quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Globalização e cultura

Na perspectiva das mudanças todas que o mundo experimenta e dos danos que já está trazendo no campo social, há o risco que poderá trazer à cultura e às artes. Imagine o leitor as consequências da veiculação da produção intelectual de países desenvolvidos no combalido Terceiro Mundo, tão desprovido, já, de recursos no campo do humanismo! Se as coisas partissem dos berços que forjaram a civilização e permitissem o conhecimento das obras clássicas, por exemplo, no campo da literatura e da música, como da pintura e da escultura, por certo, os ganhos estariam garantidos! Mas, se a importação cultural predominar, como se pode esperar, na ótica de países diferentes, novos, embora postos no patamar dos desenvolvidos, numa tentativa de difundir o que se chama de pop e outras denominações do inteiramente estilizado, vai ser o caos! Globalização, entretanto, não deve ser sinônimo de uniformização e não é preciso, pois, perder a identidade para partilhar da pós-modernidade!
As inúmeras antenas parabólicas no interior de Pernambuco representam, ao que parece, uma antecipação do processo de mundialização da cultura, uma uniformização nacional, já, em tudo não desejável, haja vista as diferenças significativas entre as regiões do Brasil. Ora, dia desses, em cidade do Agreste, distante três horas, se muito, do Recife, ouvi uma indagação a propósito da Capital e à minha resposta, o interlocutor de ocasião desculpou-se: "Não assisto mais os canais locais!". E não se assiste, mesmo! Antes, o receptor das casas interioranas e do nosso mais do que belo arquipélago de Fernando de Noronha captam sinais de outros estados, quando não transmissões alienígenas! Dessa forma; podem manter contacto com o resto do mundo e ignoram os acontecimentos próximos! Lembra um pouco os tempos do antes, de uma censura velada às emissoras de rádio e de televisão, quando se procurava a sintonia estrangeira para se ter o noticiário negado na prática. A diferença do hoje é o estado democrático em que se vive, se pensa e se escreve, até! E mais fácil, então, admirar o samba e a música da Bahia ou o Boi do Pará, que o Frevo de Bloco!
Certas manifestações folclóricas, mesmo que herdadas da colonização, como as quadrilhas de São João, que encantaram a vida de tantos e serviram para o encontro de muitos, surgem na telinha da forma mais estilizada possível, com ritmos diferentes e roupas adaptadas ao tempo da metamorfose! O Carnaval fora de época, também, chega como se fosse a indústria da baixa estação, enche a Av. Boa Viagem de trios elétricos, que tocam, da maneira mais ensurdecedora que já se viu no Recife, acima de todos os decibéis suportáveis, músicas que fazem sucesso em Salvador. Há, por trás de tudo isso, um esquema comercial de fazer inveja a qualquer negociante da cidade, com a indumentária nomeada por estranho vocábulo - "Abada" -, sendo vendida a prestação e representando a senha para a entrada no respectivo trio. E a rapaziada compra, se compromete e paga, depois desfila ali, entre os seguidores do "Recifolia". O "Axé Music", que mistura um pouco de tudo, faz sucesso, pois, na capital do forró e desbanca a sonoridade melodiosa de Nelson e de Capiba, pelo menos por uns dias!
Ora, nestas paragens em que pontificou e pontifica gente da melhor estirpe, entre escritores e poetas, os quais cantaram a beleza dos rios e a grandiosidade das terras, além dos amores e das dores, em prosa e verso ou nestas paragens de compositores e de pintores, de produtores da sétima arte, premiados, sempre, não se pode apagar a chama do inteiramente humano! É necessário, sobretudo, estimular a criação, fazer como, recentemente, fizeram a Prefeitura da Cidade do Recife, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Colégio Contato, de cuja junção de forças nasceram três prêmios, também, para o cinema pernambucano. Ou é preciso fazer como acaba de propor a Companhia Editora de Pernambuco à UFPE, a reedição de um volume no qual estão as principais riquezas do folclore, à semelhança da iniciativa anterior, do Voz Poética, um conjunto no qual estão Ascenso e Manuel Bandeira, Cardozo e Mauro Mota, Gilberto e João Cabral, além de Olegário Mariano, declamando amores. E os cantadores populares, repentistas do mote, que nas feiras improvisavam o verso? Estão sucumbindo à força das novidades do tempo!
É necessário, também, resgatar as velhas estórias contadas pelas nossas avós, substituídas - que pena! -, pelos desenhos animados e as cantigas de ninar, que embalavam as crianças de colo, no entoar de loas assim: "Geraldo vá dormir/Que eu tenho o que fazer/Vou lavar/Vou engomar/A roupinha pra você/Esse menino não é meu/Me deram pra eu criar/Obrigação de quem cria/É menino acalentar".

Um texto de meu recente livro - Textos esparsos, crônicas dispersas -, escrito há muitos anos e guardado por minha mãe, que cuidou em arquivar tudo, dando-me de presente uma quantidade grande de crônicas e de artigos, os quais pude reunir em volume que lancei faz menos de um mês.

Um comentário:

  1. Caro Geraldo:
    Comungo com você desse "desalento" que dá quando vemos as nossas tradições relegadas a outro plano. Quase esquecidas. A globalização é ótima para se trocar conhecimentos, se aprender e também mostrar o que temos. Infelizmente, estão aderindo aos outros ritmos e culturas como se fosse, a nossa, uma "coisa" sem valor, mas acredito que só os incultos, compram com maior prazer o produto de fora. Sou uma apaixonada por nossa cultura e nosso ritmo e costumo dizer: - Pernambuco, o meu sangue freva por você! (sou paulista de Tupã, mas pernambucana de sangue e coração). Obrigada, por mais essa beleza.
    Um abraço,

    Lígia Beltrão - Colunista Divulga Escritor, Cálice Literário (Mosqueteiras Literárias) e Facebook

    ResponderExcluir