José Arlindo Gomes de Sá(*)
O homem nasceu para a eternidade e não
obstante o silêncio, a ausência, a aparente escuridão do túmulo, ele perfura
todas as barreiras do tempo, num desafio vitorioso sobre o finito. O poeta do
acontecimento é assim: perene, porque consegue permear o que escreve daquilo
que existe de eterno em si mesmo. Cabe a nós sabermos deixar florescer o
cronista como se fossemos tão-somente uma terra arada pela própria vida que não
retêm em si a semente, mas que oferece condições para a roseira florescer e
desabrochar. Geraldo Pereira sempre esteve entre nós, presente nas suas
crônicas qual semente latente na nossa terra. Hoje, aflora em sua plenitude
nessa produção literária cuidadosamente preservada. E nós, certos de estarmos
cumprindo passo a passo o compromissoPREFACIO com o nosso tempo, mas também como nossa
gente, somos apenas a terra arada pela vida em favor dos frutos nordestinos.
Com a cunhada |
Geraldo Pereira sempre viveu na capital e
esses Textos Esparsos me trouxeram
recordações
gratas, que as páginas escritas me avivaram como um sopro em cima de brasas
quase extintas. Ao descrever uma visita a uma cidade sertaneja à margem do rio
São Francisco, na crônica Os encantos de Petrolina, me veio à memória, lá pelos
idos de 1972, o dia em que eu estava atarefado no trabalho cotidiano da
Fundação SESP em Floresta, minha pequena cidade pajeuense e navieira, quando
alguém anunciou em tom solene: "Está aí um senhor que quer vê-lo. Ele deu
a entender que se trata de um assunto muito sério". Qual não foi minha
surpresa ao avistar Geraldo Pereira com a tão conhecida matreirice nos
corredores da faculdade! Refeito do sobressalto e da satisfação do reencontro,
ele me revelou o objetivo de sua passagem por ali nos carrascais do rio Pajeú e
do riacho do Navio: "Vim conhecer a serra do Umã, onde os índios estão
adoecendo de leishmaniose".
Se o autor tem lastro literário e é
reconhecido como escritor, crônicas suas consideradas mais significativas, pelo
assunto e pela qualidade estética, são selecionadas para virar livro, como é o
caso destes Textos Esparsos. Para Geraldo Pereira, a crônica vem sendo ao longo
dos anos, sua forma de testemunhar acontecimentos da vida do seu cotidiano, de
pessoas anônimas ou dos familiares que cruzaram seus dias de filho, irmão e
amigo atento, além de reminiscências da meninice, do estudante e do professor,
um tipo de vida que se tornou visível pelas suas poesias dos acontecimentos,
seja no lirismo das ruas da infância e da adolescência, seja no ambiente da
magnificência da Reitoria da UFPE. Ele busca a inspiração de seus textos na
memória e, principalmente, na observação direta do cotidiano, onde se dá,
concretamente, a experiência humana.
A minha neta, as filhas, a esposa e a cunhada |
Identificamos a variedade dos assuntos, sem
que se mostre superficial; o conhecimento dos temas, mesmo os que não estão
relacionados com o médico e professor emérito; a linguagem límpida, simples e
moderna; a agudeza da observação psicológica; a perspectiva social; a nitidez
das imagens e o ímpeto raciocinante.
Mª dos Anjos, Zaina, Zé Arlindo e Tânia |
Enluarado pela magia e apaixonado pela fauna e
pela flora do meu sertão, li e reli com prazer uma crônica emblemática: Asa
branca. Luiz Gonzaga cantou este pássaro pelo simples fato de que ele
representa a saga dos retirantes da seca do Nordeste, mas, na minha opinião, a
ave mais representativa das terras sertanejas é o casaca-de-couro. Não sou o
único a defender a preferência por esta ave. O poeta Carlos Severiano
Cavalcanti, em seu belíssimo livro Sertanidade, fez com maestria esta glosa:
"Casacas-de-couro em bando \ Fazem festa no sertão". Ao escrever que
"escutar a ave canora, \ poetisa do braseiro, \ com o canto condoreiro, \
nossa tristeza minora", ele está se referindo a única ave que gargalha que
se conhece. O casaca-de-couro encanta pela sua penugem semelhante à vestimenta
do vaqueiro. É comovente acordar no sertão com seu canto orquestrado. A
sensibilidade fica aguçada neste momento que emociona porque, ao contrário da
asa branca, que bate asas do sertão, o casaca-de-couro permanece alegrando o
nosso viver sofrido durante a estiagem. E então, ouvi também o canto, o gemido,
a voz, o berro, o gesto do sertanejo rasgando os ares dos carrascais na leitura
da crônica Um nordestino sofrido. Em Uma sociologia da madrugada me fez lembrar
e sentir o cheiro que vinha da padaria do beco do Pajeú, quando seu Amaro saía,
ainda no primeiro clarão da barra, oferecendo seu produto, rua abaixo e rua
acima: "Olha o pão quente, queimando a gente rapaziada! Olha o pão de seu
Amaro!"
Os textos de Geraldo Pereira passam pelo tear de acurada sensibilidade, com fusos tecendo os encantamentos. Portanto, a mim, como colega que teve a felicidade do seu convívio, com a permissão que me foi concedida de prefaciar os Textos Esparsos, só me resta recomendá-los com o mesmo zelo de quem os conservou por muito tempo no baú das coisas inseparáveis.
(*)
– José Arlindo Gomes de Sá é médico, poeta, Presidente da Sociedade Brasileira
de Médicos Escritores - Regional de Pernambuco
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