Tenho me ocupado, ultimamente, em refletir a
propósito do que se vem chamando qualidade de vida, sobretudo a respeito do
esforço de certos setores em oferecer à criatura um desejado bem-estar, cuja
expressão envolve a saúde física e a tranquilidade de espírito. Indago-me,
especialmente, se a classe média, tão exigente com o consumo, sente-se melhor
que a gente simples, a qual nos interiores do País, por exemplo, pode ter
acesso ao mínimo necessário à sobrevivência? E até que ponto se deve, realmente,
intervir na vida de quem se sente em paz, acenando com bens materiais e outros
ganhos próprios daqueles que Gilberto Dupas considera os “incluídos” ou mesmo
os “ainda incluídos”? A televisão faz isso!
Cuido em
observar os modos de vida dos que no dia a dia do existir humano não ostentam:
os modestos ou os singelos. Não me refiro aos paupérrimos e aos miseráveis, aos
“excluídos”, afinal. Ora, será que o Sr. Zezinho, lá de Chã de Cruz, tem uma
qualidade de vida inferior aos habitantes urbanos, postos em moradias verticais
e trancafiados o tempo todo? Creio que não! Tenho visto a sua satisfação d’alma
em sair de casa e de bicicleta chegar ao condomínio da pequena burguesia, em
Aldeia, atendendo um aqui e outro acolá, juntando essa féria extra ao que
percebe por mês como salário! Não deixa de sorrir e de comentar com humor os
fatos corriqueiros. Joga futebol e toma a sua caipirinha, de leve!
Ignoro os
seus horizontes de futuro, mas nunca ouvi dele palavra que fosse assemelhada
àquelas dos interesses dos meus convivas. Um carro novo ou uma bicicleta do
último modelo, um equipamento de vídeo, uma viagem pra fora de seus domínios,
mesmo que seja à Carpina. Não enjeita, porém, um piquenique a Natal, pelo
passeio ou pela bagunça no ônibus de aluguel. Por certo, nunca ouviu falar nas
excursões à Europa, para ver os museus de Paris e os parques de Londres. Vive assim,
pra lá e pra cá, entre a Chã e o condomínio. Quase nunca vai a Vera Cruz ou a
Tabatinga. Assistiu ao espetáculo do circo, porque a trupe instalou-se nas
cercanias de sua casa e a entrada custava um real, nada mais.
Assim com a
Dona Cecília, vizinha, quase, do Zezinho, que fez do terreiro de casa uma
sementeira e vive do cultivo das flores, das orquídeas bem cuidadas e dos
girassóis viçosos, de bromélias imunes ao Aedes aegypti e das avencas
verdes e pendentes. Aprendeu tudo isso no colégio de freiras em que estudou e
se vai a Garanhuns, vez ou outra, é para comprar novas mudas, diferentes, que
se acrescentam ao seu jardim. Sustenta a família, mas já tem os filhos
empregados, trabalhando para os que passam os finais de semana fazendo um
churrasco com carne importada e tomando o whisky das bandas escocesas. Não
suporta o inteiramente urbano e detesta, como expressou, a avenida Agamenon
Magalhães.
Compare o
leitor a vida dessa gente com a dos remediados pela sorte, entregues ao labor
mal o sol desponta, voltando ou não voltando para almoçar e retomando jornadas,
de trabalho e mais trabalho. Recepções e formalidades, no trajar e no tratar,
cumprimentos forçados e vênias inúteis. Quando a semana finda, uma ida ao
shopping, às compras ou a passeio, para admirar vitrines ou se empanturrar
nas praças de alimentação. Mas, há os que se contaminam com os males da
civilização, como aquela dedicada secretária dos afazeres domésticos. Máquina
de lavar roupas e vídeo, conjunto estofado bem forrado e celular. Resultado,
carnês e mais carnês a juros de mercado! Agiotas e assemelhados na porta!
E o Sr.
Zezinho, quando disse que um computador poderia ser posto à sua disposição na
portaria do conjunto habitacional, conformou-se com a justificativa de que a
sua cultura seria esmagada. Um homem crente nas coisas da natureza, cuja crença
ultrapassa a flora e a fauna, para chegar às lendas, como a da “Comadre
Fulozinha”, não pode e não deve ocupar-se de um teclado ou mexer num mouse! O
que seria de Dona Cecília, com um banco de dados informatizado das plantas de
seu quintal?
Entende-se
que há limites que não podem e não devem ser transpostos e há horizontes
diferentes para uns e para outros. Mas, compreende-se que muitos estão largados
pela sociedade e é preciso integrar essa massa desprezada ao exercício mavioso
da vida, do existir humano.
Geraldo,
ResponderExcluirA sua reflexão em cima de problemas sociais e do bem estar de uns e de outros, pareceu-me bem interessante. Você fez um paralelo e, talvez, tenha se convencido, como a nós, que a qualidade de vida, nem sempre, é sinônimo do vil metal. Este , por vezes, engana momentos de muitos desejos, mas é traiçoeiro na hora que não compra uma boa qualidade de vida, contaminados (os desejos) por competitividade e sonhos irrealizáveis...
Acho que os menos remediados, com os seus valores e sonhos muito abaixo, aproveitam melhor o que lhes dá a sua simples vida.
Vemos tantos ricos infelizes e muitos pobres alegres e bem acostumados, sorridentes na sua quase inocência d'alma!!!!
De qualquer forma, nada é regra geral....vale a pena fazer grandes pesquisas que implicam muitas observações.
EP