domingo, 22 de abril de 2012

Chovia Peixes em Canguaretama


O meu tio Cícero – Cícero Fernandes de Macedo – era uma figura; uma figura quase folclórica. É aquele que dizia, em alto e bom som, que se o homem chegasse à Lua não encontraria nada além de uma grande plantação de alface. Não sei porque alface? Não viveu, infelizmente, para saber que sua afirmativa profética não foi confirmada. Ou era aquele que lia toda a obra psicografada do espírito Ramatis e a distribuía com os principais padres do Recife, inclusive Dom Helder Câmara.

Gostava de conversar com ele e de perguntar – perguntei isso dezenas de vezes – como tinha  começado a vida: “Como cachorro, meu filho!”. Era o que respondia sempre, para justificar que em seus inícios apenas varria o salão de uma antiga venda, como aquelas que conhecemos no Recife, de balcão ensebado pela charque e o “fígado de alemão” cortados ali, sem falar no bacalhau dos pobres e remediados da sorte.

Não suas tentava as urinas e por isso tinha uma bexiga externa, de borracha, a qual era esvaziada, de hábito, no “quem me quer” da rua da aurora. É que tivera seguidos episódios de gonorreia e ficara, depois de um tratamento longo, com essa incapacidade de micção. Certa vez, contou isso, estava em Canguaretama, no interior do Rio Grande do Norte e teve uma urgência urinária, sem conseguir de forma alguma eliminar as urinas, razão para usar um graveto do solo e com ele romper a cicatriz em segunda intenção de sua uretra. Um horror isso! Mas fez!

De Canguaretama contava que quando chovia ali era uma beleza, pois a chuva vinha acompanhada de peixes. Eu ficava perplexo com isso e indagava a explicação para o quase milagre. É simples, dizia, as ovas sobrem às nuvens quando do processo de evaporação e por lá se desenvolvem, viram peixes, esses crescem e descem à primeira tempestade. Eram espécimes dos mares e dos rios, afirmava com toda ênfase. Incrível isso! Essa foi a maior mentira que já ouvi em toda vida! Valei-me!

Jogava baralho conosco, comigo e com os meus amigos da rua e ganhava todas as partidas. Só depois descobri que guardava cartas importantes sob a mesa. Reis e damas, valetes e coringas, eram postos numa reentrância de um campo de botão improvisado em tabuleiro de jogos e resgatados quando a partida ia terminar. Resultado, batia todas! Um barato essa coisa! Não estava nem ai para o exemplo que devia dar.

A mulher, a quem roubara de casa aos 15 anos, chamava de “benzinho”, enquanto ela o tratava por “Cicinho”. Viviam assim, numa lua de mel que já fora de fel, porque o homem aprontara todas que se imaginar com o sexo oposto e considerado fraco. Fugiu com ela e foi exercer o seu ofício de “cachorro”, só depois fazendo um concurso para a Alfândega, em cujo programa estava as quatro operações, das  quais só sabia duas. E foi com uma soma e uma subtração que alcançou seu cargo. Era o anjo da guarda de meu pai nas horas difíceis, numa viagem qualquer fora do estado ou do País ou num aperto financeiro.

Quando os velhos viajaram à França, assumiu a família. E numa ocasião, briguei com um padre, meu professor de matemática, mandou que continuasse a discussão iniciada no dia seguinte, deu corda. Não quis saber de briga, já estava grande e não segui os seus conselhos: “Fez muito bem! Amanhã faça mais!”. Não fiz!