quinta-feira, 29 de julho de 2010

Uma Medalha de Latão

Eu estava em casa, bem acomodado, sentando na varanda do apartamento. Fosse nos anos de menino, não deixaria de usar a terminologia do tempo, muito apropriada aos espaços de lazer em moradias bem afeiçoadas: alpendre. Fiava conversa com o meu genro cearense e aguardava a chegada de Moisés, um grande amigo de infância, aquele do relógio da marca Mondaine, que ele consertou e me trouxe quatro décadas depois. Achou a peça, casualmente, em suas quinquilharias e dela, francamente, nem eu lembrava. Guardo hoje o reloginho na mesinha de cabeceira, lembrando meu pai, que me dera aos 15 anos de idade.
A verdade é que o telefone celular tocou. Não gosto de ligações inesperadas, ainda mais quando expõem números desconhecidos. Atendi! Era um homem que me saudava e dizia muita coisa de uma só vez: “O senhor é um grande homem! Já devia estar no Senado! Seu porte é de um senador!”. E explicou que eu tinha sido distinguido com uma medalha, uma comenda, a qual gostaria de acertar detalhes para entrega solene. Pensei com meus botões, um tanto quanto animado com a distinção, mas não tinha assim de pronto onde combinar a noite da entrega. Pedi um tempo, ligasse, por favor, na segunda-feira, porque ia acertar no Memorial da Medicina o melhor dia, convidar os meus amigos e parentes, fazer uma festa com coquetel e tudo. Ele acedeu! Ligaria depois! Nem cheguei a tratar do assunto com o meu colega Luiz Gonzaga Barreto, Diretor daquele espaço.

Fiquei ali matutando, atiçando o imaginário, pensando de onde aquela figura tinha tirado o meu nome e que serviços tinha lhe prestado ou à sua comunidade, como dissera. Foi quando Moisés aportou em casa, sentou-se na varanda, também, destampando uma cerveja Devassa, das recomendações de um outro amigo. Resolvi, então, ligar para o número que ficara em meu celular. Liguei e o telefone demorou a ser atendido. Quando a voz do outro lado disse “alô”, cumprimentei o interlocutor de ocasião e indaguei de onde falava. Era de um “orelhão”, na avenida Conde da Boa Vista, o penitente ia passando quando ouviu a campainha tilintando, parou e resolveu atender. Contei a história, mas de nada serviu. Não vira o tal figurante, que agora se mostrava ameaçador pra mim! A rua tinha pouca gente, dizia, mas ninguém por perto desse equipamento público, menos usado agora, depois dessa febre de aparelhos celulares.

Esperei pela ligação da segunda-feira e quando o atendi, disse-lhe que não tinha acertado, exatamente, nada até o momento. A figura foi, então, curta e quase diria grossa, em sua posição. Se nada acertara, entregaria a medalha em minha casa. Bom! Achei estranho! Ora a criatura é distinguida com uma honraria, o responsável não tem onde fazer a solenidade e na dúvida do agraciado, faz a opção doméstica. Não estava me cheirando bem essa história. Mas, vamos em frente! Marquei para a quarta-feira, dois dias depois. Não precisa dizer que estava com medo – seguro morreu de velho, dizia minha mãe – razão para recebê-lo no hall do prédio. A minha filha mais nova, sempre muito atenta comigo, decidiu que eu não iria sozinho, ela estaria junto, “pra o que der e vier”. Descemos os dois quando o interfone tocou e nos convocou.

Era um senhor de roupas simples, mas vestido com paletó e gravata. Sentamos e o homem abriu a boca a me elogiar de uma forma inusitada. Além de senador poderia ser governador, deputado e outras tantas coisas que foi desfilando. Tirou do bolso um relógio “Mido”, parecia um que dei a meu pai, certa vez, pagando a prestação, uma medalha de honra ao mérito e mais um diploma. A entidade outorgante era uma associação de bairro, vi depois. Mas, o meu visitante não hesitou em me mostrar um “Livro de Ouro” para que assinasse. Olhei o volume página e por página e fui lendo os nomes que me antecediam na penitência. A menor das doações era de R$ 500,00. Valha-me Deus, quase digo! Expliquei a ele que era um professor, vivia da aposentadoria e não podia doar mais que R$ 50,00, e já era muito. Foi difícil encontrar uma brecha onde inserir a minha assinatura, sem que ninguém doravante visse a insignificância da quantia. Afinal, assinei na estreiteza de uma brecha e me dei por vencido.

No fim, foi só a besteira dos meus diálogos e da minha doação. O relógio era pirata, a medalha de latão e o diploma de papel reciclado.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

As temperaturas no Recife

O leitor que se detiver em trabalho científico do século 19, escrito por J.J. de Moraes Sarmento, em torno das temperaturas do Recife nos anos de 1842/43, há de notar sensíveis diferenças com os registros de agora, pesquisa, aliás, publicada em volume intitulado "Annaes da medicina pernambucana", reeditado por Leonardo Dantas nos anos 70. Tive a curiosidade de acompanhar as marcas do calor tropical no mês de janeiro deste ano, comparando-as com as informações divulgadas há mais de 150 anos. De outra parte, estou aguardando um termômetro digital que, instalado no computador, repetirá os dados de Sarmento, entre agosto deste ano a janeiro próximo. Mas já disponho de algumas informações interessantes, que podem ilustrar a questão da ordem do dia: a do aquecimento global.

Há de se adiantar que o médico não estabeleceu as mínimas e as máximas, como é do hábito agora, porque anotou seus dados a partir das 5 horas da manhã, continuando pelas 9, ao meio-dia, às 15 horas e às 10 horas da noite. Mas, é possível detectar a máxima, a qual se dá entre o meio-dia e as 15 horas. Pelo geral às 12 horas do dia, em janeiro de 1843. Sendo assim, é possível uma comparação com as temperaturas atuais, cujos registros estão na internet. Foi o que fiz, inicialmente, como nota prévia de uma investigação científica maior que desejo iniciar. Nota, inclusive, divulgada nos anais de congresso voltado para a história da medicina, tema com o qual venho me ocupando. Adiante-se mais que os registros foram feitos na rua da Imperatriz, variável à qual não poderei me ater, haja vista o fato de não contar com ninguém naquela artéria central. Mas isso não será um fator inviabilizador.

Uma visão geral da questão, entre agosto de 42 e janeiro de 43, dá conta de registros que não chegam, em momento algum do dia e em mês algum do intervalo, a 28ºC. Note o leitor que era ameno o clima recifense, sobretudo nos meses de agosto, setembro e outubro. Por isso, a referência de alguns à brisa que soprava em determinadas horas do dia. O vento das ruas do Recife, de que fala Clarice Lispector, em Felicidade Clandestina, talvez só exista hoje na beira do cais, em determinados horários e em certos meses do ano. Dados, porém, de 2009, colhidos em páginas da Internet, apontam para temperaturas máximas que ultrapassam quase sempre os 29ºC, sendo que entre novembro e março estão os registros de maior calor. Qualquer habitante da cidade sabe disso!

No mês de janeiro próximo passado, as temperaturas mínimas foram quase sempre maiores que 22ºC, anotando-se dois registros, apenas, nesse nível. Quanto às máximas, a temperatura de 30ºC não é mais novidade, não sendo raro o termômetro acusar 32ºC. Incrível! É claro que o aquecimento global traz a reboque essas oscilações malfazejas, esse calor tropical intenso, abrasante, capaz de afugentar os mais sensíveis das praias e capaz de exigir o uso costumeiro dos protetores da pele. Ninguém se iluda com as consequências do desmatamento, que fustiga os restos de mata desse Nordeste sofrido, onde a cana-de-açúcar cobre centenas de hectares, destruindo a flora e devastando a fauna. Dia desses, em Aldeia, conversando com um nativo dali, ouvia dele que ainda era possível encontrar pacas, cotias e tamanduás, além das raposas que são vistas atravessando com seus filhotes os terrenos sem vegetação mais, em noites de lua.

Nem a Comadre Fulozinha dá conta de tanta destruição!

(*) - Un texto sobre uma pesquisa feita no Recife entre agosto de 1842 e janeiro de 1843, pelo médico J.J.M. Sarmento, enfocando as temperaturas na cidade; pesquisa que pretendo repetir reunindo dados similares, entre agosto de 2010 a janeiro de 2011. Crônica publicada no Jornal do Commercio do Recife, em 16 de julho de 2010. Já estou pronto para repetir a investigação científica em causa, em que pese a dificuldade para configurar o termômetro que recebi, recentemente, da China, adquirido pela Internet ao preço de R$ 90,00. O leitor comente o que está exposto e acuse a disposição, se existir, de me ajudar na configuração. O faça no Blog mesmo ou para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Reflexões

Nas últimas cinco décadas – talvez nas últimas seis – a humanidade vem assistindo e, sobretudo vivenciando extraordinárias transformações, as quais têm contribuído para as mudanças nos estilos e na qualidade de vida do homem. Nunca a ciência e a técnica avançaram tanto como nos cinquenta ou nos sessenta anos que se passaram, colocando a serviço da criatura recursos que fogem até ao poder do imaginário, de cuja força criadora nasceram os relatos da ficção científica, muitos dos quais materializados depois. A informática revolucionou o mundo, inserindo a máquina em todas as atividades, desde aquelas de natureza estritamente doméstica às de cunho laboral, facilitando tudo. Assim, o microcomputador ocupa hoje lugar importante na casa de muitos e no trabalho de todos ou de quase todos, processando a informação nos mais diversos níveis, do gerenciamento de dados à virtualidade da inteligência artificial, que não vem para superar as potencialidades humanas, mas para contribuir no aperfeiçoamento cada vez maior da produção.


No Brasil o acesso à Internet chega a 23,8% dos domicílios,o que representa 14 milhões de residências, sendo que no Nordeste o percentual não ultrapassa 11,6%, enquanto que no Sudeste é de 31,5%. Compreende-se, assim, os motivos pelos quais grande parte desse segmento tem renda mensal de R$ 1.800,00 ou mais, e que os usuários estão concentrados na chamada classe A. Em 2009, cerca de 67,5 milhões de pessoas conviviam com alguma forma de comunicação através da informática, em casa, no emprego ou ainda em lan houses e nas universidades, dados superiores, pois, àqueles de 2006, quando foram registrados 32,2 milhões apenas. Se for considerado, apenas, o ingresso residencial ou do trabalho, o número cai para 36,4 milhões. Mesmo sendo um número ainda pequeno, em País no qual a população já ultrapassou os 190 milhões, segundo estimativas, há de se dizer que os dados aumentam a olhos vistos, numa curva crescente. De mais a mais, adiante-se que o Brasil é o 5º país em acessos à Internet. Nas áreas urbanas, 44% da população está conectada à internet. 97% das empresas e 23,8% dos domicílios brasileiros, como se comentou, estão conectados à internet.

De outra parte, do uso rotineiro dos receptores de rádio passou-se à utilização da televisão colorida, a qual pode cobrir o mundo inteiro em tempo real, acrescentando-se o uso diferenciado por assinatura. Como se experimentou, igualmente, a facilidade da telefonia internacional, do equipamento celular e do fax. O uso atual da telefonia celular surpreenderia Grahm Bell, se encontrasse a sua invenção transformada em máquina fotográfica, capaz de documentar o cotidiano ou se soubesse de seu equipamento com acesso agora à Internet e a outras redes. Tudo isso sem contar com os inúmeros equipamentos portáteis que prestam novos serviços, inovando o dia-a-dia de toda gente. Os palms ou os pockets dispensaram as antigas agendas e se prestam também ao acesso à grande rede ou permitem a redação de textos, além de disponibilizarem outros aplicativos. E há outro equipamento sendo disponibilizado, uma tela portátil, capaz de armazenar centenas de livros e de permitir a leitura em qualquer circunstância. Fala-se que há de substituir o livro.

(*) - Trecho de um livro que estou escrevendo há muito tempo, versando sobre o tempo que se vive, as mudanças e as transformações que assisti ao longo dos últimos cinquenta anos. A dificuldade que tenho em publicar é a rapidez com que tudo se desatualiza.  O volume tem um título provisório de "Reflexõe sobre um tempo novo". O leitor, por favor e obséquio, comente, diga se gostou ou se não gostou, do título e do texto. Comente no espaço do Blog mesmo ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com