domingo, 12 de junho de 2011

O diário de uma mulher

Morava no Recife, em sobrado bem afeiçoado e bem cuidado. Era casada e filho nunca tivera. Ninguém sabe se por conta dela ou se por causa do marido; a verdade é que corria à boca pequena que o homem não era muito de mulher, também não era de homem. Pra ele tanto fazia. Não se interessava por sexo, isso sim! Era um avarento, cheio de dinheiro de suas heranças, mas mão de vaca, contido com as despesas. A mulher fazia-lhe uns pintos, como se dizia outrora da retirada feminina dos recursos destinados às despesas de casa. A feira ou o mercado e um pinto a mais na conta da verdadeira ninhada de suas cobiças. E por ai as coisas iam se compondo.

Era incapaz de deixar o ambiente doméstico, porque não fazia parte do costume daquele tempo. Abandono do lar era a figura jurídica logo invocada e ao que se dizia a mulher perdia todos os direitos. Não tinha profissão, senão a de prendas domésticas, por isso também não deixaria as suas mordomias. Ia vivendo dessa forma, sustentada à base do habitual surrupio nas reservas maritais. Dessa forma, embora suportando as grosserias todas a que era submetida, não arredava o pé: dia e noite naquele teitei. De toda forma tinha certo poder na constelação conjugal, em função de sua responsabilidade com o carro. Dirigia o veículo e dele cuidava, conduzindo o homem acima e abaixo. Pra frente e pra trás. É claro que trabalhar, Matheus, propriamente, não trabalhava, mas visitava os inquilinos e acompanhava seus investimentos no banco. Vivia de renda!

Sempre foi uma mulher bonita e bem feita. Morena da cor, morena jambo, diziam os amigos do marido durante as noitadas em sua casa, quando se jogava o pôquer até a madrugada, em fins de semana ou até às quartas ou às quintas. Afinal, não trabalhava o dono da casa. Assim, onde passava chamava sempre muita atenção. Em casa e na rua. O cachorro de quintal, Severino Ramos da Silva, Biu por apelido, ficava deslumbrado quando Cremilda surgia no terreiro de short curtinho, como se fora aquelas meninas de seu Romeu, novas na idade e assanhadas no modo de vestir. Mas ela não, mulher de seus 40 anos, não tinha modos, pensava, expondo-se, como fazia, mostrando as pernas; as pernas e as coxas. Ele ficava embasbacado! Pior quando inventava de se queimar ao sol de verão, diante do galinheiro, até o galo espiava. Severino se perdia em seus afazeres, deixava de ciscar o terreiro, de retirar o lixo e de cuidar das galinhas com aquela visão surrealista de mulher.

Aconteceu um dia que a respeitável Cremilda, não contando com nenhuma de suas auxiliares, despedidas em função de seus caprichos, assumiu todo o serviço de casa, lavando a louça e cozinhando, fazendo naquele dia um guisado de frango. Ficou enjoada com o calor e os salpicos d’água em sua blusa e decidiu-se por ficar nua da cintura pra cima. Os homens ficavam dessa forma com a maior facilidade, por que ela não? E tirou a roupa. Já não usava sutien de hábito, tal a firmeza de seu busto e ficou com tudo de fora. Seios firmes, duros, hirtos era o adjetivo que melhor lhe caia, dizia e repetia com palavras decisivas e definitivas. Biu ficou estupefato com a cena; a cena e a atriz daquele espetáculo, perplexo pode-se dizer, mas baixou a vista em sinal de respeito, ao que Cremilda, verbalizou, em alto e bom som:

- Seu Biu, não precisa ficar assim não. O senhor pode olhar, só não pode é encarar.

Mesmo assim o homem, em sua humildade ou em sua simplicidade, olhou uma única vez, como quem deseja fixar as ideias e não viu mais nada. Na escola, onde fazia o Curso Supletivo, não teve coragem de falar nada, sequer a Monteiro, seu colega mais próximo, amigo do peito, como gostava de falar. Tampouco a Terezinha, sua colega e namorada, que chegava a estrebuchar de ciúmes. Ah, se ela soubesse disso!



(**) O texto acima é um arremedo de conto, que poderá ter seguimento ou não, a depender dos leitores e de suas respectivas opiniões. A ficção não é uma invenção do escritor, ninguém escreve o que não viu, ouviu ou teve notícias, essa é que é a grande verdade. Assim, Cremilda, não é uma única mulher, representa, em realidade, muitas das mulheres que vi, que ouvi falar ou que tive notícias. Escreva o leitor dando sua opinião, se o texto tem ou não continuidade. O faça no espaço mesmo do Blog ou para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

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