mais que interessantes, com sabor de filosofia popular
como essa, a do animal ferido, tomado pela preferência diferenciada da fêmea,
cuja escolha premiara a outrem e o deixara de lado, desprezado, pois.
A mulher, que nada tinha de bonita, conhecia, no entanto,
desejos assim, plurais, nessa singularidade, nunca inteiramente explicada, da
existência humana, que faz os semelhantes se atraírem, mutuamente, para a
completude do sublime: o amor. Dois dias depois cheguei por lá, pedi um
caldinho de aratu e me sentei, aguardei a conversa habitual do Getúlio,
especialista nesses convívios de praia, cansado já das cenas desenroladas à sua
frente pelos atores do dia a dia, protagonistas das cenas da vida. Lembrei até
que de outra feita, uma senhora de idade avançada ali sentara acompanhada de
menino novo, cheirando a leite. Beijaram-se tanto que correram o risco de
rasgar os lábios e quando a pobre penitente estava ébria, o companheiro
surrupiou-lhe o dinheiro da pensão previdenciária, recebida às custas de muito
trabalho do finado marido.
Resultado, o nosso diretor do tempo das férias - o Getúlio -
foi levar em casa a pobre mulher, rejeitada e triste. Mas, no caso em
particular, contou, tudo terminou às mil maravilhas, com a solidariedade de
ambos diante da criatura amada em dobro, a merecer elogios e enlevos ao
espírito.
É! A carne é fraca, disse o Mestre, antecipando o perdão aos
pecados todos dos que estão compartilhando desse banquete enorme, permeado por
labirintos de ignorados caminhos. Alamedas dos desejos, sofrendo, às vezes, a
metamorfose do, inteiramente, platônico. Desejo felicidades, pois! Que o
nativo, vindo à luz sob os coqueirais de Pau Amarelo, possa dizer como o poeta:
O teu nome é um poema nas rimas das minhas distâncias!
(*) - Um texto escrito há muitos anos, quando passava férias em Pau Amarelo e anotava cenas do cotidiano e diálogos, nem sempre amistosos, em meus alfarrábios reunidos na memória das minhas décadas.
Caro Geraldo:
ResponderExcluirComo excelente escritor que é não poderia perder a oportunidade de nos mostrar seus testemunhados casos. O autor tem esse poder, quase divino, de transformar casos corriqueiros dos dias, em belos textos, não importando onde este nasça, mas acrescentando em nós, que os lemos, a grandeza de tais acontecimentos, em letras lapidadas, tal qual um ourives a uma joia. Obrigada, pelo prazer da leitura. Parabéns, pela beleza da escrita!
Um abraço,
Lígia Beltrão - Colunista do site Divulga Escritor
Geraldo: o texto foge das suas atuais crônicas, em seu estilo. Deu para eu notar, de imediato, que tinha sido escrito já fazia muitos anos. Deveras interessante, li o quase conto com o sabor de quero mais. Concordo com a colunista Ligia Beltrão e faço de suas palavras as minhas. Continue nos presenteando com "o prazer da leitura", como foi essa....
ResponderExcluirDepois de comentado por Ligia Beltrão, como ter o que acrescentar? Beijos, Eliana Pereira (www.blogdepereira.blogspot.com)