quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A Igualdade Perdida

Fotografia amarelada essa, de mais de trinta anos pra trás! Cena da existência que o tempo cuidou em desbotar, apagando os sentimentos, as vivências e as convivências! Lembro, muito vagamente, dessa visita ao horto, dos passeios por ali, pelas alamedas de Dois Irmãos, eu e alguns dos meus companheiros dos verdes anos, fazendo uma exploração do zoológico, numa manhã de sábado ou de domingo! Onde estarão os amigos do retrato, meus colegas na rua em que morava? Um deles não consigo, sequer, identificar, os outros, porém, são de nome e sobrenome, em tudo, bem lembrados! Raramente os vejo, no dia a dia dos meus caminhos, inteiramente diversos das estradas desses velhos conhecidos! Não sei, entretanto, como os encararia agora, se perdi ou se não perdi a intimidade do antes, pois, como disse Luiz Fernando Veríssimo: “Com o passar do tempo a gente perde a igualdade que tinha na infância e na juventude.” E é isso mesmo! Mudam os convívios e a proximidade se vai!
Anos e mais anos contados em conversas que foram fiadas na beirada das calçadas! Histórias e estórias, tantas vezes, contadas e recontadas sobre as experiências dos começos, planos de vida nascidos assim, numa roda qualquer! Idas e vindas ao cinema nas noites de domingo, comentários sobre o filme, com enredo ou sem enredo que agradasse. Dramas de amor expostos na tela em roteiros compartilhados, sempre, por adolescentes em flor, jovens que pratearam, agora, os cabelos e vergaram o corpo ao peso do tempo vivido. Jogos de botão em torneios vespertinos, antecipando outros, os de futebol, com o time da rua bem arrumado e bem calçado, perdendo inúmeras vezes, mas sustentando o espírito desportivo o tempo todo. Outros torneios, noturnos esses, de dominó ou de baralho, com a canastra presidindo os interesses nunca pecuniários da meninada. E às dezenove horas, em ponto, o compromisso da novela: “Jerônimo - O Herói do Sertão”. Lúdicos personagens das noites de menino!

 
Passeios de bicicleta em torno do quarteirão, voltas e mais voltas, contanto que a aproximação vencesse a resistência da moça e o namoro pudesse começar ou recomeçar. Sete vezes rompido e sete vezes renovado, o amor dos inícios perdeu-se nas brumas do tempo ou dissolveu-se, simplesmente! Outros passeios e outros amores feneceram, também, na idade dos sonhos e dos devaneios, levando os afetos e impedindo os afagos. De mãos dadas pelas ruas, escondidos de pai e de mãe, com a cumplicidade dos amigos e das amigas, cumpria-se o preceito religioso e se pagava os pecados, depois, visitava-se o centro urbano da cidade, tão diferente dos dias de hoje, pra assistir um filme qualquer. Na face, certa vez, duas lágrimas rolaram lentas, diante do encantamento com a poesia e a música: “Por que não páras relógio/Não me faças padecer/...” E essas rupturas mataram as intimidades, do mesmo jeito! Ninguém pode mais se encontrar e exercitar os sentimentos, por mais intensos que tenham sido!
 
De tudo isso sobraram os retratos, poucos! Fotografias de uma época tão distante já, de amizades e de proximidades que não existem mais, de intimidades agora perdidas, completamente, de novos estranhos restritos aos cumprimentos formais, somente! Encontros casuais, efêmeros, sobretudo, nos quais a , quase, indiferença do gesto qualifica o momento. E o observador, que de longe acompanhasse tudo isso, jamais imaginaria os vínculos do pretérito, laços de tanta fraternidade que se romperam à força dos anos! Ando pelas ruas do bairro, o mesmo em que morei dantes, sem notar a presença dos companheiros, dos antigos colegas ou dos velhos amigos. Faço uma retrospectiva daquelas convivências e sei de alguns encantados, já, no infinito das coisas, gente que ao pó retornou, cumprindo o desiderato da vida: “E ao pó voltarás!”.
 
Eis a metamorfose do tudo e a compreensão do nada!
 
 
(*) - Um texto descoberto nos alfarrábios, agora virtuais, em discos e mais discos, vistos e revistos, à cata de outros textos para comporem mais um livro nessa minha trajetória do inteiramente literário. A minha gratidão aos que escreveram e me renderam a solidariedade dos sentimentos, dos pêsames pelo falecimento de minha mãe, de quem hei de me lembrar por anos e anos. O leitor que se agradar da crônica não hesite, comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira.gj@gmail.com