quinta-feira, 10 de maio de 2007

Amanaques e Boletins

Há preciosidades que não podem ser desprezadas, porque são resquícios da história, transmitem o que se viveu. Assim tem sido com alguns dos objetos das feiras de antiguidades. As canetas Compactor, por exemplo, tão em moda na década de cinqüenta ou aquela da pena fininha: a Parker51. Uma jóia quase, para presentear os filhos quando já matriculados no Curso Científico ou no Clássico. As louças da mesma forma, evocam gerações. Sem falar nos móveis, em cristaleiras e petisqueiras ou cômodas e penteadeiras, em desuso hoje nos apartamentos pequenos e contidos. Os lustres de cristal, a deixarem pendentes reluzentes pingentes, nos quais os raios de sol dançavam o balé das horas: pra lá e pra cá! E os espelhos grandes e brilhantes, a refletirem a infância e depois a adolescência?

Recebi do Dr. João Veiga um raro presente. Um Almanaque do Biotônico Fontoura, publicado em 1954, com o furinho e o cordão com o qual certamente foi pendurado na cozinha de uma casa qualquer pras bandas do Sertão, de onde veio esta criatura: médico de sensibilidade à flor da pele. Colecionador dos nunca ultrapassados discos de vinil, que rodaram nas vitrolas o jogo das sedutoras aproximações humanas. Secções as mais diversas – no almanaque –, desde aquelas da cultura às do bom humor, com inocentes piadas, passando pelo calendário com os santos do dia e a lavoura do mês, recomendando o plantio e sugerindo a colheita. Na brochura podiam os ancestrais do agora adquirir o conhecimento vigente e se orientarem no tempo e nas coisas. Que beleza!

Fiz a leitura de um fôlego só, da primeira à última página, sem pestanejar. Viajei no tempo, voltei aos anos das calças curtas e lembrei da farmácia na Avenida Visconde de Suassuna, onde pontificava o Sr. Belmiro, homem de poucas palavras e de mão pesada, espetando a agulha afiada da velha seringa de vidro, bem esterilizada, por certo. Injeções de Bismuto ou de Penicilina, contanto que os meninos não se queixassem da garganta doendo ou das amídalas inchadas. Quando foi embora, trocando a Boa Vista pela Bomba do Hemetério, assumiu a missão o Sr. Domingos, figurante, por anos a fio, dos cenários da meninice, enorme na estatura, mas doce no trato. Funcionário da antiga fábrica TSAP passava às onze para o almoço, hora de ser convocado e de logo picar o inquieto doente.

Fui à estante para guardar o Almanaque do Biotônico Fontoura em boa companhia, junto ao Boletim da Cidade e do Porto do Recife, uma generosa lembrança de Paulo Brusky, mais um colecionador de raridades e cuidei em novamente folhear a brochura. Publicação que data de 1945, quando tinha um ano de idade somente e a guerra urrava os estertores que antecedem o armistício. Periódico mimeografado – ninguém sabe mais o que é isso! –, editado pelo esforço de Césio Regueira Costa, Diretor do Departamento de Documentação e Cultura. Personagem de outros cenários da juventude, das visitas à repartição da cidade, onde se tinha à disposição um estúdio para ouvir os melhores discos da época. E o meu amigo Zé Biriba – onde estará ele? – não deixava de freqüentar!

Uma preciosidade, pelo que traz de conteúdo - o Boletim! Um dos artigos transcreve o depoimento de Vauthier sobre o Recife. Que lindo! E o engenheiro francês prestou atenção a tudo, às casas e às ruas, como seria de se esperar, mas às mulheres da mesma forma, das quais gostou e não gostou. E lá está Silvino Lopes, a quem conheci na Redação da Folha da Manhã, jornal do qual o meu pai tirou o seu e o meu sustento. A poesia do velho Ascenso Ferreira foi dissecada no que tem de popular. Antigo poeta do chapelão, que muitas vezes bateu em minha casa e foi por mim recebido.

Para terminar essa caminhada das saudades, ligou João Trindade, companheiro de jornadas no campo de futebol do Deputado das Vovozinhas: Alcides Teixeira. Mas, não falou do jogo de botão e tampouco das peripécias da época! Que pena! Vez ou outra liga Moisés, de outras histórias e de outras pendengas, autor de um cognome estranho para designar umas moças imensas de gordas: albacoras!

Com tanta emoção assim, só redigindo sob os acordes maviosos de Altemar Dutra evocando o velho, mesmo que o computador trave e reclame que as nostalgias melhor estariam no teclado da máquina de escrever! É verdade!
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