Foi
assim: pelas 10h00min me chamaram. Era uma irmã, a mais nova, Fátima de prenome.
Que viesse e viesse logo, porque a nossa mãe estava se ultimando. Tomei o carro
e fiz o caminho do hábito, mas fui vendo um filme o percurso todinho. Vi os
meus anos de menino, os meus tempos de começo, tudo reproduzido em minha
memória. Vi o esforço que ela fazia em torno dos meus estudos; esforço para
pagar as mensalidades e esforço para me incluir nos complementos da formação
regular. O inglês, por exemplo, que ela fez tudo para que aprendesse e que me
fez muito bem quando viajei ao Japão e pude me comunicar, senão com
desenvoltura, mas pelo menos sair do mutismo.
Vi,
com a nitidez que os anos permitiram, as vezes em que saia correndo dela,
depois de um malfeito, e subia numa árvore, no mamoeiro do fundo do quintal ou
na pinheira do começo desse terreiro de tantas lembranças. E ela – coitada! –,
com o intuito de evitar uma queda, o que seria desastroso, implorava que
voltasse, que descesse e não me colocaria de castigo. E eu voltava, descia.
Mas, quando ia de castigo, sentado numa cadeira da sala, aquilo não durava
muito, ela não tinha coragem de me ver assim, sentado imóvel e mudo. Logo,
logo, me liberava! Compreendeu as minhas lágrimas, vertidas quando rompia um
amor. Lágrimas e mais lágrimas, rios das minhas perdas, entendidas por ela,
mesmo sabendo que substituíria a moça por outra. Eu era um chorão de plantão!
Como
estava bonita, em seu vestido azul turquesa, no dia dos 25 anos de casada. A família
reunida, incluindo o meu pai, posou para a foto, depois da cerimônia religiosa
e antes dos refrigerantes e dos acepipes da hora. E as suas preocupações, até
poucos anos atrás, com um espirro ou um quadro febril. Nunca deixou de perguntar: "Como está?".
Ligava para mim, sistematicamente, a cada manhã, às 06h30min precisamente e
indagava: “Alguma novidade?”. Não, minha mãe! E você? “Sem novidades, meu
filho?” Foi com essa expressão – sem novidades? – que a saudei sempre que a via
nessa via-crúcis de seu padecer. Não respondia, mas inclinava o olhar, como que
significando o entendimento.
O
tempo passou célere, envelhecemos juntos, ela se foi com 94 anos bem vividos e
eu já estou chegando aos 70, foi uma estrada longa, cheia de muitos percalços,
mas ela sem reclamar e sem se queixar soube levar o timão. Horas de
dificuldades, de impasses que ameaçavam a integridade da família e ela
sustentando o leme e dando sentido à vida. Momentos de alegria, a dos
aniversários das netas, a lembrancinha, o dinheirinho posto no envelope, capaz
de arrancar um riso matreiro das meninas. Os almoços que vão muito longe já,
tangidos na esteira dos dias, que reuniam a todos. A galinha bem urdida de Cícera
ou a carne de Odete. O vinho sorvido por ela, certa vez, numa exceção completa
a seus paladares e o riso frouxo do depois. Parece que vejo agora. Não tem nada não, minha mãe, há uma geração chegando que dará continuidade a tudo.
Ela se
foi, mas a memória dela não se apagará nunca de minhas lembranças. Permito-me
que a lágrima solitária do adeus possa rolar em minha face.
Adeus,
minha mãe!
(*) - Crônica de minhas despedidas, depois que minha mãe se foi, encantou-se da dimensão do eterno. Saudades, muitas saudades! Vontade de revê-la, mesmo que em sonho.
Muito lindas fotos Dr. Geraldo.
ResponderExcluirMinha esposa Angela e eu apresentamos nossos sinceros sentimentos.
Ela esta na Luz de Cristo. Abraço.
Luiz Fernando
Prezado escritor Geraldo Pereira,
ResponderExcluirSabemos que nossas mães partem ficando bem mais. Os quadros de lembrança sempre ganharão mais doçura. Um grande abraço para você,
Lourdes Nicácio e Silva
Meu caro Acadêmico Geraldo, interessante como as mães se parecem - senão todas, pelo menos, a maioria -, quando vistas por determinados prismas. E é através deles que me vem o sentimento da empatia: percebo e imagino a sua dor. Embora presenciando o seu sofrimento final, a perda bateu forte no seu coração, e isso é inevitável. Faço parte do seu sentimento, meu caro amigo. Inclui ontem, em minha prece noturna, o espírito de sua mãe, pedindo que tenha uma boa acolhida no mundo espiritual. Silvio Costa, o da UFPE.
ResponderExcluirDr. Geraldo, receba o meu abraço solidário por sua saudade maternal. Meus sentimentos.
ResponderExcluirLúcia Pedrosa.
Amigo Geraldo, somente hoje li o seu Blog. Fiquei sabendo da partida de Dona Lila através do seu artigo repleto de tantas lembranças e emoções. Meus sentimentos a você e a todos os familiares.
ResponderExcluirSilvio Soares
Caro Acadêmico Geraldo:
ResponderExcluirReiterando meu pesar pelo "encantamento" da sua mãe, quero dizer da minha emoção, que me levou ao choro, quando na missa de sétimo dia, a linda homenagem a essa mulher amorosa e dedicada, feita por sua neta, relatando sua saudade e a cumplicidade doce de avó. Quando seu filho, emocionado, ternamente lhe traduz o coração amoroso e dedicado de mãe. E, quando você, em belíssimas palavras nos presenteia com esse texto, no qual exalta a plenitude desse sentimento único, de um filho, por uma mãe, exemplo de ternura, união e amor. Caríssimo, aqueles que amamos, não morrem nunca, viram estrelas, para continuarem iluminando nossas vidas. Ela agora é luz. Nós, somos saudade, irmanados na mesma dor, que é tão sua. Abraço fraterno de conforto, extensivo a toda família. Lígia Beltrão